É com muita honra que venho aqui, hoje, conversar sobre um assunto de fundamental importância: o papel do Rito Moderno na construção de uma Política Maçônica, visando harmonizar as relações sociais com todos os demais Ritos.

Nosso objetivo, portanto, é provocar uma profunda introspecção em cada um de nós, um verdadeiro olhar voltado para o nosso interior, a fim de percebermos, se é importante discutirmos os aspectos e problemas políticos e sociais das comunidades onde nossas Lojas encontram-se instaladas, também se faz necessário conhecermos os aspectos políticos internos da nossa própria sociedade maçônica.

Salvo raríssimas exceções, o irmão que hoje é membro de uma Loja Maçônica, não teve a oportunidade prévia de escolher o Rito em que gostaria de efetuar sua caminhada ao longo de sua vida Maçônica; quiçá, nem mesmo aqueles que hoje são seus companheiros nesta jornada, como verdadeiros irmãos, ele os conhecia antes (à exceção de seu padrinho, é óbvio). Porém, quanto a estes irmãos, o novo maçom tem a grata satisfação de descobrir que, se não os conhecia antes, pelo menos foi escolhido e aceito por eles.

Mas, e quanto ao Rito que lhe será imposto? Que, na grande maioria das vezes, permeará e dirigirá todos os seus atos ao longo de sua caminhada? No mais das vezes, ele sequer sabia que existe, dentro da Maçonaria, cerca de 220 Ritos; ou mesmo que, no Brasil, as lojas adotam, diferentemente, cerca de seis a sete destes Ritos.

A título meramente ilustrativo, vale mencionar que, segundo a edição do ano de 2013 do Guia Maçônico Nacional (Editora Novo Oriente) existiam, naquele ano, apenas no Estado de São Paulo, aproximadamente, 1.748 lojas maçônicas trabalhando ativamente (02 no Rito de São João; 13, no Rito Schröder; 40, no Rito Brasileiro; 66, no Rito Adhoniramita; 72 no Rito Moderno; 85, no Rito de York e cerca de 1.470 lojas no REAA).

Queridos Irmãos, no grau de aprendiz, deparamo-nos com uma pergunta por demais importante:
O que somos nós? O que é um Maçom?

A resposta a esta pergunta, não carece ser feita de forma automatizada, robotizada; ela precisa sim, ser incorporada, compreendida, assimilada em toda a sua essência: Maçom é um homem livre e de bons costumes que, antes de qualquer outra coisa, prefere ver-se cercado pela Verdade e pela Justiça e que, sendo livre do preconceito característico de um profano pode se fazer amigo de um pobre, ou de um rico, desde que estes tenham boas virtudes.

Livre do preconceito do homem comum! E o que é um preconceito?
O preconceito é aquela ideia pré-existente que temos de uma pessoa, ou de uma coisa, antes mesmo que tenhamos oportunidade de ter contato direto com esta coisa, ou pessoa; é aquela suspeita não fundada em fatos; é uma concepção sem constatação e que, na maioria das vezes, generaliza, rebaixa e diminui aquilo, ou aquele que é objeto deste pré-conceito.

É fácil visualizarmos isto: é só pensarmos na ideia comum que se tem em relação àquilo que é diferente: pobre, negro, nordestino, oriental, feio, deficiente, bem como com relação àqueles que professam crenças, valores morais, filosofias e pensamentos diferentes daqueles que entendemos como certos.
Neste sentido, sem medo de cometer qualquer injustiça, podemos afirmar que, na sociedade maçônica, um dos Ritos que sofre com o preconceito da esmagadora maioria dos irmãos de outros Ritos é o Rito Moderno – que é um dos menos conhecidos, menos estudado e sobre o qual existe tão pouca literatura no Brasil.
Nas palavras de André Otávio Assis Muniz, um excelente autor modernista (e um dos poucos a escrever sobre o Rito Moderno), o preconceito é um dos maiores empecilhos para o progresso dos estudos do Maçom, sendo que, para superar este obstáculo, ele “deve avaliar com imparcialidade cada questão, deve se utilizar da lógica, da razão, da análise metodológica e confrontar cada informação com os fatos para, então, e só então, emitir um juízo qualquer”.

Para uma melhor assimilação e aproveitamento desta nossa explanação, faz-se necessário que todos nós nos dispamos de nossos pré-conceitos contra aquilo que é diferente, afastemo-nos de nossas conveniências pessoais (profanas ou maçônicas), pensando naquela verdade que é aceita, defendida e repetida por todos os maçons há centenas de anos: MAÇONARIA NÃO É RELIGIÃO.
Não importa qual seja o nosso credo: católico, evangélico, espírita, budista, maometano, judáico … Por que: – Maçonaria é uma filosofia de vida, um modus vivendi, e não um credo religioso.
A reforçar esta nossa observação, o próprio Ritual do Simbolismo de Aprendiz, utilizado no R.E.A.A., nas Lojas da GLESP traz registrado, na abertura dos trabalhos da Loja, uma maravilhosa lição de tolerância religiosa, no diálogo entre o V.·.M.·. e o Chanc.·., quando este responde o que é a Maçonaria, dizendo que: “é uma Instituição que tem por objetivo tornar feliz a Humanidade: pelo amor, pelo aperfeiçoamento dos costumes, pela tolerância, pela igualdade, e pelo respeito à autoridade e à crença de cada um”.
Neste trilhar, há que se observar que, no Brasil, (segundo levantamentos extraoficiais) cerca de 80% dos maçons declaram-se membros da Igreja Católica Apostólica Romana. E é quase que uma unanimidade, dentro deste grande grupo majoritário, a existência de um pré-conceito com relação ao Rito Moderno, por entender que este é materialista, que ele é ateu e que aceita o ingresso de ateus em seus quadros.
Que fique bem claro, ao leitor, que não estamos querendo provocar desunião ou desavença, trazendo à baila assunto tão delicado e que, por isso mesmo, é evitado por quase todos; mas, tão somente, justificar, historicamente, a falta de fundamentação filosófica, ou moral, para a existência de um pré-conceito contra o Rito Moderno, dentro da sociedade maçônica.

Neste sentido, parece-nos extremamente importante deixar evidente que não é o Rito Moderno que é condenado pela Igreja Católica, mas a própria Maçonaria, como um todo, independentemente do Rito adotado por esta ou aquela Loja.

Esta cizânia começou em 28 de abril de 1738, com a publicação da Bula In Eminenti Apostulatus Specula, do papa Clemente XII (que foi resultado de atritos e questões meramente políticas entre os interesses do papado e os da Coroa Inglesa). A partir daí, a Igreja Católica Apostólica Romana começou a promover uma propaganda nociva e massiva contra a Maçonaria, na forma de alerta a seus fiéis contra os objetivos desta (reais ou imaginários – como a Igreja passou a divulgar).

Necessário se faz alertar que, naquele primeiro momento, o ataque à Maçonaria era dirigido, diretamente, contra aquela que existia em solo britânico (aquela de origem anglo-saxônica). Contudo, a partir da promulgação da encíclica papal Humanum Genus, pelo papa Leão XIII, em 20 de abril de 1884, o ataque passou a atingir, indiscriminadamente, todos os maçons, pois determinava: “que nenhum homem pense que pode, por qualquer motivo, filiar-se à seita maçônica, se valoriza seu nome católico e sua salvação eterna, como deve valorizar”.

Com esta mesma linha de raciocínio, o Código de Direito Canônico, em sua edição de 1917, no cânone 2.335 declarou que “pessoas que aderem a associações da seita maçônica ou quaisquer outras do mesmo tipo que tramam contra a Igreja e as autoridades civis legítimas, incorrem ipso facto à excomunhão reservada exclusivamente à Sé Apostólica”.

Na edição do Código de Direito Canônico de 1983 (mais de trinta anos atrás), o assunto voltou a ser abordado, desta vez no cânone 1.374, no qual, com uma redação mais sinuosa e confusa, restou consignado que “uma pessoa que se filia a uma associação que trama contra a Igreja será punida com uma penalidade justa; quem promover ou ocupar um cargo em tal associação será punido com uma interdição”.

Sem sombra de dúvidas, qualquer pessoa (maçom ou não) poderia discutir a legalidade de tais textos, defendendo seus pontos de vista com relação a temas como: a Maçonaria não é uma seita … não trama nada contra a Igreja católica … não tece tramas contra os poderes civis constituídos … a Igreja não tem poder de ingerência na administração das Lojas (até porque, esta interdição teria natureza meramente religiosa), que havia sido suprimida a expressão “associação de seita maçônica” no novo texto da lei canônica de 1983, ou, melhor ainda, que não havia, no novo texto, qualquer menção à ameaça de excomunhão, que antes estava prevista no texto de 1917.

Contudo, esta omissão não pôde sequer ser comemorada por aqueles que se consideram “maçons católicos” e que chegaram, inclusive, a considerar a existência de uma aceitação, ainda que tácita, por parte da Igreja Católica, de sua dupla condição de católicos e maçons.

Isto porque, imediatamente após a publicação do novo Código de Direito Canônico, mais especificamente em 26/11 daquele mesmo ano, o cardeal Joseph Ratzinger (hoje papa emérito Bento XVI), do alto de sua posição como autoridade eclesiástica máxima do Vaticano, no que tange aos assuntos relacionados com a fé cristã – como prefeito que era da Congregação para a Doutrina da Fé (denominação moderna do odiado Tribunal do Santo Ofício – responsável por enviar milhares de pessoas às fogueiras da Inquisição) elaborou, e o Papa João Paulo II sancionou, aquela que é, atualmente, a declaração oficial da Igreja Católica sobre as associações maçônicas para, suprimindo aquela lacuna da lei (que tanta esperança havia plantado no coração dos maçons católicos), consignar que “o julgamento negativo da Igreja em relação às associações maçônicas permanece inalterado, pois os seus princípios sempre foram considerados irreconciliáveis com a doutrina da Igreja, e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão”.

Comentando esta declaração oficial do Vaticano, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, Dom Boaventura Kloppenburg, que desde 1975 é membro efetivo da Comissão Teológica Internacional da Santa Sé, em sua obra “Igreja e Maçonaria – Conciliação possível?”, afirma que “em outras palavras e falando em terminologia cristã católica: entrar na maçonaria é matéria grave para cometer um pecado mortal”.
Todavia, apesar de todos os maçons que professam a fé católica estarem, pelos olhos da Congregação para a Doutrina da Fé, em estado de pecado mortal, íntima e conscientemente, eles não se consideram próximos das portas do inferno (pelo menos não pelo fato de serem maçons, é óbvio).

Por outro lado, a despeito do bispo Kloppenburg ter alcançado a conclusão de que existe, sim, possibilidade de conciliação do maçom com a Igreja Católica – desde que este abjure, sinceramente, os preceitos maçônicos, desligue-se da Maçonaria, confesse seus pecados e volte aos braços da Igreja como o filho pródigo da parábola de Jesus, não é este, com certeza, o desejo dos irmãos maçons que professam a fé católica.

Não é apenas o rito moderno que é considerado ateu, espúrio e pecaminoso aos olhos da
igreja católica mas, sim, todos os ritos da maçonaria

Por isso, e a despeito da posição radical de importantes setores da Igreja Católica, em outubro de 2013, visando alcançar uma solução pacífica para esta incômoda situação (que já perdura quase 280 anos), a Maçonaria mundial, representada pelo Sereníssimo Grande Mestre da Grande Loja da Itália, Irmão Gian Franco Pilloni, enviou ao papa Francisco uma carta oficial, onde apresenta “uma humilde requisição a fim de que se trabalhe para pôr fim às divisões que atingem as relações entre a Igreja Católica e a Maçonaria, com a esperança de que finalmente possa reinar a justa serenidade entre as duas partes, colocando fim às divergências que ainda hoje elevam um muro entre as instituições”.

Esperemos, agora, queridos Irmãos, que haja, por parte da Santa Sé, alguma efetiva iniciativa no sentido restaurar a paz entre a Igreja Católica e a Maçonaria, de forma a possibilitar ao grande contingente de maçons que professam a fé católica, tranquilidade para seus corações, pelo simples fato de não precisarem escolher entre sua fé e a instituição maçônica a que pertencem.

Contudo, a despeito dos ventos de tão importante e esperada conciliação estarem começando a soprar, não podemos “fechar os olhos” para esta verdade inquestionável: até o momento, em que escrevo estas linhas, não é apenas o Rito Moderno que é considerado ateu, espúrio e pecaminoso aos olhos da Igreja Católica, mas, sim, todos os Ritos da Maçonaria.

Não podemos nós, portanto, obreiros de Lojas que adotam, em seus trabalhos, o Rito Moderno, continuar a sofrer, em silêncio, o menosprezo dos demais Ritos Maçônicos, principalmente porque temos a forte convicção de que esta situação só se perpetua pelo simples fato de que os demais Ritos não tiveram, ainda, a oportunidade de conhecer, mais profundamente, as razões existenciais do Rito Moderno, e seu indefectível respeito à liberdade plena de consciência de todos os homens (profanos ou maçons).
Ao estudarmos a história do Rito Moderno, descobrimos sua importância como gerador de pensadores e estudiosos e a sua vocação natural de partícipe ativo na construção de uma sociedade maçônica mais harmônica, mais fraterna e mais feliz.
Vale à pena ressaltar, em defesa deste mesmo Rito Moderno, que seu espírito original não é contrário à fé de quem quer que seja, nem cria qualquer óbice ao ingresso de candidatos na Maçonaria por este professar esta ou aquela crença; por acreditar neste ou naquele Ser Superior, ou Deus; ou por ter como fundamento dogmático este ou aquele Livro Sagrado.

O que o Rito Moderno faz é tornar claro a seus membros, que eles tem de aprender a separar suas crenças pessoais religiosas dos conceitos, conclusões e sínteses que porventura consigam alcançar, em seus estudos, dentro da Maçonaria, procurando crescer espiritualmente e, desta forma, ajudar a implantar a união necessária para o fortalecimento da família maçônica, independentemente do Rito e da Potência a que pertençam os demais irmãos.

Tendo a firme convicção de que não somos donos da verdade, oferecemos a todos os Irmãos a lição cunhada por François-Marie Arouet, filósofo e pensador iluminista francês, que passou para a História com o nome de Voltaire em sua célebre frase: “não concordo com uma só palavra do que dizeis; mas defenderei, até a morte, o vosso direito de dizê-las”.

Por isso, repito aquela que é uma verdade para TODOS os maçons: MAÇONARIA NÃO É RELIGIÃO.
Temos uma grande esperança de ter conseguido impregnar vossos espíritos e mentes com esta verdade – de forma indelével, e de uma maneira capaz de produzir-lhes longas e profundas meditações futuras sobre esta explanação.

Bibliografia:
– Ritual de Aprendiz Maçom. Rito Moderno. Grande Oriente Paulista. 2005.
– Manual Dinâmica Ritualística. Rito Moderno. Grande Oriente Paulista. 2005.
– CASTELLANI, José. Cartilha do Aprendiz. 1ª edição. Londrina: Editora Maçônica “A Trolha” Ltda., 1992.
– ASLAN, Nicola. Comentários ao Ritual do Aprendiz. Vade-Mecum
Iniciático. 3ª edição. Londrina: Editora Maçônica “A Trolha” Ltda., 2006.
– CASTELLANI, José. A Maçonaria Moderna. 1ª edição. São Paulo: Editora A Gazeta Maçônica, 1987.
– MUNIZ, André Otávio Assis. Novo Manual do Rito Moderno (Grau de Aprendiz). 1ª edição.
– KLOPPENBURG, Dom Boaventura. Igreja & Maçonaria – Conciliação possível? 7ª edição. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 2009.
– JEFFERS, H. Paul. Mistérios Sombrios do Vaticano. Editora Jardim dos Livros. São Paulo. 2013.

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