Acriação dos Altos Graus escoceses, característica marcante do escocesismo, tem as suas causas um tanto obscuras e tratadas de maneira controversa.

Em primeiro lugar, cabe uma indagação: como e por que surgiu o sistema dos Altos Graus, tão heterodoxo para as demais organizações maçônicas?

Também foram alegadas razões doutrinárias e espirituais, segundo as quais os Altos Graus encerrariam as mais diversas formas da tradição da Maçonaria, desenvolvendo, dessa forma, os ensinamentos iniciáticos dos três Graus Simbólicos (Aprendiz, Companheiro e Mestre) e, principalmente, os do Mestrado.

Todavia, se as causas da criação dos Altos Graus são obscuras, o mesmo não sucede – pelo menos com a mesma intensidade – com relação às suas prováveis origens, pois a maior parte dos autores situa três acontecimentos como responsáveis pela ideia, pela concretização e pela evolução do sistema: o Discurso de Ramsay, a criação do Capítulo de Clermont e a instalação do Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente, Grande e Soberana Loja Escocesa de São João de Jerusalém.

RAMSAY

Ramsay não foi, como afirmam alguns autores, o criador dos Altos Graus; todavia, o seu famoso discurso publicado em 1738, já que ele foi impedido de pronunciá-lo em 1737, foi, como tendência para uma profunda reforma institucional na Maçonaria, o ponto de partida para a adoção do sistema dos Graus, que, posteriormente, viriam a ser chamados de “filosóficos”.

André Michel RAMSAY nasceu em Ayr, na Escócia, em 1686, e faleceu em Saint-Germain, na França, em 1743. Embora Paul Naudon afirme que ele era membro de nobre família escocesa – ele próprio afirmou que era filho de um baronete escocês e reclamou o título, quando foi recebido em Oxford, em 1730 – na realidade seu pai era um padeiro (cf. Alec Mellor, que lhe dá a profissão de açougueiro – “boucher”, em francês – ao invés de padeiro – “boulanger”, em francês – que é o correto). Essa sua origem foi esclarecida num panfleto, intitulado “La Ramsayade”, atribuído a Voltaire, mas não reconhecido por ele. O que o enobreceu foi o título de Cavaleiro de São Lázaro (Chevalier de Saint Lazare), que lhe foi dado pelo Regente da França.

A carreira de Ramsay foi tormentosa e curiosa: filho de um padeiro, com pai calvinista e mãe anglicana, escocês de origem, que a monarquia francesa enobreceu; que, entre outros preceptorados, exerceu o de Carlos Stuart (1724), filho de Jaime III, pretendente católico ao trono da Inglaterra; que por pouco não teve uma cadeira na Academia Francesa e que se tornaria discípulo, companheiro e, posteriormente, apologista de Fénelon (1) e do catolicismo. Apesar disso, ele ingressaria, posteriormente, na Royal Society, de Londres, e na Universidade de Oxford, o que mostra que, apesar de católico stuartista, ele mantinha ligações com o anglicanismo inglês (2).

Segundo as pesquisas da Loja “Quatuor Coronati”, de Londres, publicadas na “Ars Quatuor Coronatorum” (1934, Vol. XLVII, pág. 77), citada por Baylot, Ramsay foi Iniciado na Maçonaria a 10 de março de 1730, na Loja “Horn”, no Palácio Hord de Westminster, da qual o duque de Richmond foi Venerável. Sendo o grande animador das ideias de Fénelon, ele trouxe o pensamento católico para a Maçonaria escocesa stuartista, inclusive através do seu célebre discurso, não pronunciado. Para Paul Naudon, o serviço mais importante que Ramsay prestou à Maçonaria escocesa foi o de lhe haver dado, com o seu “Discurso”, uma verdadeira carta e um código geral de pensamento, coisa com que não concordam outros autores, que não lhe reconhecem influência importante, não vendo, em seu discurso, mais do que um apelo a lendas, uma paixão pelos títulos nobiliárquicos e uma pretensa ancestralidade dos cruzados em relação os Franco-Maçons.

Como Grande Orador e Grande Chanceler da Ordem, ele tentou pronunciar o discurso em março de 1737, mas uma interdição do cardeal Fleury (3) impediu que isso acontecesse, não impedindo, todavia, que o texto fosse publicado, em 1738. Não ter podido pronunciar o discurso deve ter sido, na realidade, o maior desgosto de sua vida, pois, feito Cavaleiro da Ordem de São Lázaro e no auge da felicidade por ser nobre, não sabia como exprimir sua ufania e sua gratidão. A causa dos Stuarts lhe deu oportunidade de fazer essa demonstração, de acordo com suas ideias aristocráticas, mas o cardeal Fleury acabou tolhendo as suas pretensões.

Ramsay, do ponto de vista maçônico, foi, verdadeiramente, na afirmação de muitos autores – como Chérel, por exemplo – uma mediocridade, que teve a sua hora de ação eficaz. Para outros, todavia, sua ação foi mais extensa, até com criação de Graus cavalheirescos (4), o que se tem confirmado ser pura lenda.

O CAPÍTULO DE CLERMONT

O Capítulo de Clermont foi criado em Paris, em 1754, pelo cavaleiro de Bonneville, com o nome do Colégio dos Jesuítas, onde ele foi instalado e local que já havia sido residência do pretendente ao trono inglês, Carlos Eduardo Stuart, filho de Jaime III.

Dizendo-se uma Obediência Maçônica, propunha-se a continuar a ação da Loja fundada em 1688 (ou 1689), em Saint-Germain-en-Laye, praticar os altos Graus – que já estavam se estendendo a partir daquele quarto Grau, “Mestres Escoceses”, já citados – e não manter vínculos com a Grande Loja, repudiando-a, por suas atividades políticas.

Esse “Capítulo” teve existência bastante efêmera (muitos autores nem se ocupam dele), mas, como o “Discurso de Ramsay”, acabou rendendo frutos, através das ideias propagadas, para que fosse possível o advento definitivo dos Altos Graus. Isso propiciaria o surgimento do Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente – que G. Martin considera sucessor do “Capítulo”, ou Grande Loja de Clermont – responsável pela implantação de uma escala de vinte e cinco Graus.

Observações:

1. François de Salignac de La Mothe FÉNELON, prelado e escritor francês, nascido no castelo de Fénelon (Périgord), em 1651, e falecido em 1715. Já conhecido pelo seu “Tratado de Educação dos Filhos”, ele foi nomeado preceptor do duque de Borgonha (1689) e escreveu, para a educação política de seu discípulo, os seguintes livros: “Fábulas”, “Diálogos dos Mortos” (publicado em 1712) e “As Aventuras de Te1êmaco”, publicado em 1699, sem o seu consentimento; esta última obra, cheia de críticas indiretas à política de Luís XIV, valeu-lhe a queda em desgraça, perante o rei.

Na mesma época, a sua obra “Máximas dos Santos” (1697), favorável à doutrina quietista, foi condenada pela Igreja (o Quietismo era uma doutrina mística, considerada uma heresia e combatida por Bossuet, que defendia a posição eclesiástica oficial). Depois disso, ele se eclipsou politicamente, retirando-se, então, para Cambrai onde já havia sido arcebispo e onde escreveria, ainda, “Carta sobre os Trabalhos da Academia”; (1714, publicada em 1716). Sendo uma alma bastante sensível e um espírito liberal, Fénelon já deixava entrever uma nova mentalidade, que iria imperar no século XVIII.

2. A Igreja Anglicana não foi resultante de uma reforma religiosa (como a de Lutero, por exemplo), mas, sim, dos desejos e dos interesses pessoais de Henrique VIII, o ambicioso monarca, que, em 1509, subiu ao trono inglês, com a ideia de dominar a política e a religião na Europa. O motivo para o seu rompimento com a Igreja de Roma foi a pretendida anulação de seu casamento com Catarina de Aragão, pelo fato dela lhe haver dado uma filha, ao invés de um herdeiro para o trono; a alegação apresentada, para justificar a anulação, foi o fato de Catarina ser viúva de Arthur, irmão de Henrique, e ser proibido, na época, o casamento entre cunhados. O papa Clemente VII, todavia, insistiu em negar o pedido, pois ele dependia de Carlos V, imperador do Sacro Império, que era sobrinho de Catarina e não queria ver o repúdio público da tia.

Em 1533, Henrique, que já se casara secretamente, com Ana Bolena, manda coroá-la rainha, pois Thomas Granmer, que o papa nomeara Chanceler de Caterbury, pronunciara-se a favor do divórcio do rei; em 1534, era definitivo o rompimento com a Igreja Romana, pois uma série de atos do monarca, eliminando a jurisdição papal sobre a Igreja inglesa, leva Clemente VII a excomungá-lo. Em 1535, o “Act of Supremacy” (Ato de Supremacia) estabelece que o rei é o chefe único e supremo da Igreja da Inglaterra; nascia, assim, a Igreja Anglicana, que não representou uma reforma, como no caso das Igrejas protestantes, mas, sim, um cisma no seio da Igreja católica, pois ela manteve os mesmos dogmas desta, justamente aqueles que são os mais atacados pelos protestantes: o celibato eclesiástico, a transubstanciação, a validade dos votos de castidade e as missas privadas.

3. André Hercule de FLEURY, prelado e político francês (1653-1743) nascido em Lodêve. Bispo de Fréjus (1698), ministro de Luís XV (1726) e cardeal, ele governou com extrema autoridade, restaurou as finanças e apaziguou a questão jansenista (da doutrina do jansenismo, baseada na obra do teólogo holandês Corneille Jansen). Foi, contra sua vontade, arrastado à guerra de sucessão da Polônia e, também, da Áustria.

4. Ragon afirma que Ramsay teria criado, em 1728, fora dos três Graus Simbólicos, um Rito de três Graus cavalheirescos: Escocês, Noviço e Cavaleiro do Templo. Savoire e Lebey creditam-lhe uma tentativa de criação de Altos Graus, na Inglaterra, em 1728, a fundação, na França, duma Grande Loja inglesa, em 1743, e a fundação de um Grande Capítulo “primordial” jacobita, em Arras, em 1744.

Todavia, Lantoine, um dos maiores pesquisadores franceses e o que melhor se ocupou da vida de Ramsay, quase nada fala de sua atividade maçônica, além do Discurso, afirmando, inclusive, que ele só retomou à Inglaterra em 1730, não podendo, portanto, ter criado ali, em 1728, os tais três Graus cavalheirescos, citados por Ragon (além de tudo, se ele tivesse feito isso, os Maçons ingleses lhe teriam aplicado um solene bico nos fundilhos). Quanto às afirmações de Savoire e Lebey, basta lembrar que Ramsay faleceu em 1743.

Do livro “O Rito Escocês Antigo e Aceito” de José Castellani
Editora “A Trolha”

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ARLS Barão de Ramalho, nº 1254 Oriente de Bertioga • GOB/SP

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