No alto do templo de Delfos, “o templo de Apolo“, estava inscrito um dos lemas mais célebres de toda a cultura grega: “Conhece-te a ti mesmo”

Hoje em dia se entende que a sentença significa que se deva praticar a introspecção, isto é, tentar conhecer seus próprios pensamentos e desvendar seu inconsciente. Para Luc Ferry “filósofo francês e defensor do humanismo secular“: “o significado original é bem diferente. Não se trata de psicanálise. A expressão quer dizer que devemos conhecer nossos próprios limites, ter conhecimento de nosso lugar na ordem cósmica, o universo ordenado e equilibrado que Gaia e Zeus desejaram.

Em A Sabedoria dos Mitos Gregos, ele acrescenta: “O lema nos convida a encontrar esse justo lugar no coração do grande Todo e, sobretudo, a nele permanecer, sem nunca pecar por hybris. Inclusive, muitas vezes ela (a frase) se associa a uma outra, Nada em excesso“ igualmente inscrita no templo de Delfos -, que tem o mesmo sentido”.

O termo grego hybris pode ser traduzido para arrogância, insolência, orgulho ou descomedimento, todas significando uma faceta da hybris, a ameaça contra a ordem cósmica. Para o homem, a mais grave hybris consiste em desafiar os deuses ou, pior ainda, imaginar-se igual a eles. Quando os deuses se ofendem o cosmo se convulsiona.

Muito cedo se desenvolveu em Delfos, cidade da Grécia antiga, na Fócida, o culto às divindades ctonianas assistidas pela serpente Píton. Apolo representa uma força olímpica anticaótica. Na mitologia grega, Apolo e Dioniso personalizam a oposição de dois mundos; o de Apolo, civilizado e harmonioso e o de Dioniso, caótico e desordenado. Nietzche explicando a diferença entre Apolo e Dioniso, fez menção à expressão “conhece-te a ti mesmo”: “Apolo, deus ético, pede comedimento aos seus e, para que o preservem, indica o conhecimento de si mesmo. Por isso, o conhece-te a ti mesmo e nada em excesso acompanham a exigência estética, enquanto o orgulho exagerado e o descomedimento, dentre todos os demônios, são os principais inimigos da esfera apolínica, ou seja, o mundo bárbaro, o mundo dos Titans. […]”.

A frase do templo de Apolo citada em trabalhos dos ritos maçônicos cosmo-esotéricos tem a finalidade de promover a compreensão da missão do homem nesse mundo divino e ordenado. “Conhece-te a ti mesmo” sugere que o homem vá além da mera percepção de sua presença no universo. Na mitologia as narrativas oferecem significados que encerram sabedoria de vida para os seres humanos. As histórias com todo o seu conteúdo teológico e cosmológico foram inventadas pelo homem para dar sentido ao universo e à vida, para tentar compreender o que se faz nessa terra e discernir o sentido da existência. Aos maçons dos ritos que trabalham na Loja cósmica nos graus simbólicos como o Rito Escocês Antigo e Aceito, o “conhece-te a ti mesmo” orienta para que cada Iniciado pense o seu lugar no universo e vença os apelos do orgulho, da insolência e da arrogância mediante o exercício do comedimento racional que o conduzirá à justeza de atitudes. Com (co) medimento o Iniciado é coautor da sua própria medida ideal de comportamento. Dessa forma se harmoniza com o cosmo divino, a natureza una que conhecemos nos dias atuais como universo.

Em Sócrates, a expressão já tem outro significado, diferente daquele da cultura da Grécia arcaica. Está ligada a uma teoria da verdade que Platão desenvolve. Uma doutrina segundo a qual nós teríamos, em tempos anteriores, conhecido o que é verdadeiro, mas depois esquecemos, de forma que o conhecimento vem num terceiro momento, uma rememoração de algo que já se encontra em nós sem que saibamos. Para Sócrates, o conhecimento é reconhecimento, rememoração. Essa visão da verdade permanece na história posterior da filosofia e contribuiu para as teses de psicologia moderna. Para a filosofia humanista humanitarista veiculada pelo Rito Schröder, que não trabalha com conteúdos religiosos ou esotéricos, a expressão “Conhece-te a ti mesmo” simboliza a verdade que existe em nós desvelada pela identificação das opiniões de cada indivíduo entre as tantas que circulam no meio humano. O ritual Schröder adota a preleção para indicar ao maçom o caminho para revelar a si mesmo os seus verdadeiros critérios, que lhe são próprios, na elaboração da ética pessoal e na escolha da conduta.

É a experiência de reencontrar a sabedoria individual original com o mínimo de influência de culturas ou de valores externos. O campo dessa experiência está nas ações de filantropia ética que aperfeiçoam o Iniciado, experiência inspirada na filosofia humanista e estimulada pela ética no exercício da verdade.

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