Quando se diz que há problema de semântica na conversa do dia a dia, entende-se que há uma falha na comunicação.

No que diz respeito à semântica, não estamos falando exatamente de falha, mas sim de diferentes interpretações. Assim como temos vários tipos de gramática, como a gramática histórica que trata das mudanças das estruturas da língua na linha do tempo, existe também a semântica histórica que, de certa forma, mostra-nos o referencial histórico da mudança de sentido das palavras por meio da história.

Um exemplo? A palavra “pelego” de acordo com o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis: “Pelego (ê) sm.1-Pele de carneiro com a lã, usada sobre a montaria, para amaciar o assento. 2-Reg. (Rio Grande do Sul) Passo errado nas danças gaúchas. 3-Político influente, títere do imperialismo. 4-Alcunha dos que disfarçadamente trabalham contra os interesses dos sindicalizados. P.-branco, Reg. (Rio Grande do Sul): alcunha que os gaúchos habitantes da fronteira dão às pessoas do norte do estado. Pl: pelegos-brancos. P.-de-velha: planta leguminosa (Calliandra tweedii). Dar o pelego ou jogar o pelego, Reg. (Rio Grande do Sul): expor-se a um perigo; arriscar a pele, a vida”.

Ainda há uma gíria recente usada por adolescentes hoje na qual se dá o nome “pelego(a)” àquelas pessoas que fogem do padrão de beleza estabelecido, ou vulgarmente falando, “gente feia”. O termo “pelego” quando utilizado para falar daquelas pessoas que se recusam a participar de greves ou que discordam dos métodos dos sindicatos está diretamente ligada à história do país. No Brasil, podemos dizer que essa palavra está ligada à luta da classe operária, à reivindicação dos direitos trabalhistas, melhores salários, redução de jornada de trabalho, à CLT, etc.

É importante observar que as palavras podem ser completamente manipuladas, modificadas omitidas e/ou distorcidas de acordo com o objetivo do discurso.

As palavras também são simbólicas ou carregam uma associação de símbolos a elas. Ainda que alguém explique exaustivamente que a cruz suástica não teve origem durante o Nazismo, as pessoas, mesmo sabendo que essa palavra sânscrita tenha o significado de “boa sorte” e que, entre outras coisas, ela carregue um significado bom em sua origem, que represente a evolução, etc., a palavra (signo) e o símbolo estão comprometidos com a ignorância da boa parte dos ocidentais. Por essa razão, aqueles que sabem o significado original de símbolos como a suástica, ficam coibidos diante do tabu que se criou sobre eles. Tabus frequentemente são carregados de falta de informação e podem também conter interesses velados de quem os sustenta.

No Japão, a palavra “suicídio” não é tida como um tabu pois os samurais poderiam valer-se desse tipo de morte para redimir-se de algo. Acontece que muitas pessoas adoecem com a rotina de trabalho exaustiva do Japão e acabam morrendo por causa de doenças desencadeadas pelo excesso de trabalho – estresse e depressão, por exemplo. Em 2005, houve aproxidamente 30 mil casos de suícidio. Esses números foram aumentando, desde a década de noventa, com a crise econômica e a instabilidade de emprego. Talvez o tabu esteja oculto no fato de não aceitar os próprios limites e exigir melhores condições de trabalho ou algo que não estresse tanto essas pessoas; certamente que muitos patrões não ficariam nem um pouco satisfeitos em ter que abrir mão de alguns milhões dos tantos que já têm em nome de melhores condições de trabalho e salários.

Há sempre uma comoção “chinfrim” que enaltece mais o sujeito que morreu trabalhando do que o mendigo que morreu de fome e sem trabalho pelas ruas da cidade, como se morrer por vontade própria fosse melhor que perder a vida por força da ocasião; é apenas morte por morte.

O fato é que podemos perceber a manipulação das palavras o tempo todo.

Uma palavra sozinha geralmente é apenas um signo; poucas palavras se autocompletam. Se alguém diz “chove”, sabemos que a chuva está caindo e ponto final, nos basta. Se dissermos apenas “por”, a esmo, não teremos unidade de significado definida porque “por” pode ser infinitivo do verbo “por” ou preposição.

Pensemos ainda em semânticas, significados e manipulação das palavras. Será que estamos falando de oratória? Retórica? Os dois! Porque se oratória, em poucas palavras, é a arte de falar em público, a retórica é a técnica de convencer por meio da oratória. As palavras num discurso, retratam a intenção de quem fala. Cabe ao ouvinte se dar ao trabalho de avaliar a legitimidade do discurso. Ou concordar com tudo e engolir qualquer coisa feito rebanho no pasto!

O fato é que somos acostumados a não prestar atenção o suficiente, por preguiça, por atribulações, pelo excesso de informação. De qualquer forma, ainda podemos acreditar mais no discurso de um cientista e em seus métodos baseados no empirismo e na lógica do que naqueles políticos de sempre, com seus discursos preparados por gente que os provê de técnicas de oratória para falar, falar, falar… e nada dizer!

Pense nesse slogan de campanha: “Sim, nós podemos!”. Isso até lembra o discurso de uma marca famosa de tênis: “Apenas faça!”. Não vamos desmerecer o valor motivacional das palavras na propaganda de um calçado destinado a pessoas que praticam esportes e têm apreço por competir. Por que um político usaria palavras tão vagas em sua campanha? Será por que é impossível honrar promessas de campanha? Podemos usar essas palavras sem qualquer comprometimento. Veja: “Sim, nós podemos mandar soldados ao Oriente Médio.” Ou “Sim, nós podemos ter um sistema de saúde muito bom e digno para toda a população.”?

O fato é que palavras vagas ou omitidas propositalmente podem significar qualquer coisa. Isso é um bom escapismo ou ainda uma boa excusa. São as letras miúdas dos termos dos contratos ou as palavras rebuscadas ou em excesso que enchem as pessoas de problemas e enchem também as consultorias advocatícias. Bom para elas, que gostam de se dar ao trabalho de estudar e conhecer os termos da lei.

Que dizer dos deuses absolutos e suas escrituras? Quanta gente manipulando e distorcendo as tais parábolas bíblicas. Os fundamentalistas são os pastores, e muitos que os seguem confortavelmente, sem questionamentos, são o rebanho. Mas são o rebanho porque seguem a palavra de Deus ou porque se deixam guiar por um pastor? Não importa. Fé cega, seja qual for a religião, é coisa para gente sem inquietudes; quem não tem inquietudes pode também não ter dúvidas, e ter dúvidas pode ser algo indispensável para quem busca alguma iluminação.

No entanto, não sejamos injustos com as licenças poéticas que deixam a vida mais bonita – o exagero, a beleza do conjunto, as metáforas felizes… Na literatura, são permitidos devaneios, enlouquecer de amor, embelezar a tristeza, ter múltiplos sentidos, aliterações; as diversidades de significados são bem-vindas.
Na vida real, há quem diga que a arte imita a vida. As palavras nos levam aonde desejamos, permitem–nos adquirir conhecimentos por meio da história da humanidade, ainda que muito tempo já tenha se passado depois dos desenhos nas paredes das cavernas.

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