Do livro “O Rito Escocês Antigo e Aceito de José Castellani – Editora “A Trolha”

As origens do Escocesismo
O escocesismo nasceu na França, como Maçonaria stuartista (referente aos Stuarts, da Inglaterra e da Escócia), sendo, na realidade, a primeira manifestação maçônica em território francês e isso, muito antes da fundação da Grande Loja de Londres (1717), pois o fato remonta ao ano de 1649, após a decapitação do rei Carlos I, da família dos Stuarts, pelos partidários de Oliver Cromwell. STUART era o sobrenome de uma família, cujos membros, por diversas vezes, ocuparam os tronos da Escócia e da Inglaterra. Seu fundador, no século XII, foi Alan Fitzflaald, um bretão que havia imigrado para Norfolk, na Inglaterra. O sexto descendente de Alan, Walter, casou-se com Marjorie, filha de Roberto de Bruce, e seu filho Roberto II ascendeu ao trono da Escócia, em l37l.

A linha paterna da família real iria terminar, em 1542, com a morte de Jaime V; sua filha Maria Stuart, com o nome de Maria I, subiu ao trono com apenas um ano de idade, foi expulsa da Escócia em 1567, e acabou sendo decapitada, na Inglaterra, em 1587, por ordem de Elizabeth. O filho de Maria, Jaime VI (na Escócia), tornou-se rei da Inglaterra, governando de 1603 a 1625, com o nome de Jaime I. Em 1625, subia Carlos I ao trono, reinando até 1649, quando foi decapitado pelos partidários de Cromwell (e é esse o fato mais importante para o florescimento da Maçonaria francesa stuartista). Enquanto durou a reforma puritana de Cromwell, os Stuarts ficaram alijados do poder; isso aconteceu até 1661, quando, depois de mais de dez anos de exílio na França, Carlos II entrou, triunfalmente, em Londres, restabelecendo a dinastia stuartista.

O sucessor de Carlos II, Jaime VII, subiu ao trono da Inglaterra como Jaime II e acabou sendo expulso do país, em 1688. Suas filhas, Ana e Maria II (esta reinou com Guilherme III de Orange, depois de 1689), foram às últimas da dinastia a ocupar o trono inglês, embora o seu filho Jaime III tentasse, por duas vezes, em 1708 e 1715, usurpar o poder. A linha feminina da família, descendente de Henrietta, filha de Carlos I, ligou-se à Casa de Savóia, passando, depois, às de Módena, Áustria e Baviera. Voltando às origens do escocesismo, em 1649, depois da decapitação de Carlos I, sua viúva, Henriqueta de França, que era filha de Henrique IV e de Maria de Médicis, aceitava, do rei francês Luiz XlV, o asilo político no castelo de Saint-Germain, onde não tardaram em se juntar a ela muitos membros da nobreza escocesa e inglesa, que passaram, imediatamente, a preparar a reação contra Cromwell, para a retomada do trono pelos Stuarts.

Segundo Bertelot, esses nobres, com o intuito de se precaverem contra os elementos hostis à dinastia stuartista, abrigavam-se sob a capa das Lojas Maçônicas, sob cujo caráter secreto podia, sem grandes riscos, comunicar-se com seus partidários na Inglaterra e tramar a queda do puritanismo de Cromwell. Alec Mellor fala em origem jacobita do Rito Escocês, pelo fato de existirem Lojas militares, formadas pelos regimentos fiéis aos Stuarts; regimentos irlandeses e, principalmente, escoceses, totalmente jacobitas, e compostos, em sua maioria, por católicos. Ora, ocorre que jacobita foi o nome dado, na Inglaterra, depois da revolução de 1688, aos partidários de Jaime II e da casa real dos Stuarts. Não se poderia, portanto, usar o termo, em 1649, para designar os stuartistas, mas, sim, para situar os membros das Lojas fundadas a partir de 1688.

A par dos que defendem a origem stuartista da Maçonaria francesa e, portanto, do escocesismo, existem autores, como Henri Marcy, que defendem a tese de que teria havido uma implantação direta, entre 1725 e 1729, a partir da Grande Loja de Londres, evoluindo, desde sua criação, até à qualidade de Grande Loja Nacional. Paul Naudon, que defende a origem stuartista, informa que, em 1661, nas vésperas de subir ao trono inglês, Carlos II criou, em Saint-Germain, um regimento com o título de Real Irlandês, que, depois, seria alterado para Guardas Irlandeses. Esse regimento, seguindo os Stuarts, foi incluído na capitulação de 1688, desembarcando em Brest, a 09 de outubro de 1689, sob as ordens do coronel William Dorrington e permanecendo, até 1698, em Saint-Germain, fora dos quadros militares franceses; nesse ano, ele foi incorporado ao exército francês.

O regimento dos Guardas Irlandeses, segundo o historiador (Profano) G. Bord tinha uma Loja Maçônica cujos documentos chegaram até à atualidade. No dia 13 de março de 1777, o Grande Oriente da França admitiu que a constituição dessa Loja, datava de 25 de março de 1688, sendo, portanto, a única Loja do século XVII cujos vestígios chegaram até nós, acreditando-se, todavia, que os stuartistas tenham criado outras Lojas em território francês, principalmente a partir de um segundo regimento, formado, em Saint-Germain, com imigrantes escoceses e irlandeses. Jean Baylot situa a fundação da primeira Loja stuartista em 1689, em Saint-Germain-en-Laye, sede da corte de Jaime II, pelo regimento irlandês Walsh de infantaria, enquanto a segunda teria sido criada em Arras, pelo dignitário inglês lord Penbrocke. G. Bord faz a separação entre Lojas “jacobitas” (como a primeira) e “orangistas” (como a segunda), que, posteriormente, se fundiriam. A partir de 1688, com o exílio de Jaime II, já se pode falar em jacobitas, termo surgido nessa época.

Embora alguns autores considerem que só existem lendas em torno da criação da Loja de 1689, Chevalier descobriu, por um documento manuscrito, datado de 1735, a confirmação do estabelecimento dos Stuarts, em Saint-Germain-en-Laye, por volta de 1689. Assim, a existência dessa Loja torna-se plausível, considerando-se a importância da população escocesa que emigrou com a corte de Jaime II. Por outro lado, não existem documentos que comprovem a fundação, em Arras, da Loja “La Constance”, pelo já citado lord Penbrocke; da mesma maneira, é incerta a pretendida fundação, em Dunquerque, em 1721, da Loja “Amitié et Fraternité”, sob a patente da Grande Loja de Londres, já que os arquivos são mudos em relação a ela. O que é certo, todavia, é que, desde a criação da Grande Loja de Londres, em 1717, desenvolveram-se, na França, dois ramos distintos da Maçonaria: um inglês, dependente da Grande Loja londrina, e outro “escocês”, livre do sistema obediencial e, portanto, vivendo de acordo com os antigos preceitos maçônicos, segundo os quais os Maçons tinham o direito de constituir Lojas livres, sem prestar contas de seus atos a uma autoridade, ou a um poder supremo (“o Maçom livre na Loja livre”), procedimento que, posteriormente, seria mudado, com a generalização da implantação do sistema obediencial.

As Lojas “escocesas”, todavia, representavam a esmagadora maioria. Em 1771, das 154 Lojas de Paris, 322 da Província e 21 de regimentos, não havia, segundo Gustave Bord, dez Lojas que houvessem recebido sua patente da Grande Loja inglesa; até 1766, ela havia dado patentes oficiais a apenas três Lojas: “Louis d’Argent”, “Daubigny” e “Parfaite Union”.
Na realidade, em 1717,(não se poderia, ainda, falar em Rito Escocês, ou no escocesismo como Obediência). Isso só iria acontecer a partir da segunda metade do século XVIII, com a criação dos altos Graus, suma característica do escocesismo, nascida do desejo de aristocratizar a Ordem, não no sentido político do termo, mas, principalmente, como uma ideia de seleção. Essa transformação iniciou-se em 1758, com a criação dos vinte e cinco Graus (do chamado Rito de Héredom) e só seria plenamente estabelecida em 1801, com a fundação, em Charleston (E.U.A.), do primeiro Supremo Conselho do mundo, do chamado Rito Escocês Antigo e Aceito.

Mas, por que o Rito acabou sendo chamado de Escocês, apesar de não ter uma ligação nacional evidente com a Escócia, mas, apenas, indiretamente, através dos Stuarts? E como um nome estritamente nacional acabou se tornando universal e designando um conjunto Obediencial, a partir de uma organização eminentemente política (jacobita ou stuartista). Le Forestier, em sua obra “L’Occultisme et Ia Franc-Maçonnerie Écossaise”, citada por Mellor, crê que o termo “escocês” representa uma inspiração direta do Discurso de Ramsay, já que este afirma que a Ordem Maçônica conservou, na Escócia, todo o seu esplendor, numa época em que, em outros locais, ela caía na mais profunda decadência. Essa explicação, todavia, parece insustentável, segundo Mellor, pois o famoso discurso é de 1737, enquanto que existem provas de que um Grau chamado de “Mestre Escocês” já era praticado em 1735, daí a origem do termo.

Na realidade, de acordo com Oswald Wirth, existiu um quarto Grau, onde os titulares nomeavam-se “Mestres escoceses”, Grau, esse, que teve a sua ritualística e as pretensões dos que o ostentavam revelados pela literatura maçônica e, também, pela antimaçônica. O tema do Grau é a descoberta, sob as ruínas do Templo de Jerusalém, de uma abóbada, conservada intacta, de um altar, sobre o qual estava escrito o nome da Divindade, a “Palavra Perdida”, daí em diante reencontrada. No painel aparece o Templo em ruínas, com as colunas J e B mutiladas e com seus pedaços espalhados, com o altar tombado. Ele representa, simbolicamente, a ruína da Ordem Maçônica, que o Iniciado no 4° Grau reconstruirá, concluindo, desta maneira, o simbolismo do 3° Grau. As pretensões dos Iniciados nesse quarto Grau eram de constituir uma classe superior de Maçons, com paramentos especiais e com o direito de permanecer cobertos até uma Loja de Mestres e de reger as Lojas Simbólicas. Já praticado em 1735, esse “Grau”, o mais antigo dos escoceses, de nítida origem jacobita (ou stuartista), reunia a suprema autoridade maçônica, que seria a Grande Loja escocesa.

O nome “escocês”, a partir daí, passou a designar Sessões locais de uma vasta organização política, embora o barão de Tschoudy tenha, com pouca sagacidade, ironizado as diversas variantes adicionadas ao termo, citando, como exemplos, as seguintes: Escocês Purificador, Escocês de Riram, Escocês da Prússia, Escocês Trinitário, Escocês da Escócia (?), Escocês de Jacques VI, Escocês de Messina, Escocês Inglês, Escocês de Paris, Escocês de Clermont, Escocês de Montpellier, Escocês Sublime, etc… E comenta, ingenuamente, Tschoudy: “Que se diria de um homem que tomasse o título de Alemão de Verdun, ou de outro que se intitulasse Português de Luxemburgo, Chinês de Amsterdã?”. O termo “escocês”, então, acabou por se generalizar e, de nome nacional, tornou-se sinônimo de uma organização política. Para Mellor, pode-se presumir que isso aconteceu porque a maioria dos fiéis jacobitas era constituída por escoceses, o que acabou por fazer com que todos os jacobitas fossem chamados de escoceses e, assim, com que o termo passasse a ser um rótulo político, ao invés de designar, apenas, o nascido na Escócia. Dir-se-ia, então, “um Escocês”, como quem diria, mais tarde – como cita Mellor – um “Chouan” (insurreto da Vendéia), para significar um monarquista, ou mesmo, um “Vendéen du Midi” (Vendeio do Meio-dia), um “Vendéen provençal” (Vendeio da Provença), e assim por diante (a “guerra da Vendéia” foi uma insurreição contrarrevolucionária francesa, provocada em 1793, pelos cidadãos da Bretagne, do Poitou e de Anjou).

Dentro do mesmo raciocínio, pode-se afirmar que dizer “um Escocês”, seria o mesmo que dizer um “Round head” (Cabeça redonda), para designar um seguidor de Cromwell, ou, no caso do Brasil, por exemplo, seria o mesmo que dizer “um luzia”, para designar um liberal, no Império (o termo, originalmente, só indicava, como alcunha, os liberais de Minas Gerais). Sinteticamente, eis, aí, as origens do escocesismo.

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