Introdução

A palavra Iniciação (derivada do latim Initiare é formada pelos vocábulos In, isto é, “para dentro”; e Ire, que significa “ir”) pode ser interpretada como “ir para dentro” ou “penetrar no interior”. Sob o aspecto místico, alguns escritores afirmam que a Iniciação pode ser entendida como sendo um processo que permite o ingresso ao nosso mundo interior, que nos leva ao conhecimento de nós mesmos e, em consequência, do Deus Pessoal que habita em nós, para começar uma nova vida.

A iniciação maçônica, legado de escolas iniciáticas da Antiguidade, mantém o costume de vendar os olhos de quem será iniciado por dois motivos aparentes: Primeiro, ocultar o ritual aos olhos profanos; segundo, estimular o candidato a fazer uma reflexão sobre si mesmo.

Sabemos que variados métodos de meditação, relaxamento, higiene mental e outras técnicas, mesmo sem fazer uso da venda, também podem levar o praticante a níveis de reflexão, interiorização e conscientização.

Mas a iniciação maçônica, quando bem conduzida ritualisticamente e vivenciada intimamente pelo candidato, é capaz de deixar o iniciando surpreso e perplexo diante da profundidade dos sentimentos que experimenta: De início é acometido pelos conflitos de isolamento, ansiedade e angústia; depois começa a sentir a calma, a paz, a sensação paradoxal do pleno e do vazio, o inesperado sentimento de estar em contato com o mais íntimo do seu ser, isto é, com o seu próprio EU, e o insight de perceber a inspiração e a presença do Criador em tudo e em todos.
Diante dessa experiência mística, da qual a razão não pode explicar ou compreender, há de se questionar qual é a relevância da venda na iniciação maçônica. E nesta investigação a pergunta que propomos é simples e direta:

Por que o simples ato de vendar os olhos, com a supressão de apenas um dos nossos sentidos [a visão], tem a capacidade de nos desorientar e, ao mesmo tempo, de nos induzir à introspecção e ao exame profundo da nossa consciência? Qual é, então, o simbolismo da venda na iniciação maçônica?

A Visão

“Os olhos são a janela da alma, o espelho do mundo” (Leonardo Da Vinci).

Temos cinco sentidos sensoriais que nos ligam ao mundo exterior, dos quais a visão é o mais importante. É através da visão que podemos contemplar a escuridão da noite e o céu estrelado, a luz do dia e as belezas da natureza. Isto mostra que a visão nos permite tomar conhecimento das coisas que nos cerca e do mundo em que vivemos.

A visão também é a principal maneira que temos para estabelecer contato com as pessoas. Quando encontramos um conhecido dizemos “Que bom te ver” e na despedida falamos “Até mais ver”. Estas expressões derivam do verbo “ver” e mostram a influência da visão sobre a linguagem. Quando observamos um estranho prestamos atenção na sua aparência, gestos, comportamento e começamos a fazer pressuposições sobre seu modo de vida, suas intenções e seu humor. Assim, criamos uma boa ou má ideia sobre os outros simplesmente olhando-os mesmo antes de falar com eles. Isto também mostra que a visão precede a experiência verbal.

Mas os nossos olhos são meros sensores passivos que apenas transmitem dados ao cérebro, sem fazer nenhuma avaliação prévia. É a mente que filtra, edita e interpreta as imagens captadas do mundo externo e as interligam com outros sentidos internos como a razão, a emoção, a intuição e a memória. É através da mente e do processo da cognição que formamos conceitos sobre as nossas percepções do mundo. Alguém já disse que “a beleza está nos olhos de quem vê”, mas, na verdade, deveria dizer que “a beleza está na mente de quem vê”.

Na área da neurociência as pesquisas comprovam que nem sempre as imagens mentais reproduzem com exatidão o objeto visualizado, porque podem ser influenciadas por nossos conceitos linguísticos, pelas emoções e sentimentos. Assim, a percepção original pode tornar-se vulnerável a ambiguidades, como as observadas nas representações de ilusão de ótica.

A Ilusão

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”. (Saint-Exupéry).

Ao acreditar que o que vemos no nosso cotidiano é a única realidade, estamos completamente iludidos. É como se estivéssemos dentro de um denso nevoeiro, onde a luz, distorcida pela condensação, pode deformar a nossa visão e criar a ilusão. Essa parábola do nevoeiro (um ensinamento hinduísta sobre a ilusão das percepções) é uma alegoria para os nossos preconceitos, nossas atrações e repulsões. Quando sentimos atração ou aversão demasiada por alguém ou alguma coisa, tendemos a enxergar de forma exagerada o objeto ou a pessoa que nos atrai ou repulsa. Se alguém admira uma rosa, por exemplo, tende a ver apenas a beleza das pétalas e fica cego para os espinhos. Porém, se for ferido pelos espinhos pode ficar assustado e passar a ver apenas o perigo dos espinhos, deixando de perceber a beleza da mesma flor, que antes era o seu objeto de admiração.

O filósofo grego Platão, nascido em 428 a.C (há quase 2.500 anos!), acreditava que o mundo que conhecemos não é o verdadeiro. Para ele, a realidade não está no que podemos ver e que, para atingir a verdade e o bem, devemos nos libertar da sedução da visão e nos guiar pela razão. Platão nos mostrou a distinção entre aparência e realidade. Na sua Alegoria da Caverna ele disse que as pessoas vivem como se estivessem aprisionadas, desde a infância, numa caverna escura, acorrentadas de frente para uma parede e de costas para a entrada, onde tem uma fogueira acesa que projeta sombras de coisas e de pessoas que estão do lado de fora. É tudo o que podem ver e, erradamente, consideram as sombras como sendo verdadeiras. Porém, se um dos prisioneiros conseguisse se libertar e saísse da caverna, de início seus olhos seriam ofuscados pela luz, mas aos poucos perceberia que o que via no interior da caverna eram apenas sombras e começaria, então, a ter consciência de que vivia num mundo de aparências, de ilusão e de ignorância. Platão ainda pergunta o que aconteceria a esse homem se ele descesse novamente à caverna para contar a seus amigos o que havia descoberto. Em princípio seus olhos demorariam a acostumar-se às trevas novamente e certamente ele seria ridicularizado, hostilizado e até ameaçado de morte pelos prisioneiros que não acreditariam nas suas “fantasias”.

Esta Alegoria ainda hoje pode nos mostrar que aquilo que acreditamos como real pode ser uma ilusão. Portanto, é importante ter a consciência de que os nossos olhos não podem nos revelar a verdade e a essência do que vemos. Esta é a maneira mais segura de formar uma concepção mais fiel do mundo em que vivemos, porque a visão clara da realidade só é obtida através da percepção da verdadeira Luz, que é o ponto de partida para o crescimento e o aperfeiçoamento humano, que são obtidos por intermédio da razão, pela busca do conhecimento, da justiça e da Verdade.
Como veremos mais adiante, é bom prevenir que há uma distinção entre a caverna platônica e a maçônica: Dentro da caverna de Platão estão as trevas e as ilusões, e fora dela existem a luz e a realidade. Na Caverna Iniciática, segundo Guenon, ao invés de ser um lugar tenebroso, é iluminada interiormente. Fora dela, ao contrário, reina as trevas, as aparências e a ignorância. Isto porque, de acordo com o mesmo autor, no simbolismo maçônico as “Luzes” encontram-se no interior na Loja, e não é por acaso que a palavra Loja [do sânscrito loka, que significa mundo] deriva de uma raiz cujo sentido designa a Luz.

Vendar os Olhos

“Conheça-te a ti mesmo” (Sócrates).

O ato de vendar os olhos do candidato tem enorme relevância porque marca o princípio do ritual de iniciação e o começo da preparação daquele que será iniciado.

O Ritual não é explícito quanto ao momento em que o candidato deve ser vendado, tanto que em algumas Lojas nos deparamos com pequenas variações nesta ação. Mas isto não é relevante porque sabemos que a Maçonaria tem suas raízes na Tradição Primordial, pela qual se conservam símbolos, conhecimentos, costumes e hábitos que remontam a um passado longínquo.

Porém, o mais importante é que o candidato precisa passar por uma preparação psicológica e espiritual, ser estimulado a fazer uma reflexão prolongada e profunda para que tenha uma compreensão mais realista e coerente de si mesmo.

Mas para refletir sobre nós mesmos é necessário que estejamos isolados e abstraídos. É preciso olhar unicamente para “dentro” sem se distrair com o que se passa lá fora. Neste contexto, o uso da venda contribui para fugirmos das “ideias prontas”, isto é, das nossas crenças, preconceitos e prejulgamentos.

Sabemos que com a privação da visão ficamos isolados do mundo exterior. Ficamos perturbados, cheios de dúvidas, angustia e ansiedade. Nesta circunstância vacilamos, tateamos e arrastamo-nos passo a passo e ficamos dependentes de um guia. Nesta obscuridade, o recurso disponível é voltar para nós mesmos e somos compelidos à introspecção, quando então passamos a ter uma visão mais clara sobre nossas atitudes, comportamentos, virtudes e erros.

Até agora discorremos sobre os efeitos aparentes do uso da venda, os quais podem ser experimentados por qualquer pessoa que esteja predisposta, independentemente de qualquer ritual iniciático.
Mas na Maçonaria o simbolismo da venda extrapola a mera acepção de um estado de cegueira. A venda usada na iniciação maçônica se reveste de uma profunda significação porque o candidato, uma vez vendado, é compelido a se isolar do mundo exterior e, efetivamente, este ato provoca um profundo estado de perplexidade no iniciando, tendo em vista que ele não esperava por este isolamento. Com a privação da visão acentua-se a acuidade dos outros sentidos, principalmente o da audição. E a Maçonaria com isso, segundo Boucher, quer mostrar ao profano que ele “não sabe ver” e que também está habituado aos “ruídos do mundo”, os quais o levam a adotar concepções, crenças e decisões, não por sua livre escolha, mas por influências do meio social no qual ele vive.
A Venda na Maçonaria também não deixa de ser uma representação dos labirintos que permeavam as cavernas iniciáticas da antiguidade. Pelo costume usado em nossa Loja, por exemplo, o candidato já é vendado no momento em que sai da sua residência. O “distante” e tortuoso percurso até o local da iniciação já o leva a perder o sentido de tempo, espaço e localização. Neste estado de desorientação, dúvidas e incertezas é como se o candidato estivesse em um labirinto do qual ele não conhece o trajeto e nem sabe o caminho que leva à saída. Toda esta situação de angústia e dependência provoca no candidato um profundo impacto emocional levando-o a ficar mais reflexivo e preparado para submeter-se às provas iniciáticas.

Das Trevas à Luz

“E é morrendo que se vive para a vida eterna”
(São Francisco de Assis).

Além do preparo espiritual, estimulado pelo uso da venda e pelo prolongado tempo que permanece em reflexão, o candidato também passa por uma preparação física e moral: Primeiro, é despojado dos metais como símbolo de renúncia aos bens materiais e ao abandono das paixões; em seguida é desnudado de modo a ficar com o coração a descoberto (em sinal de sinceridade e de franqueza), com o joelho direito despido (como sentimento de humildade) e com o pé esquerdo descalço (em sinal de respeito).

Só depois destas preparações o candidato estará apto a continuar a percorrer os trajetos do Labirinto: Inicialmente ele desce até a Cam.·. de Refl.·. local em que passará pela sua primeira morte e o seu primeiro renascimento ritualístico. Concluída esta primeira prova o candidato, agora recipiendário, terá novamente os olhos vendados para ser conduzido à porta do Templo ― lugar que separa o mundo profano da realidade sagrada vivenciada em Loja (“Quem é o temerário que ousa interromper os nossos AAug∴ TTrab∴?). Em seguida ele deverá transpor as demais provas para confrontar-se com os dilemas da existência humana e passar pelas purificações. Finalmente, e se tiver passado incólume por todas as provas, ele adquire o direito de receber a Luz e o privilégio de, já como neófito, ser admitido às revelações dos Augustos Mistérios.
O auge do ritual de iniciação está na recompensa da Luz, que é solenemente simbolizada pela retirada da venda: “FAÇA-SE A LUZ… E A LUZ FOI FEITA… QUE A LUZ SEJA DADA AO NEÓFITO”. Para o homem que emerge das trevas e do caos este é o seu momento mais glorioso. É como a fênix que, queimada, renasce das próprias cinzas. A grandiosidade desde momento parece explicar um texto bíblico que cita:
“Para abrir os olhos dos cegos, para tirar da prisão os presos e do cárcere os que jazem em trevas” (Isaías 43:7).

Ainda, e para esclarecer o alerta feito anteriormente, é necessário fazer a distinção entre o Labirinto e a Caverna Iniciática.
O Labirinto representa o caminho que o iniciando tem que percorrer para realizar as provas iniciáticas. Caminhar pelo Labirinto é “viajar” pelas experiências da matéria e vagar a esmo pelas sensações de angústia, dúvidas, inquietações e temores. O seu complexo e confuso percurso representa a “descida aos infernos”, as “trevas exteriores”, os estados “errantes” do mundo profano e simboliza a morte ritualística. É como a citação de um texto de Isaías (42:16) que diz:

“E guiarei os cegos por um caminho que não conhecem; fá-los-ei andar por veredas que sempre ignoraram…”.

Já a Caverna Iniciática é a representação do mundo e do cosmo, é o local aonde acontece a segunda morte e o segundo renascimento. Não é de se admirar e nem motivo de ceticismo, bastando relembrar as palavras do próprio Cristo que disse: “Na casa de meu Pai há muitas moradas” (João 14:2). Daí porque este local também é conhecido como sendo a “Caverna do Coração”, isto é, a nossa própria consciência, a nossa interioridade mais profunda, a representação do nosso próprio EU. É nesta Caverna, e somente nela, que deve ser assimilado o simbolismo da iniciação, que nos oferece a oportunidade de libertar das ilusões da existência material e renascer para uma realidade espiritual, ascendendo a uma visão mais sagrada do sentido da vida e de nós mesmos. E esta “Ressurreição em Vida” também lembra um texto bíblico (João 3:7): “Não te admires de eu te haver dito: Necessário vos é nascer de novo”. Neste sentido, devemos nos conscientizar que a iniciação é puramente espiritual e que, portanto, ela deve ocorrer do interior de cada iniciado.

Conclusão

“Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar”. (Thiago de Mello).

O uso da venda na iniciação maçônica ajuda o candidato a fazer uma reflexão sobre si mesmo, e contribui para que ele tenha consciência dos estados “errantes” e das “trevas exteriores” que permeiam o mundo profano, que é influenciado pelas aparências, ilusões e apegos.
Sem o uso da Venda a cerimônia de iniciação certamente correria o risco de perder muito da sua significação, porque o candidato, ainda contaminado pela vida profana, permaneceria subjugado à suas crenças, preconceitos e prejulgamentos. Do mesmo modo, se ele fosse submetido a olho nu às provas iniciáticas as mesmas poderiam parecer dramatizações ridículas e todo o simbolismo poderia ser visto apenas em sua exterioridade.
Boucher afirma que “O simbolismo da Venda, que parece tão elementar, é um dos mais profundos de toda a Maçonaria”, e que “Seria lamentável que a Venda simbólica continuasse, mesmo depois de ser desatada e do Choque Iniciático”.
Compartilhamos da opinião de Boucher porque, por incrível que pareça, ainda encontramos maçons, mesmo em altos degraus da escada de Jacó, que aparentam não ter compreendido qual é o simbolismo da Venda, pois demonstram continuar nos estados “errantes” ou “labirínticos”, com os mesmos apegos, ilusões e vaidades de um profano comum, e permanecem ignorando a necessidade de nos livrar da nossa “Venda congênita”.
Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver. É o insensível que, deliberadamente, “venda” os próprios olhos e passa a ignorar as aflições dos seus semelhantes e as preocupações do mundo em que vivemos.
E quanto a nós, será que realmente já tomamos consciência da necessidade de desatar a Venda que cobre os nossos próprios olhos?

BIBLIOGRAFIA:
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• GUENON, René. Os Símbolos da Ciência Sagrada. Ed. Pensamento
• VAROLI, Theobaldo. Curso de Maçonaria Simbólica. Gazeta. 1981.
• ZOCCOLI, Hiran L. Maçonaria Esotérica – Grau I. 1991.
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• BAYARD, Jean-Pierre. A Espiritualidade da Maçonaria. Madras. 2004.
• CAMINO, Rizzardo. Dicionário Maçônico. Madras. 2004.
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• GOB. Ritual do Grau 1 – REAA. 2001.
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• “A Natureza da Experiência Mística”. Joy Mills. Consulta em 15/08/2005. In: http://www.sociedadeteosofica.org.br/