Duas mulheres, uma anciã e uma jovem viúva, estão sentadas em um quarto, na penumbra. As mãos da jovem seguram o retrato do marido que acaba de perder a vida em um acidente. Tinham-no enterrado na manhã daquele dia. Seus vestidos de luto fazem com que dos seus rostos e mãos emane uma pálida claridade. Por muito tempo as duas mulheres ficaram sentadas, sem palavras e sem lágrimas. Finalmente a anciã tira das mãos da neta o retrato do marido e diz com voz baixa: A anciã não encontrando palavras para consolar a jovem, tenta uma parabola de Jesus: – Filha, ouve o que quero dizer-te. A jovem não responde, mas a anciã começa a falar: – Quando Deus me deu o primeiro filho, aconteceu que ele ficou doente e eu, sentada à noite ao seu lado, com uma mão no berço, e a outra no terço adormeci. Tive um sonho muito estranho: detrás de uma cortina longa e densa saiu um anjo escuro e aproximou-se do berço, querendo levar o meu filho. Estendi logo as mãos com o terço e sobre o berço gritei: – Não, Morte, não te deixo levar o meu filho! O anjo sorriu e disse: – Não me chamo Morte, chamo-me vida! Precisarei levar o teu filho. Ou preferes trocar? Queres este em lugar do bebê? Erguendo ele a cortina, saiu de lá um menino bonito e forte, de pele clara, olhos azuis e cabelos louros em caracóis. Mas a mim era estranho e gritei: – Não, não o quero! Antes mata-me. Ninguém pode matar – replicou o anjo – Precisas concordar com a troca! Ou preferes este? O menino desapareceu e em seu lugar apareceu um jovem. – Toma este! Vê como ele é belo, seus membros bem proporcionados, corpo e alma com forças vibrantes. – Não, não! – gritei outra vez. E o anjo disse: – Mas este amarás com certeza. – E mostrou-me a imagem de um homem de barba escura, bronzeado pelo sol e pelos ventos. – Não, – voltei a gritar – nunca o amarei! Vou odiá-lo! – Mas este aqui – o anjo continuou a argumentar comigo: era um velho de ombros largos e cabelos grisalhos. – Não, não, não! Jamais trocarei. Vai embora e não toques no meu filhinho! O anjo sorriu outra vez, dizendo: – Certamente irás trocar e serás feliz. Vida e morte são uma coisa só. A morte não existe. Assim dizendo, desapareceu. Acordei trêmula, ao lado do berço do meu filho que estava dormindo tranqüilamente. Os anos passaram e eu fui trocando: o bebê pelo menino, o menino pelo jovem, o jovem pelo homem e o homem pelo velho. E fui me lembrando de cada um como o tinha visto no sonho. De todos eles, só o grisalho tu bem conheces: é meu filho, o teu pai! A anciã se calou. E a jovem viúva ergueu o retrato do marido, dizendo: – Mas isto aqui não é troca, vovó, isto é roubo! – Espera – disse a anciã – ainda não terminei. Na noite seguinte o sonho se repetiu, e na minha visão o anjo voltou. Vi outra vez o menino, o jovem, o homem e o velho e não quis saber nada deles. Mas, depois de mostrar-me tudo como na noite anterior, o anjo disse: – Até aqui era só por brincadeira. Agora precisas aceitar uma troca bem mais difícil: aceita este em troca! – Mas não vejo ninguém! – exclamei. – Não podes vê-lo – replicou o anjo. – Mas também não ouço ninguém. – Pois ele não se deixa ouvir – respondeu o anjo. Eu tateava ao redor: – Ninguém está aqui! E o anjo disse: – Tampouco podes palpá-lo. – Então zombas de mim? – Não. Tu não me entendes. Vou falar de outra maneira. – Tu me darias os teus olhos em troca do filho? – Leva-os! – gritei. Logo caiu uma escuridão profunda sobre mim, mas ouvia ainda a respiração tranqüila do meu filho, como se fosse uma brisa noturna deliciosa. – Mas não é ainda suficiente – disse o anjo – Dá-me a tua audição. – Leva-a! – ordenei, e peguei o corpinho de meu filho com as duas mãos, beijando-o ternamente. – Mas ainda não é suficiente – exigiu o anjo novamente. – Dá-me todos os teus sentidos. – Leva-os todos! – gritei, e afundei no nada. – Onde está o meu filho? Onde? – Podes crer: ele vive. O que desaparece dos sentidos nem por isso está morto. A morte não existe para aqueles que tem Jesus como seu salvador, Deus criou só a vida. Entendes agora? A estas palavras do anjo acordei. Muitas vezes tenho meditado sobre o que o anjo disse, e paulatinamente comecei a compreender. Muitas vezes somos servos dos nossos sentidos. Mas Deus como Senhor dos mil sentidos consegue transformar o que amamos, mil vezes. São transformações que não nos permitem ver, nem ouvir, nem apalpar. É por isso que falamos da morte. Mas a morte não existe quando se tem Jesus como vida. A vida natural rouba, e dá sem cessar. Se soubermos isto, qualquer sofrimento poderá transformar-se em alegria antecipada. A anciã calou-se. Depois de algum tempo a jovem viúva repousou a cabeça nas mãos da velha, perguntando: – Quem te ensinou tudo isso, amada avó? – A vida, minha filha, a vida… E a anciã acrescentou: …e a morte! Leave a ReplyYour email address will not be published.CommentName* Email* Website Salvar meus dados neste navegador para a próxima vez que eu comentar. Δ