Há tanto misticismo e confusão acerca da crucificação e ressurreição que acabamos perdendo de vista o fato de que Jesus de Nazaré foi julgado como homem diante de uma corte de homens sob as leis dos homens, condenado e executado como homem, e que, como drama, o julgamento de Jesus supera quaisquer dos grandes julgamentos da história da justiça humana. Este tema é abordado por um advogado e não por um teólogo. Portanto, a pesquisa dos aspectos teológicos dos eventos fica por conta de cada um. Creio que ter o ponto de vista de um advogado, sobre os processos da lei que culminaram na morte de Jesus na cruz cruel do Calvário, pode levar a uma melhor compreensão espiritual. De início eu quero enfatizar que não considero que uma raça inteira de pessoas (os Judeus) tenha causado a morte de Jesus. E também não creio que nenhum Cristão inteligente pensaria isso. Minha opinião é que apenas uns poucos homens poderosos em Israel – principalmente os sacerdotes superiores daquela nação – foram os responsáveis pela injustiça que ocorreu. Para entender quão grande foi essa injustiça, vamos examinar a lei Judaica como ela existia na época… um verdadeiro e magnífico sistema de justiça criminal. Sob as provisões da lei Judaica não poderia haver condenação por um crime capital baseado no testemunho de menos que duas pessoas. Uma testemunha era considerada a mesma coisa que nenhuma testemunha. Se houvesse apenas duas testemunhas, ambas teriam que concordar em todos os particulares, até os mínimos detalhes. Sob a lei Rabínica, o acusado tinha o direito de ter um defensor (o precursor da garantia de ter um advogado em processos criminais que é definido pela Sexta Emenda da Constituição dos Estados Unidos). Se o acusado não pudesse pagar pela defesa, um defensor seria escolhido para ele. Alguém poderia pensar no caso Gideon versus Wainwright, que deu origem ao sistema de defensores públicos como uma inovação. Mas na realidade essa era a prática das cortes desde há 2000 anos! Sob a lei Mosaica, um acusado não poderia ser obrigado a testemunhar contra si mesmo. Esse era o espírito da Quinta Emenda: “Ninguém deve ser obrigado a servir de testemunha contra si próprio em nenhum caso criminal.” Eis o conceito de “apelo à Quinta Emenda”, que fez parte da justiça criminal desde os tempos de Moisés! Uma confissão voluntária não era suficiente para a condenação sob a lei Judaica. O ônus da prova ainda era do Estado, que tinha que provar que a confissão, se houvesse sido feita, teria sido feita livremente, de forma voluntária e de plena consciência. Hoje em dia, os policiais norte-americanos são obrigados a ler os “direitos Miranda” (“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você.”, etc.) para os acusados de forma que a Corte possa determinar que uma confissão seja feita livremente, voluntariamente e conscientemente. Se uma confissão é feita depois que a lei Miranda foi ouvida e compreendida, a confissão pode ser admitida. Mas não era assim nos tempos de Jesus. A lei Judaica não admitia confissão, sob a crença de que o Estado jamais poderia se basear no que uma pessoa disse de sua própria boca para condená-la. Uma evidência circunstancial é aquela que não está diretamente ligada ao crime, mas sim relacionada à outras evidências, que juntas, servem para que se deduza como um crime foi realizado. Em um julgamento, as impressões digitais da pessoa servem para deduzir que o acusado esteve em tal local e tocou em tal objeto, mesmo que ninguém tenha visto o acusado. No caso em que uma testemunha diz “ouvi um tiro e quando cheguei à cena segundos depois, vi o acusado com uma arma na mão”, essa evidência é circunstancial. O problema é que o acusado pode ter disparado um tiro contra o agressor que fugiu após o crime ou o acusado pode ter sido apenas alguém que pegou a arma depois que o agressor a jogou no chão. Pois bem, as evidências circunstanciais também não eram admitidas. Hoje em dia, raramente se vê um caso nas cortes em que as evidências circunstanciais não sejam usadas. Atualmente, em muitos casos, as únicas evidências, existentes são totalmente circunstanciais. Os depoimentos do tipo “ouvi fulano falar isso” (ou “ouvir dizer”) também não eram admitidos na época. Ainda temos essa regra contra admitir depoimentos de testemunhas que não estão no tribunal e que não podem ser examinadas pessoalmente, mas as exceções a essa regra têm demolido as proteções originais aos acusados. A regra “inocente até prova em contrário” que nossas leis reconhecem hoje (isto é, um acusado é presumido inocente até que sua culpa tenha sido estabelecida por evidências e pela eliminação de qualquer dúvida razoável) também vem da lei Judaica e essa era a regra quando Jesus foi injustamente crucificado. O acusado de um crime capital só podia ser julgado durante o dia e em público. Esse era o precursor da garantia constitucional de um julgamento em público. Nenhuma evidência poderia ser apresentada se o acusado não estivesse presente. Isso deu origem ao atual direito que os acusados têm de estarem face a face com as testemunhas depondo contra eles. As testemunhas não tinham que jurar. O mandamento “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” era considerado suficiente para deter o perjúrio. Mentir na corte era perjúrio – sob juramento formal ou não. E mais ainda, havia dois desestímulos adicionais ao perjúrio: (1) qualquer testemunha em um caso de crime capital que desse falso testemunho recebia a pena de morte e (2) se o acusado de um crime capital fosse condenado, as testemunhas eram obrigadas a assistir à execução. Sob essa provisão da lei, as testemunhas geralmente escolhiam suas palavras cuidadosamente e só davam testemunho com grande cuidado! O Grande Sinédrio, a Suprema Corte Judaica, era a única corte com jurisdição sobre crimes puníveis com a morte. A criação do Sinédrio é atribuída a Moisés. Foi uma corte de 70 membros composta de um Sumo Sacerdote como juiz principal, uma Câmara Religiosa de 23 sacerdotes, uma Câmara Legal de 23 escribas e uma Câmara Popular de 23 anciãos. Era a essa corte a que Jesus se referia quando disse que devia ir a Jerusalém e sofrer nas mãos dos anciãos, sacerdotes e escribas. Ele sabia que pela decisão deles ele seria morto. Extremo cuidado era usado para selecionar os juízes dessa grande corte. Cada um devia ter pelo menos 40 anos de idade com experiência em pelo menos três cargos de dignidade gradativamente maior. Cada um tinha que ser uma pessoa de integridade incontestável e tido em alta estima por seus conterrâneos. Membros do Sinédrio atuavam como juízes e jurados. Eles não tinham um júri separado. Qualquer membro com interesses ou conhecimento pessoal das partes era requerido que se retirasse do julgamento. A Corte tinha que decidir a questão da culpa ou inocência apenas com evidências apresentadas no tribunal. O Sinédrio era encarregado sob a lei Rabínica de proteger e defender o acusado. Nenhum membro da corte poderia atuar inteiramente como acusador ou promotor. A lei requeria que a corte desse aos acusados o “benefício da dúvida” e para ajudar o acusado a estabelecer sua inocência. Os procedimentos de julgamento eram similares aos nossos. Seguindo-se à audiência preliminar, um sumário das evidências era dado por um dos juízes. Os espectadores eram então removidos do tribunal e os juízes votavam. Uma maioria era suficiente para condenar ou absolver. Se uma maioria votasse pela absolvição, o julgamento terminava e o condenado recebia a liberdade total. Se uma maioria votasse pela condenação, então um procedimento diferente era seguido. Nenhum anúncio de veredito poderia ser feito nesse dia. A corte teria que adiar por um dia inteiro. Os juízes recebiam permissão para voltarem às suas casas, mas não poderiam ocupar suas mentes em quaisquer atividades sociais ou de negócios. Eles tinham que devotar seu tempo inteiro para a consideração e reconsideração solene das evidências e retornar no dia seguinte para votar de novo. Nesse segundo dia, qualquer juiz que houvesse votado pela absolvição não poderia mudar seu voto, mas qualquer juiz que, na primeira votação, houvesse julgado o acusado como “culpado” poderia mudar seu voto. Durante esse tempo, o acusado ainda era presumido inocente. Uma outra provisão peculiar da lei Judaica era de grande importância, porque um veredito unânime de culpa resultava na absolvição do acusado! Isso derivava do dever que a corte tinha de proteger e defender o acusado. A lei Mosaica estabelecia que desde que algum membro da corte tinha que fazer a defesa do acusado, um veredito unânime de culpa indicava que ninguém teria feito essa defesa, que poderia ter havido uma conspiração contra o acusado, e que ele não teria tido um amigo ou defensor. Tal veredito unânime era inválido e tinha o efeito de uma absolvição. Israel não era uma democracia com Igreja e Estado separados, mas uma teocracia com Igreja e Estado entrelaçados como uma coisa só. Muitos acreditam que os altos sacerdotes ordenaram a prisão e julgamento ilegais de Jesus, que eles subornaram Judas, que eles sozinhos é que se sentiram ameaçados pelos ensinamentos de Jesus em público, e que eles sozinhos é que buscaram a morte de Jesus. A prisão foi ilegal porque ela veio de noite, em violação à lei. Ela foi efetuada por meio das atividades do conspirador Judas Iscariotes em violação à lei Rabínica. Ela não foi resultado de um mandado legal, novamente em violação ao código Mosaico. Os guardas romanos que prenderam Jesus no Jardim de Gethsemane e o trouxeram ao tribunal do Sumo Sacerdote não tinham uma ordem de prisão legal. O julgamento noturno é uma evidência adicional de conspiração contra Jesus por esses sacerdotes cuja hipocrisia o Carpinteiro denunciava publicamente. Sob a lei do Sinédrio, o primeiro passo deveria ter sido a audiência prévia com a leitura das acusações para o réu em uma corte aberta. O registro (incluindo os escritos de Mateus, Marcos, Lucas, João, Josephus, Philo e os Manuscritos do Mar Morto) não menciona nenhuma audiência prévia, mas, Mateus, Marcos, Lucas e João são testemunhas com credibilidade. Nós podemos crer em seus testemunhos. O registro diz que a Corte procurou testemunhos falsos contra Jesus para justificar condená-lo à morte, mas da primeira tentativa não conseguiram, apesar dos vários testemunhos falsos que surgiram. Houve perjúrios entre eles, mas ninguém estava disposto a arriscar a terrível consequência de mentir contra um homem acusado de crime capital. Finalmente surgiram duas falsas testemunhas, e nos disseram Mateus e Marcos que ambos os testemunhos não concordam entre si. A primeira testemunhou para acusação de blasfêmia dizendo que Jesus havia dito “Eu sou capaz de destruir o Templo.” A segunda testemunhou que Jesus havia dito “Eu vou destruir esse Templo.” Não houve outras testemunhas além de essas duas, e elas não concordavam entre si. Jesus deveria ser absolvido ainda antes de ser questionado em sua defesa… e certamente sem ser obrigado a testemunhar contra si próprio. Porém, o sumo sacerdote Caifás invocou Jesus para que se defendesse (contrariando a lei). “E, levantando–se, o sumo sacerdote no Sinédrio perguntou a Jesus, dizendo: Nada respondes? Que testificam estes contra ti?” Jesus não respondeu. Em vez de proteger e defender o acusado como requerido pela lei deles, o próprio sumo sacerdote se tornou o acusador, em franca violação das regras do julgamento. “Conjuro-te pelo Deus vivo”, ele gritou, “que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus!” Agora, coloquemo-nos na posição de um carpinteiro humilde diante dos homens mais poderosos do país, no maior tribunal da nação. É difícil imaginar quão grande foi a coerção e a pressão! Embora Jesus pudesse continuar em silêncio, ele decidiu falar. “Se vo-lo disser, não o crereis, e também, se vos perguntar, não me respondereis. Os sacerdotes novamente perguntaram: “És tu o Filho de Deus?” A resposta de Jesus foi apenas “Vós dizeis que eu sou.” Caifás então anunciou à Corte “De que mais testemunho necessitamos? pois nós mesmos o ouvimos da sua boca.” O resto dos homens daquela Corte terrível, ouvindo essas palavras ditas pelo seu sumo sacerdote, ilegalmente confirmaram seu julgamento gritando “É réu de morte!” A primeira audiência diante do Sinédrio foi concluída por volta das três da manhã. A Corte só adiou o julgamento até o nascer do sol, embora a lei exigisse que cada um deles deliberasse a sós por um dia inteiro antes da segunda audiência. Eles retornaram apenas algumas horas depois, ao amanhecer. Lucas nos conta “E logo que foi dia, ajuntaram-se os anciãos do povo, e os principais dos sacerdotes e os escribas, e o conduziram ao seu concílio.” Essa sessão foi superficial. Nenhuma testemunha foi invocada. Novamente a lei foi violada ao se exigir que Jesus respondesse à questão repetida: “És tu o Filho de Deus?” E novamente Jesus respondeu “Tu o disseste”, e então acrescentou “Digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu.” Diante disso, a Corte gritou “Para que precisamos ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia.” A votação foi feita, os votos dos juízes foram contados, e Marcos nos conta “todos o consideraram culpado de morte.” A importância disso reside naquela provisão peculiar da lei Judaica que requeria a absolvição se houvesse veredito unânime. Sob a lei Judaica, a morte por apedrejamento era a sentença apropriada para uma ofensa capital. O povo Judeu não crucificava e esse método de executar a pena de morte era de origem Grega ou Romana. Os Judeus executavam os condenados por apedrejamento, decapitação ou estrangulamento de acordo com a natureza do crime. Para a blasfêmia era prescrita a morte por apedrejamento. No entanto, o exército Romano, que ocupava Jerusalém na época, era o único com poder de anunciar e executar sentenças de morte. O Sinédrio tinha apenas autoridade para levantar a acusação perante um magistrado Romano ou governador militar, o qual tinha o dever de rever o processo inteiro em um julgamento separado, tendo poder para decidir. Portanto, “logo ao amanhecer, os principais dos sacerdotes, com os anciãos, e os escribas, e todo o Sinédrio, tiveram conselho; e, ligando Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos.” Normalmente se diz que o reino de Judah nos deu a religião e a Grécia nos deu as artes, mas Roma nos deu as leis. O sistema judicial Romano era incomparável em matéria de jurisprudência, mas Pilatos não seguiu o sistema Romano. Ele não exerceu julgamento independente de acordo com a lei, mas cedeu às pressões políticas dos sacerdotes Judeus, violando assim a própria lei que ele estava encarregado de fazer cumprir. Sua história é um exemplo de como os juízes devem ser sempre livres de pressões políticas, livres para decidir os casos baseando-se apenas na lei e nas evidências. Como Procurador Imperial na Jerusalém ocupada pelos Romanos da época, Pilatos tinha o dever legal de rever todas as evidências e procedimentos nos casos capitais trazidos até ele pelos líderes Judeus. Ele foi um bom juiz (até que a segurança de seu cargo foi ameaçada pela política). Os sacerdotes levaram Jesus para a entrada do palácio de Pilatos (Eles não poderiam entrar porque se tornar-se-iam impuros, sendo uma época de Páscoa.) Pilatos foi até eles dizendo “Que acusação trazeis contra este homem?”. Essa pergunta é importante porque demonstra a intenção de Pilatos em levar o caso como um julgamento à parte desde o início, começando a julgar a própria acusação. Ele não perguntou “Vocês condenaram esse homem de quê?”, mas em vez disso perguntou quais eram as acusações. Os sacerdotes sabiam a importância da pergunta de Pilatos, então eles responderam indiretamente “Se este não fosse malfeitor, não to entregaríamos.” Em outras palavras, Pilatos perguntou “qual a acusação contra este homem ?” e os sacerdotes responderam “se ele não fosse culpado não estaria aqui!” Pilatos percebeu essa tentativa de limitar sua jurisdição e induzi-lo a agir de acordo com a vontade deles. Isso o irritou e ele revidou: “Levai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei!” Os sacerdotes foram então forçados a admitir “A nós não nos é lícito matar pessoa alguma.” Tentemos entender o dilema desses sacerdotes em violação às leis. Se eles apresentassem Jesus como um homem condenado por blasfêmia com o depoimento de apenas duas testemunhas que não concordaram entre si, Pilatos reverteria o veredito. Se eles apresentassem Jesus como alguém condenado por sua própria confissão, Pilatos também dispensaria o veredito. E, é claro, se eles informassem que Jesus havia sido condenado por votação unânime, Pilatos entraria com um veredito de absolvição. Então, os maliciosos sacerdotes apresentaram Jesus a Pilatos sob uma nova acusação que eles inventaram naquele momento: traição contra César. “Havemos achado este, pervertendo a nossa nação”, disseram eles, “proibindo dar o tributo a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, o rei.” Pilatos chamou Jesus para dentro do palácio e o perguntou em privado “Tu és o rei dos Judeus?” E Jesus perguntou a Pilatos para saber a origem da nova acusação: “Tu dizes isso de ti mesmo, ou to disseram outros de mim ?” Pilatos replicou “a tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a mim”, explicando com isso de onde havia sido originada aquela acusação de traição. Era uma coisa plausível que um Judeu acusasse um Romano de traição ou que um Romano acusasse um Judeu, mas naquele momento eram os Judeus mais proeminentes da nação acusando um de seus conterrâneos de crime de traição contra Roma! Jesus disse a Pilatos “O meu reino não é deste mundo.” E Pilatos insistiu “Logo tu és rei?” Jesus respondeu “Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.” Pilatos então fez a famosa pergunta “Que é a verdade?” Jesus não deu resposta alguma senão a presença silenciosa de Si, o cordeiro levado ao sacrifício por mentirosos, de forma que Pilatos saiu para onde os sacerdotes estavam e, de acordo com João, pronunciou sua absolvição enfática do carpinteiro Nazareno. Ele disse a eles “Não acho nele crime algum!” Até então, Pilatos havia seguido a lei à risca. A lei era boa. A lei teria libertado Jesus, mas pela persistência desses maldosos sacerdotes que não se importavam em nada com as leis pelas quais eles mesmos governavam a terra e seus habitantes. Era intolerável para esses inimigos da verdade que seu complô assassino fosse frustrado dessa maneira. Os sacerdotes soltaram rugidos de indignação “Alvoroça o povo ensinando por toda a Judeia, começando desde a Galileia até aqui.” Essa acusação era a de sedição (revolta, motim, crime contra o Estado), que era menos odiosa que a traição. Ela exigia a prova de uma motivação corrupta para a condenação, mas ainda nenhum motivo maldoso se pode provar que existira em Jesus. Pilatos ignorou essa acusação, mas com a referência à Galileia, ele encontrou uma oportunidade de escapar do que o esperava. Herodes, o Tetrarca da Galileia, estava em Jerusalém para a Páscoa. Pilatos viu nisso uma chance de transferir a responsabilidade para Herodes, que tinha jurisdição para julgar acusações de sedição. Jesus era Galileu. Os sacerdotes aprovaram essa ação porque eles pensavam que Herodes faria o que eles quisessem para ganhar seus favores. Jesus foi arrastado até o palácio de Herodes, onde as acusações de traição e sedição foram reiteradas. Herodes, contudo, não se impressionou. Ele havia ouvido a respeito dos ensinamentos de Jesus e o questionou, mas quando Jesus se recusou a responder (um direito de todo acusado), Herodes colocou nele uma túnica branca e o mandou de volta a Pilatos sem dar uma decisão. Se esse procedimento irregular tivesse qualquer status legal, ele levaria a uma nova absolvição. Pilatos concordou. Lucas nos conta que, quando os sacerdotes trouxeram Jesus de volta do palácio de Herodes, Pilatos saiu de encontro a eles e disse: “Haveis-me apresentado este homem como pervertedor do povo; e eis que, examinando-o na vossa presença, nenhuma culpa, das de que o acusais, acho neste homem. Nem mesmo Herodes, porque a ele vos remeti, e eis que não tem feito coisa alguma digna de morte. Castigá-lo-ei pois, e soltá-lo-ei.” Notemos que Pilatos naquele momento cometeu um erro. Ele declarou “Esse homem é inocente. Herodes o julgou inocente e eu o julguei inocente. Eu vou, portanto, castigá-lo e soltá-lo!” Mas que autoridade legal tinha Pilatos para castigar um homem inocente? Por que ele fez isso? Apesar de contrária à lei Romana, eu creio que Pilatos fez isso na esperança de que o castigo deixasse os sacerdotes satisfeitos de modo que eles cessassem suas exigências de morte. Assim, Pilatos ordenou o castigo de Jesus, não com uma punição branda, mas com o açoitamento até quase matar, com tiras de couro embutidas com pedaços de chumbo! A imposição desse açoitamento ilegal foi, em si, um impedimento para punições ainda piores. Qualquer punição adicional violaria as leis tanto de Roma como de Israel, que estabeleciam que, já tendo o acusado sido condenado e punido, ele não poderia ser julgado novamente pelo mesmo crime. João diz que “desde então Pilatos procurava soltá-lo”, mas Jesus foi levado ao quartel dos soldados e despido de sua túnica branca que havia sido dada por Herodes, foi coberto com uma capa púrpura, coroado com uma guirlanda de espinhos, dado uma cana como cetro, e levado para ser confrontado pelos irados sacerdotes novamente. Pilatos anunciou “Eis aqui o homem.” Os sacerdotes responderam “Crucifica-o!” Tudo isso por ter Jesus desafiado a autoridade daqueles homens que estavam dispostos a violar as leis para causar sua morte, homens que por essa razão corromperam sua própria autoridade. Pilatos então disse “Tomai-o vós, e crucificai-o; porque eu nenhum crime acho nele.” Ali estava um juiz de leis dizendo “este homem é inocente, mas vocês podem matá-lo se o quiserem.” É claro que isso não satisfez os sacerdotes. Eles não ousariam crucificar Jesus sem uma aprovação inequívoca de uma autoridade Romana, porque fazer isso os sujeita–los-ia a uma represália, possivelmente até a morte, nas mãos dos Romanos. “Nós temos uma lei”, eles insistiram, “e, segundo a nossa lei, ele deve morrer porque se fez Filho de Deus.” E ao dizer isso, eles revelaram a Pilatos que sua verdadeira queixa contra Jesus era, na verdade, a acusação de blasfêmia. Pilatos, que não havia ouvido ainda essa acusação, mais uma vez levou Jesus à parte e perguntou “Donde és tu?” Essa era a equivalente às nossas modernas perguntas “De onde você vem? Qual é a sua intenção?” Pilatos queria saber o que Jesus poderia ter feito para enraivecer tanto os sacerdotes ao ponto de violarem as leis sagradas de sua nação para condená-lo à morte ilegalmente. Jesus não respondeu nada. Pilatos então vociferou “Não me falas a mim? não sabes tu que tenho poder para te crucificar e tenho poder para te soltar?” Jesus apenas respondeu “Nenhum poder terias contra mim, se de cima te não fosse dado.” Pilatos novamente procurou soltar Jesus, mas os sacerdotes enraivecidos exclamaram: “Se soltas este, não és amigo do César.” Essa era uma ameaça a Pilatos. Poderia haver graves consequências se a mais alta Corte de Israel denunciasse Pilatos a César. Pilatos sentiu que uma interpretação errada de seu julgamento poderia chegar aos ouvidos de César. Ele poderia ser visto como se estivesse protegendo alguém que era considerado, pelos mais influentes de seus conterrâneos, como culpado de traição. Pilatos não teve a coragem de lutar pela justiça contra esses sacerdotes coléricos. Foi então que a esposa de Pilatos lhe enviou uma mensagem: “Não entres na questão desse justo.” Seu apelo levou Pilatos a tentar um último esforço para salvar Jesus sem arriscar seu cargo. Era costume, durante a Páscoa, libertar um prisioneiro escolhido pelo povo. Pelo voto popular, as pessoas poderiam conceder anistia a qualquer um sentenciado à morte. Eu vejo esse como um dos mais dramáticos momentos de toda a História, mas muito do drama passou despercebido pelos autores e dramaturgos, e uma lamentável confusão resultou em 2000 anos de animosidade desnecessária entre Cristãos e Judeus. Foram os sacerdotes Judeus que buscaram a morte de Jesus, não o povo. O nome Barrabás, em Hebraico, significa filho de Abás. Pedro era referido por Mateus como “Pedro bar Jonas”, isto é, Pedro filho de Jonas. Bar Mitzvah é traduzido literalmente como Filho da Lei. O nome de Barrabás também era Jesus: Jesus Barrabás. A pergunta de Pilatos aos sacerdotes foi “Qual quereis que vos solte? [Jesus] Barrabás, ou Jesus chamado Cristo?” Eles clamaram, é claro, pela libertação de Barrabás, o notório ladrão e assassino. “Que farei então de Jesus, chamado Cristo?”, perguntou Pilatos. Eles gritaram “Seja crucificado!” “Hei de crucificar o vosso rei?”, perguntou Pilatos.E aqueles sacerdotes (que odiavam César como só os povos conquistados podiam odiar) disseram a Pilatos “Não temos rei senão o César!” Pilatos enfraqueceu diante daquela ferocidade implacável e entregou Jesus para que o crucificassem. Ele tomou uma bacia de água diante dele, lavou suas mãos nela e anunciou “Estou inocente do sangue deste justo: considerai isso.” Pilatos mandou gravar na cruz “Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus”. Caifás e os outros sacerdotes foram a Pilatos e pediram “Não escrevas ‘Rei dos Judeus’, mas que ele disse ‘Sou Rei dos Judeus’.” E Pilatos respondeu “O que escrevi, escrevi.” Jesus foi julgado desde antes de sua audiência. Ele foi acusado de três crimes separados. Os sacerdotes do Sinédrio o condenaram ilegalmente por blasfêmia. Pilatos se recusou a reconhecer esse procedimento inicial. Pilatos, por duas vezes, absolveu Jesus da acusação de traição. Ele foi acusado de sedição diante de Pilatos e Herodes, mas foi absolvido por ambos. E ainda assim, Jesus foi executado porque pretensamente se assumiu que ele havia sido considerado culpado de traição. Ameaçado com a possível perda de seu cargo, Pilatos escolheu crucificar Jesus como a maneira mais fácil de calar os coléricos sacerdotes. Antes das doze horas daquele mesmo dia, Jesus foi crucificado em violação às leis de Israel e Roma, fechando o mais tenebroso capítulo da história da administração judicial e invocando o supremo chamado que o mundo jamais ouvira para que humanos obrassem pela justiça. Dois dos sistemas de leis mais esclarecidos que existiram foram prostituídos para destruir o homem mais inocente que já passou pela face da Terra. Essa história nunca vai morrer, porque de sua verdade sempre nasce a esperança de toda a humanidade. Mais do que qualquer outro episódio na história do mundo, o julgamento de Jesus clama a todos os homens e mulheres de boa vontade para que trabalhem por um sistema de governo humano pelo qual possamos viver juntos em paz e segurança sob um Estado de Direito administrado com reverência pela Verdade e pelo Amor Caridoso. Bibliografia Dados extraídos da Edição feita por Frederico Graves, em 2000, pela Fundação Judiciária de Jensen Beach, Flórida. Leave a ReplyYour email address will not be published.CommentName* Email* Website Salvar meus dados neste navegador para a próxima vez que eu comentar. Δ