“A Maçonaria nos dá a oportunidade de buscar sempre uma nova vida, um novo ideal, e cabe a nós saber aproveitá-la. Aproveitar todo [o] seu conteúdo losó co em todos os momentos, dentro e fora de nossos Templos, é a essência do ideal maçônico,
é transformar e aperfeiçoar permanentemente nossas vidas”. (WEY, 2015, p. 9, grifo nosso)

Um símbolo é, para aqueles que o compreen- dem adequadamente, verdadeira chave de acesso a profundos signi cados. Em uma Loj∴ Azul, portanto, mui ricas são as possibilidades de signi cação que se nos oferecem à compreensão, e a riqueza de sentidos aumenta à medida que alcança- mos novos níveis de conhecimento em nossa trajetó- ria; pois, com o auxílio de uma linguagem eminente- mente simbólica, ao passarmos de um grau para outro e nos empenharmos no estudo constante da simbolo- gia maçônica, conquistamos a todo instante um novo point of view, que nos permite visualizar ideias que di cilmente se desnudariam diante de nossos olhos se permanecêssemos no local donde observávamos outrora. É justamente por isso que todo Maç∴ tem — ou ao menos deveria ter — plena consciência de ser um eterno aprendiz; graças ao in nito desdobramen- to de sentidos desencadeado pelos símbolos, sempre há algo novo para se investigar, estudar, observar… aprender. E é com esse espírito de eterno aprendiz que gostaríamos de fazer deste texto um brevíssimo olhar contemplativo sobre um acrônimo que, em al- guns Ritos e Rituais, constitui-se como um dos principais elementos da Cam∴ de Re ∴.

Todos nós facilmente identi camos a frase lati- na à qual o acrônimo V∴I∴T∴R∴I∴O∴L∴ nos remete, bem como nos é conhecida a sua tradução — “Visita o interior da terra, e pela retidão encontra- rás a pedra oculta” (tradução nossa) —, mas será que somos capazes de absorver todas as ideias contidas nessa mensagem? Evidentemente que não — e não temos a pretensão de fazer isso, muito menos aqui neste singelo texto, onde nosso objetivo não é xar sentidos e conceitos, mas apenas expor certas ideias e realizar algumas considerações. E, com vistas ao cumprimento desse nosso objetivo, este pequeno tex- to terá como tríplice guia de análise as seguintes in- dagações: 1) O que é visitar o interior da terra?; 2) O que é retidão?; 3) O que é a pedra oculta? Em relação à primeira questão, é provável que alguém se lembre do livro Voyage au centre de la Terre, do escritor Jules Verne. Essa lembrança não é gratuita, já que, além de algumas fontes indicarem que Verne era Maç∴, no livro mencionado estão pre- sentes termos bastante utilizados em nossa Ordem — como o esquadro, o nível e o prumo (cf. VERNE, 1864, p. 70), por exemplo —, havendo até menção ao Grande Arquiteto do Universo (cf. VERNE, 1864, p.147). Destarte, um Maç∴ certamente verá a obra de Verne com outros olhos e até será capaz de realizar, no geral, algumas observações. Todavia, a viagem proposta pelo V∴I∴T∴R∴I∴O∴L∴ não é literal ou ccional — não tem, portanto, o mesmo sentido da aventura emocionante que foi escrita pelo célebre autor francês. Para entendermos o que é “visitar o in- terior da terra”, precisamos ter em mente que o signi- cado de V∴I∴T∴R∴I∴O∴L∴ é primordialmen- te alquímico, o que nos conduz à seguinte questão: o que a palavra “terra” signi ca para a Alquimia?

Oswald Wirth, em seu Le symbolisme hermétique dans ses rapports avec l’Alchimie et la Francmaçon- nerie, explica que nossa matéria corpórea correspon- de à terra, um dos quatro elementos que se reúnem, psicologicamente, em cada um de nós (cf. WIRTH, 1930, p. 72). Em outras palavras o elemento terra pode representar o nosso próprio corpo, a matéria. Aqui, chegamos ao entendimento de que, para encon- trar aquilo que procura, o Maç∴ precisa viajar para dentro de si mesmo, meta sicamente, realizando an- tes de mais nada uma profunda autorre exão. Quem isso zer perceberá que nas profundezas dessa terra existe um eu que está adormecido, oculto, precisando ser (re)descoberto e, por conseguinte, despertado.

De acordo com Castellani, a máxima alquímica “alude à procura da pedra losofal da alquimia. Para a Alquimia mística, porém, a frase é um convite à introspecção, à procura do eu interior, como expres- são inscrita no frontispício do Templo de Apolo, em Delfos: Nosce te ipsum (conhece-te a ti mesmo)” (CASTELLANI, 2013, p. 101). E, como bem explica Jules Boucher em La Symbolique Maçonnique, um clássico da literatura maçônica francesa, a experiên- cia do V∴I∴T∴R∴I∴O∴L∴ constitui-se como “um convite à procura do Ego profundo, […] no silêncio e na meditação” (BOUCHER, 1979, p. 48, grifo nosso). Atender a esse convite é, portanto, ini- ciar uma jornada rumo à interioridade, dar um mer- gulho nas profundezas de nosso próprio eu. Entre- tanto, esse mergulho não é, de modo algum, igual ou sequer semelhante ao daquela famosa gura da mi- tologia grega que, olhando xamente para o seu pró- prio re exo, padeceu amargamente nas profundezas do seu Ego justamente por não ser capaz de perceber em si o maior dos defeitos do homem: o amor exa- cerbado a si mesmo, que conduz sempre o indivíduo ao egoísmo e à vaidade — e, não muito raramente, à autodestruição. Ao contrário de Narciso, o Maç∴ não deve mergulhar no próprio eu movido por uma autoadmiração, mas sempre em busca de autoconhe- cimento — i. e., visando à prática do nosce te ipsum, do gnōthi seauton. Somente quem tem coragem de mergulhar dessa forma é capaz de perceber a diferen- ça entre essência e aparência, compreendendo o que é verdadeiramente belo. E, por saber o que é belo, por compreender que a verdadeira beleza é da ordem do mundo das ideias, há algo que somente o Maç∴ que aceita o desa o de mergulhar nas profundezas de seu próprio eu entende: enquanto ele, como homem, não reparar suas deformidades e deixar de ver o belo na vaidade da vida, na efemeridade das coisas, estará extremamente distante da ideal retidão, coisa que a Maçonaria, enquanto instituição iniciática e losó – ca, é capaz de lhe oferecer.

Buscar a retidão — tornar-se reto — é justamente vencer, paulatinamente, as paixões, os infames dese- jos, os vícios, os defeitos, tudo aquilo que avilta o homem, tudo o que o afasta da real beleza do mundo da verdade e de suas ideais virtudes. A retidão das ações traduz-se como o comedimento e o equilíbrio essenciais ao sucesso da incessante busca pela “pedra oculta” — ou losofal. Essa retidão pode ser melhor compreendida pela gura da pedra polida, à qual se chega depois de muito desbastar a pedra bruta, com muita paciência, inteligência, técnica e dedicação. Esse desbastar, na Arte Real, pode ser compreendido como uma verdadeira busca — que para nós é seme- lhante à que ocorre na arte da escultura, já que Mi- chelangelo certa vez declarara o seguinte:

Alguns têm olhos que não veem: mas em cada bloco de mármore eu vejo uma estátua — eu a vejo tão distintamente como se ela estivesse diante de mim moldada e perfei- ta na pose e no efeito. Eu somente tenho de desbastar as paredes da pedra que aprisio- nam sua amável aparição, revelando-a para outros olhos da forma como os meus já são capazes de enxergá-la.

(MICHELANGELO Apud MCGOWAN, 2015: 182, tradução nossa)
Dentro da pedra bruta, já está a polida — a oculta —, que vai aos poucos se revelando e ga- nhando forma à medida que o Maç∴ vai retirando seus excessos, tal como o escultor vai libertando das prisões mais grosseiras a sua mais bela obra de arte. Dessa forma, compreendemos que, por meio do acrônimo V∴I∴T∴R∴I∴O∴L∴, a Maçona- ria nos incita a olhar nos olhos de nosso próprio eu para, enxergando nossas imperfeições, buscarmos o autopolimento, a autolapidação, até que por m encontremos, livre de todos os excessos e dentro de nós mesmos, o primeiro de todos os homens — porventura não há, dentro de cada um de nós, um Adão (in)conscientemente desejoso de voltar à imagem e à semelhança de Deus? —, o homo ver- dadeiramente sapiens, o nosso genuíno eu, Opus Magnum Dei, o ser humano ideal.

Bibliografia
– BOUCHER, Jules. A simbólica maçônica. Tradução de Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo: Pensamento, 1979.
– CASTELLANI, José. Maçonaria e astrologia. 2 ed. São Paulo: Landmark, 2013. – GAFFIOT, Félix. Dictionnaire Latin-Français. Paris: Hachette, 1934.
– MCGOWAN, Michael W. The bridge. Eugene: Pickwick, 2015.
– VERNE, Jules. Voyage au centre de la Terre. Paris: Hetzel, 1864.
– WEY, João Carlos. O ideal maçônico. In: Luzes. Revista do Grande Oriente de São Paulo (GOSP). São Paulo, ano I, vol. 2, 2015.
– WIRTH, Oswald. O simbolismo hermético e sua relação com a Alquimia
e a Franco-Maçonaria. Paris, 1930. Disponível em: <http://www.sca.org.br/ uploads/news/id489/SimbolismoHermetico.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2016.

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