Em nossa sociedade de consumo, com seus infindáveis apelos aquisitivos, possessivos, o Ter adquiriu uma importância desmedida e desproporcional.

Não se deve, todavia, imputar toda a culpa dessa aberração à sociedade, que nada mais é do que o somatório das mentalidades individuais.

É bem verdade que a sociedade reforça as tendências já existentes no indivíduo, mas o ponto de partida de todas as tendências positivas ou negativas é sempre o indivíduo, não a sociedade.

Nenhuma sociedade, com todos os seus frenéticos apelos e condicionamentos, poderia induzir Mahatma Ghandi, Albert Shweitzer ou Madre Tereza de Calcutá a serem consumistas ávidos de posses materiais, nem hedonistas ávidos de prazeres sensoriais.

Se esses e outros seres que estão na vanguarda evolutiva da humanidade se mostraram imunes a isso, os demais também estarão em algum momento do futuro, mesmo ao custo de muito tempo, sofrimento e desilusões.

A possessividade está ligada a um grau intermediário da evolução humana, em que a mente já está bastante forte para moldar os clichês de seus objetivos e alcançá-los por causa do poder da mentalização, da persistência e da inteligência.

Mas ainda não está bastante forte para neutralizar seus apetites primários e egoístas e pensar mais nos outros do que em si mesmo.

Nessa etapa da evolução, a ânsia de ter é inevitável e não deve ser condenada de forma absoluta, salvo os excessos, desequilíbrios e os métodos desonestos usados para aquisição.

É claro que para se conseguir alguma qualidade de vida, é necessário ter um mínimo de posses, tais como moradia, alimentos, vestuário e alguma garantia de suprimento dessas necessidades básicas. Mas daí a ter uma enorme quantidade de bens, privando outros seres do acesso a eles, há uma grande distância.

O ter em excesso e principalmente os apegos aos objetos de posse, obstrui o ser e causa infelicidade. O ter pode causar prazer momentâneo, porém, esse prazer logo se transforma em tédio, saturação e embotamento.

No final, o possuído se transforma em possuidor, e o homem, escravo daquilo que possui.

O ser não pode se manifestar, quando obstruído por tantos “penduricalhos”. A ausência de autocontato, de conexão com o ser essencial é uma das causas mais comuns de alienação e angústia.

Os adeptos da chamada “teologia da prosperidade” se apegam a frases isoladas do texto bíblico, distorcendo seu significado de acordo com seus interesses. Jesus disse de fato: “Buscai primeiro o Reino de Deus e tudo o mais lhe será dado por acréscimo”.

Obviamente está implícita e embutida nessa sentença o sentido de que tudo o mais que necessitais para vossa subsistência. Jesus nunca teve a intenção de produzir ricaços e milionários com seus ensinamentos, caso contrário, não teria dito ao jovem rico: “Abandona tudo o que tens e segue-me”! Ou ainda: “As aves têm seus ninhos e as raposas têm suas tocas, mas o filho do homem não tem onde repousar sua cabeça”.

A alienação produzida pela ânsia de posses é tão forte e tão enraizada nas pessoas, que alguns pseudoteólogos chegam até mesmo a adulterar os ensinamentos básicos de sua religião, para conquistar adeptos, oferecendo-lhes algo que nem o próprio Jesus prometeu.

Numa sociedade carente e pobre, na qual uma minoria tem demais, enquanto outros não têm nem o necessário para atender às necessidades básicas, as pessoas se tornam carentes e inseguras, tornando-se presas fáceis para espertalhões que exploram as carências e necessidades humanas.

A ânsia de ter é tão forte que até mesmo nossos sentimentos subjetivos deixam de ser uma ação da alma para se tornarem uma posse. Quando sentimos algo, costumamos dizer: “temos amor”, ou “temos ódio”. Ou alguém diz “tenho ciúme” em vez de dizer “sinto ciúme”. Dizem ainda “tenho sono”, em vez de dizer “sinto sono”!

Embora possam parecer apenas formas de expressão, demonstram até que ponto o ter se enraizou em nossas vidas, obstruindo o ser.

Sob o ponto de vista da sociedade consumista e aquisitiva, alguém que nada tem não é ninguém. As pessoas são avaliadas pelo que têm e não pelo que são.

Isso é a raiz da corrupção e da violência. Se para ser alguém, uma pessoa necessita ter algo, ela se torna capaz de fazer qualquer coisa lícita ou ilícita, caso contrário, estará condenada a ser ninguém.

E, sendo ninguém, nada tem a perder, a própria vida perde o significado para essa criatura.

E quando a própria vida perde o significado, a vida alheia se torna ainda mais insignificante.

Daí se pode perceber a causa profunda da violência no mundo moderno.

Por mais que se discuta sobre educação, assistência social e recuperação de criminosos, a violência não terá fim enquanto for alimentada de forma indireta pelos valores da própria sociedade.

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