Por demonstrar suas virtudes cardeais (Sabedoria, Coragem, Justiça e Temperança), Voltaire foi convidado a ingressar na Maçonaria…

Enciclopédia é o conhecimento universalizado. É uma obra, geralmente, em forma de dicionário, que trata de todos os assuntos de ciência, arte ou, se especializada, de todos os assuntos de determinado setor científico ou artístico. Na enciclopédia se expõe, metodicamente, o conjunto dos conhecimentos universais ou específicos de um campo do saber, agrupados em temas ou dispostos em ordem alfabética.

A famosa Enciclopédia Francesa do Século XVIII (que é considerada a primeira), iniciou-se em 1751, quando saíram a lume seus dois primeiros volumes, e foi ultimada em 1780, perfazendo 35 volumes. Foi um quadro geral dos esforços do intelecto humano em todos os gêneros e em todos os séculos. O enciclopedismo veio combater as ideias pagãs do direito divino dos reis, que justificavam o absolutismo dos tronos; em conseqüência disso surgiu a Revolução Francesa, rasgo grandioso de heroísmo humano. O modo como a Enciclopédia e os Iluministas desenvolveram as ideias às quais a Revolução Francesa dada conseqüência prática, configurou a passagem da postura filosófica à postura política, patenteando a negação do direito divino da Igreja ao monopólio da verdade, e, conseqüentemente, o direito divino dos governantes ao monopólio do poder. Os primeiros volumes foram proibidos, como ofensivos ao rei e à religião; os jesuítas tentaram continuar a obra, porém não conseguiram, retornando aos enciclopedistas.

A publicação permitiu que as novas ideias difundissem-se, não só na Europa, mas em toda a América, cuja influência, também, se exerceu no Brasil, e, a Inconfidência Mineira (1789) é um grande exemplo. É tida como obra capital do Iluminismo do Século das Luzes, como ficou conhecido na História o Século XVIII, radiosa época em que o dogma religioso inquestionável foi eclipsado pela crença na razão e na perfectibilidade humanas.

Diderot foi o idealizador da Enciclopédia (Encyclopédie ou Dictionnaire Raísonné des Sciences, des Arts et des Métiers), que reuniu 150 colaboradores, que passaram a ser chamados de “enciclopedistas”, dentre eles D’Alembert, Rousseau, Montesquieu, Turgot e Voltaire. É de Voltaire que vamos falar.

Poeta, dramaturgo, historiador, epistológrafo e prosador francês, Voltaire cultivou todos os gêneros: a tragédia, a história, o conto, a crítica, a epopéia e sobretudo a filosofia. A sua influência literária e social foi enorme tornando-o escritor francês por excelência, claro, límpido, preciso, espirituoso e elegante. Sua obras tornaram-se clássicas, como Brutus, Epístola a Urânio, História de Carlos XII, 0 Templo do Gosto, Cartas Filosóficas e outras. Mas é Cândido, publicada em 1758, sua obra mais famosa, um conto filosófico onde atacou as opiniões otimistas de sua época, que consideravam o homem como uma criatura que havia alcançado a felicidade e a liberdade. Não obstante, o maior meio de propagação das ideias de Voltaire foi sua extensa correspondência: mais de dez mil cartas, que são, até hoje, leitura fascinante, que, infelizmente, nunca foi inteiramente ou corretamente editada.

A vida de Voltaire é a história dos avanços que as artes devem ao gênio, de poder exercer sobre as opiniões de seu Século, da longa guerra contra os preconceitos, declarada já em sua juventude e mantida até seus últimos momentos.

Voltaire nasceu em Paris a 21 de Novembro de 1694, filho de François Arouet, um parisiense notário abastado, e de uma dama de nobre estirpe, Marie Marguerite Daumart. Fez seus primeiros estudos com os jesuítas no Colégio de Clermont, onde se revelou um aluno brilhante, porém, levando a seguir uma juventude dissoluta. Iniciou o curso de direito, mas não terminou. Freqüentou a Societé du Temple, de libertinos e livres pensadores. Voltaire, cujo verdadeiro nome era François-Marie Arouet, foi uma das figuras mais evidentes das letras francesas no Século XVIII, e que tomou parte preponderante no enciclopedismo. Em virtude do seu temperamento e ideias revolucionárias, em 16 de Abril de 1717, foi preso na Bastilha pela autoria suposta de um panfleto contra Luís XIV. Na prisão, aproveita o tempo para escrever a sua primeira tragédia, 0 Édipo, cujo sucesso, abre-lhe a entrada aos meios intelectuais, compôs uma grande parte de um poema épico (Henriada), de que é herói Henrique IV, rei de França, e mudou, por algum motivo ignorado, o nome para “Voltaire” (provavelmente anagrama de Arouet leu jeune, segundo Thomas CarIyIe (1795-1881). Parece, entretanto, que o nome existiu na família de sua mãe.

Foi Voltaire quem introduziu na França a mecânica de Isaac Newton (1642-1727) e a psicologia de John Locke (1632-1704), dando começo à Era da Luz. Na França do Século XVIII, onde os intelectuais se achavam em rebelião contra um despotismo antiquado, corrupto e impotente, a Inglaterra era considerada como a pátria da liberdade, sendo que eles se achavam predispostos a favor do filósofo inglês Locke, face às suas doutrinas políticas. Na verdade, a filosofia, no Século XVIII, estava dominada pelos empiristas britânicos, dos quais Locke, Berkeley e Hume podem ser considerados os principais representantes. Às vésperas da Revolução Francesa, a influência de Locke, na França, foi reforçada pela de David Hume (1711-1776), um grande filósofo escocês, que vivera algum tempo na França e conhecia, pessoalmente, muitos de seus principais sábios e eruditos. Mas, o principal transmissor da influência inglesa à França, é creditado a Voltaire. E é de Voltaire o maior passo na conquista das liberdades individuais, que lutou contra toda limitação à liberdade de pensamento, reconhecendo a todos o direito de manifestar suas ideias.

Espirituoso, dotado de invejável facilidade de escrever, e além disso, excepcionalmente culto, foi Voltaire o autor mais lido e festejado do seu tempo. Escarneceu com fervor a teoria do “Direito Divino”, e, como considerasse a Igreja Católica um dos sustentáculos do regime vigente, atacou-a com audaciosa e desabrida irreverência. A repressão que Voltaire mais odiava era a da tirania organizada pela religião. Explodia a sua indignação contra a “monstruosa crueldade da Igreja”, que torturava e queimava homens bons, honestos e inteligentes, por terem ousado duvidar dos seus dogmas. Combateu, implacavelmente, esse sistema de ortodoxia privilegiada e perseguição, adotando como lema – contra a Igreja Católica – “Écrasez L’infâme,! “(Esmagara Infâmia !). “L”infâme” era a ortodoxia privilegiada e perseguidora, e foi contra ela a grande e verdadeiramente heróica luta de Voltaire. Obrigado a deixar a França, asilou-se em Londres, onde entrou em contato com teorias de vários filósofos de vanguarda da Inglaterra, principalmente Locke. Retoma à França empenhando-se na divulgação das ideias dos filósofos ingleses. Graças a seu estilo eminentemente vivo e atraente e à sua ironia, conseguiu criar, em inúmeros espíritos, um sentimento de profundo desprezo pelas instituições e crenças até então dominantes, tendo sido o mais violento destruidor da estrutura tradicional da Europa. Quisessem-no ou não os governantes, Voltaire, representava o espírito francês no que tinha de mais vivo e de mais ousado. Vinte e cinco anos antes da Tomada da Bastilha, Voltaire foi o profeta de uma revolução inevitável’. As mudanças vieram com algumas vias imprevistas da Revolução, que, infelizmente, ao radicalizar-se, afastou-se da moderação voltairiana. Teria, certamente, condenado as violências, adotadas pelo movimento, cujo preparo contribuiu como ninguém. Como Rousseau, Diderot e Montesquieu, ele trouxe a palavra revolução para a filosofia política. Foi admitido na Academia Francesa em 1746.

Por demonstrar suas virtudes cardeais (Sabedoria, Coragem, Justiça e Temperança), Voltaire foi convidado a ingressar na Maçonaria, e, sua passagem pela Sublime Ordem é tida como inusitada. Muitos contestam, quanto à validade da sua iniciação, face ao seu espírito, sistematicamente, céptico e da sua irreligiosidade arraigada. Odiava a Igreja Católica e todas as formas de intolerância. Não foi ateu, como muitos pensam, mas um deísta, embora alegando o argumento de que Deus, se não existisse, deveria ser inventado para refrear os mais instintos das massas do povo.

Já há algum tempo se esperava o seu ingresso na Arte Real, pois era em Lojas de Franco-Maçonaria onde as distinções de classes não importavam e a ideologia do Iluminismo era propagada com um desinteressado denodo. Os Maçons, que condenavam todo e qualquer dogmatismo eclesiástico, não obstante aceitar o Grande Arquiteto do Universo, encontravam franca correspondência nos filósofos. A doutrina moral dos Maçons estava completamente de acordo com os princípios das Luzes. A Liberdade, a Igualdade e em seguida a Fraternidade de todos os homens, slogans criados por Antoine-François Momoro (1756-1794), que os escrevia nos edifícios públicos, (mas que alguns creditam ao filósofo Louis-Claude Saint Martins 1743-1803), eram o brado no interior dos Templos. No devido tempo se tomaram os slogans da Revolução Francesa. A iniciação de Voltaire prendeu, por muito tempo, as atenções de todo o universo Maçônico.

No dia da sua iniciação, Voltaire beirava os 84 anos. Na cerimônia estavam presentes representantes da Imperatriz Catarina, da Rússia, e do Rei Frederico 11, Imperador da Prússia. Havia embaixadores de vários países, como Inglaterra, Itália, e o famoso Benjamim Franklin representando o Novo Mundo, que acompanhou Court de Gebelin, o proponente do candidato para a Loja Neuf Soeurs (Nove Irmãs), ao Oriente de Paris.

A Loja Neuf Soeurs, fundada em 9 de Julho de 1976, era célebre porque quase todos os grandes escritores do Século XVIII fizeram parte dela, como Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond D’Alembert. O ritual ocupava um lugar preponderante nas cerimônias, que eram longas, de uma sábia cronologia, lentas, entrecortadas de homilias morais com laivos de filosofia. Falava-se de tudo e as suas sessões se prolongavam até tarde da noite.

Era 7 de Abril de 1778. O Templo estava completamente tomado, com vários Irmãos de grande destaque nas ciências, letras, e na política, dentre os quais os príncipes Emmanel Salus e Camille Rohan, o sábio abade Tingue e o doutor Guillotin. O Venerável Mestre era o grande astrônomo Joseph Jerôme Lefrançois de Lalande (1732-1807). Nessa memorável noite, e com o mais seleto auditório de todos quantos até ali se haviam reunido numa Loja Maçônica de França, Voltaire, pelo braço dos seus proponentes, deu entrada no recinto sob uma chuva de frenéticos aplausos. Sentou-se numa grande cadeira de espaldar colocada no centro do Templo. Não lhe colocaram vendas nos olhos e nem, tampouco, o submeteram às provas físicas, que a cerimônia exigia. Foi levado em consideração a sua idade provecta de oitenta e quatro anos, apesar do candidato estar em pleno uso de todas as suas faculdades e, ainda, ágil em seus movimentos. A fama de Voltaire contribuiu para isso, e, todo o corpo Maçônico presente se encheu de orgulho.

O próprio Lalande recebeu Voltaire, que, muito emocionado, dissertou sobre a grande honra que estava tendo ao recebê-lo naquele Augusto Cenáculo, proferindo palavras sacramentais que consagravam o candidato não apenas como um Aprendiz da Arte Real, mas um verdadeiro Mestre na plenitude de todos os direitos Maçônicos, como já o era em todos os ramos do saber humano. Em seguida os embaixadores da Imperatriz Catarina e do Rei Frederico 11 fizeram suas manifestações de júbilo. O abade Cordier de Saint- fez um discurso brilhante: “Queridíssimo Irmão,” ~ diz ele a Voltaire – “éreis Maçom antes mesmo de receberdes a característica, e, haveis preenchido os deveres antes de contrairdes sua obrigação entre nossas mãos! “ Seguiram-se as de Laplace, Lamarck, e, por último, a de Diderot que falou em nome do espírito moderno da França e que era, afinal, o espírito da própria Enciclopédia.

Quando Voltaire se posicionou para usar da palavra fez-se silêncio absoluto! Falou de improviso durante duas horas. A torrente das suas palavras, vezes irônicas, outras proféticas, regurgitava como lavas de um vulcão visto de longe, mas sentido de perto pelo calor que transmitia e se desenvolvia na assistência, alertando as consciências e pondo as almas ao rubro. O discurso de Voltaire foi encarado como o mais completo laboratório de ideias inovadoras, e, como a Enciclopédia, minara a rocha do despotismo figurada pelo absolutismo do trono e pela tirania da Igreja. As frases mais candentes eram como setas ervadas que dando volta ao Templo saiam depois em busca dos grandes alvos. A cerimônia se transformou numa brilhante festa Maçônica, onde Voltaire, numa assombrosa velocidade, respondeu à todas as perguntas que lhe foram dirigidas, empolgando todos os presentes.

A iniciação de Voltaire foi o morrão impiedoso que provocou a maior explosão da História da Humanidade.

O segredo da iniciação acabou transpirando e o trono estremecera ! Luiz XVI sentira que a presença dos representantes de Catarina e Frederico 11 fora um sintoma arrasador. Mas, quis o Grande Arquiteto do Universo , que cinqüenta e quatro dias da sua Iniciação, Voltaire morresse. O clero romano, através do cura de sua paróquia, recusou-lhe sepultura cristã; o governo proibiu a imprensa de publicar artigos sobre sua personalidade; os teatros foram proibidos de representar suas obras; e, a Academia não lhe concedeu as merecidas honras. Somente a Loja Neuf Soeurs, transtornada com a intransigência eclesiástica, celebrou uma manifestação pública em que lhe foram prestadas todas as honras fúnebres. Para prevenir qualquer ação da Igreja, seu corpo foi embalsamado e transferido, secretamente, para a abadia de Scellières, na Champanhe. Em 1791 suas cinzas foram transferidas, solenemente, para o Panteão.

Voltaire, a quem podia faltar um sistema de ideias ou uma doutrina política, mas não faltava o senso de justiça, bateu-se contra vários abusos judiciais que ficaram famosos. Não exerceu, somente, uma espécie de soberania literária, mas reinou, também, sobre a opinião pública de maneira quase absoluta, sendo procurado por todos os que sofriam com a intolerância, o fanatismo e as injustiças sociais. Aliás, acrescente-se, sua obra, em certo sentido, é menos importante literária ou ideologicamente do que do ponto de vista histórico; por ter escrito o que escreveu no momento em que o escreveu, por ter tido as suas ideias na época em que as teve, é que Voltaire, constitui um dos cimos do pensamento humano e uma das glórias mais indiscutíveis na história da inteligência. Como filósofo, foi o porta-voz dos Iluministas, em tomo dos quais se congregaram os adversários do Romantismo, e, como tal, se estendeu até o povo, porém, foi mais admirado do que conhecido. Acima de tudo, entretanto, ele foi um escritor, isto é, um homem cuja biografia é a história dos seus livros, e que fez da palavra escrita o instrumento por excelência da reforma social. Sua personalidade e talento como escritor deram-lhe uma influência penetrante em seu tempo, freqüentemente chamado “época de Voltaire”. Voltaire foi o soberano intelectual do seu século e é uma das maiores personalidades da Humanidade ! No dia em que nos esquecermos de honrar Voltaire, não seremos mais dignos da liberdade…

… E Voltaire foi um Maçom!

Bibliografia:

  • Alencar Renato – Enciclopédia Histórica do Mundo Maçônico Boucher
  • Jules – A Simbólica Maçônica Durant Will -A História da Filosofia Hobsbawm
  • Eric J. – A Era das Revoluções – 1789-1848 Jacq
  • Christian – A Franco-Maçonaria Lima
  • Adelino Figueiredo – Nos Bastidores do Mistério…
  • Maurois, André – 0 Pensamento Vivo de Voltaire
  • Mellor, AJec – Dicionário da Franco-Maçonaria
  • Russel, Bertrand – Filosofia Moderna Tourret
  • Fernand – Chaves da Franco-Maçonaria
  • A Revolução Francesa – Edição lstoé Senhor Dicionário Enciclopédico Brasileiro – Editora Globo
  • Enciclopédia Barsa Grande Enciclopédia Larousse Cultural – Nova Cultural
  • Revista ASTRÉA n0 3 – Março de 1927.

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