Uma lenda egípcia A Lenda de Osíris, Ísis e Hórus, é um dos mais antigos e importantes “mitos da criação”, sendo considerada precursora da Lenda do Terceiro Grau. Entre as inúmeras variações da lenda, escolhemos para apresentar, a versão mais completa da notável mitóloga portuguesa Maria Lamas, como uma das mais perfeitas da língua portuguesa. Esta versão é a tradução para o português da narrativa do célebre escritor grego Plutarco que visitou o Egito por volta do ano cinquenta antes de Cristo e descreveu com detalhes a Lenda apresentada a seguir. Não há uma versão oficial ou única dessa lenda. Ela aparece fragmentada em outras várias fontes egípcias confiáveis, afrescos, estátuas, baixos relevos, etc. Estima-se que essa lenda tenha sido criada no antigo Egito por vota de 3.500 anos a.C. A LENDA “No tempo em que Osíris reinava, ainda não havia morte sobre a Terra. Os homens também não tinham armas e não havia guerras. Ouvia-se música de um extremo ao outro do mundo; a linguagem dos homens e das mulheres era tão doce e tinha tão profundo sentimento que tudo quanto diziam era eloquência e poesia. Foi Osíris quem lhes ensinou a sabedoria e todas as artes. Foi ele que, primeiro, semeou o trigo, plantou a vinha e as árvores; foi ele que alegrou os olhos dos humanos com as flores. Fez também leis para que os homens vivessem juntos em harmonia; deu-lhes a conhecer os deuses; mostrou-lhes como deviam ser adorados. E explicou-lhes assim o seu nascimento: No princípio era o abismo sem forma – ‘Nun’; de ‘Nun’, nasceu ‘Ra’, o Sol, que foi o primeiro e o mais divino de todos os seres e criou todas as formas; do seu pensamento vieram ‘Chu’ o Ar Superior (abóbada celeste), e ‘Tefnet’ o Ar Inferior (umidade e orvalho), que eram, ao mesmo tempo, irmãos e esposos; destes nasceram ‘Geb’ e ‘Nut’ (a Terra e o Céu). A Terra e o Céu estavam separados um do outro, mas outrora estiveram ligados. O primeiro homem e a primeira mulher vieram do olho de ‘Ra’ da essência do que nesse olho existe; e de ‘Geb’ e ‘Nut’ nasceu ‘Osíris’ na cidade de Tebas. Quando ‘Osíris’ nasceu, ouviu-se no Mundo uma voz que gritava: ‘Vede! Nasceu o Senhor de todas as coisas!’ E com ele nasceu Isis’ sua irmã. Depois nasceram ‘Thot’ o sábio, ‘Nephetys’ e por fim, ‘Seth’ o Violento. Ora, ‘Osíris’ e ‘Isis’ amaram-se como marido e mulher e, quando seu pai, ‘Geb’ se retirou para o Céu, reinaram juntos sobre a Terra, como soberanos do Egito. O primeiro cuidado do novo rei foi abolir a antropofagia e ensinar aos seus súditos a arte de fabricar os utensílios agrícolas e de cultivar o solo. ‘Thot’ estava com ele e ensinou aos homens as artes de escrever e contar; ‘Nephetys’ afastou-se com ‘Seth’ de quem se tornou esposa, e foram viver no deserto. Depois de ter civilizado o Egito, ‘Osíris’ a quem chamavam o ‘Ser Bom’ quis espalhar os seus benefícios no mundo inteiro; entregou a regência a Isis’ e partiu para a conquista da Ásia, acompanhado por ‘Thot’ seu ministro, e pelos seus grandes oficiais ‘Anúbis’ e ‘Ophois’. Inimigo de toda a violência usou apenas da suavidade para dominar todos os países, cujos habitantes abrandava e desarmava por meio de cantos e concertos de instrumentos variados. Só regressou depois de percorrer a Terra inteira e espalhar por toda a parte a civilização. Ao chegar ao Egito, encontrou o reino em perfeita ordem, pois ‘Isis’ tinha governado com a maior sabedoria, durante a sua ausência. Mas não tardou a ser vítima de uma traição de ‘Seth’ que tinha ciúme do seu poder. Lá no deserto, onde habitava, ‘Seth’ irritava-se constantemente contra ‘Osíris’ porque cresciam em toda a parte coisas verdes que ele detestava: vinha, cereais e flores. Muitas vezes já tentara destruir o irmão, sem o conseguir, devido ao vigilante cuidado de ‘Isis’. Pensou então na maneira de realizar o seu intento: um dia tirou as medidas do corpo de ‘Osíris’ pela sua sombra e fez um cofre com o seu tamanho exato. Pouco tempo depois, quando se aproximava a estação da seca, convidou para um banquete todos os filhos do Céu e da Terra. Quando eles chegaram, viram e admiraram o cofre que ‘Seth’ havia feito com diversas e fragrantes madeiras. Como se pretendesse que todos entrassem num jogo, ‘Seth’ disse-lhes que daria o cofre aquele cujo corpo melhor se lhe ajustasse. Todos quiseram deitar-se na caixa, mas eram pequenos e sobejava um largo espaço acima da cabeça. Então, ‘Osíris’ cuja estatura era maior que a de todos os outros, tirou a coroa e deitou-se no cofre, ocupando-o completamente, no comprimento e na largura. ‘Isis’ ‘Nephetys’ e ‘Thot’ estavam de pé, junto dele, felicitando-o por ficar na posse daquele precioso cofre. E ‘Osíris’ tinha a face resplandecente. Entretanto, ‘Seth’ afastara-se para chamar os criados, em número de setenta e dois, ordenando-lhes que entrassem e pregassem a pesada tampa com pregos, soldando-a depois com chumbo derretido. Nem ‘Isis’ nem ‘Nephetys’ e nem ‘Thot’ conseguiram romper o círculo que os criados de ‘Seth’ faziam em volta do cofre. E eles pegaram-lhe, transportando-o para fora da sala. ‘Seth’ ia à frente. ‘Isis’ ‘Nephetys’ e ‘Thot’ perseguiram-nos, mas a noite estava escura e eles não só se separam uns dos outros como do grupo de ‘Seth’. Este pôde assim alcançar o rio e atirar o cofre a água. De manhã, quando os outros três chegaram, já a corrente o havia levado para o mar. ‘Isis’ foi andando ao longo da margem, lamentando ‘Osíris’. Chegou à beira do oceano e atravessou-o, mas não sabia onde procurar o corpo do esposo. Vagueou pelo mundo e, para onde iam, as crianças seguiam-na em bandos, ajudando-a na sua busca. O cofre fora atirado à costa pela maré, e ali ficara num maciço de árvores novas. Uma árvore que crescia levantou-o; os seus ramos envolveram-no e a casca dos troncos cresceu a sua volta de tal forma que o cobriu. Isto aconteceu em Biblos, na Fenícia. O rei e a rainha da cidade – ‘Melquart’ e ‘Astarte’, ouviram falar naquela árvore maravilhosa, cujos ramos e casca exalavam intenso perfume, e mandaram-na cortar. Os ramos foram tirados e o tronco posto, como coluna, no palácio do rei. Quando ‘Isis’ chegou a Biblos, teve conhecimento daquela estranha árvore que crescera à beira-mar. Por aquilo que lhe contaram a respeito do perfume do tronco e dos ramos, soube logo que estava ali o cofre que procurava. Foi para o lugar onde a árvore estivera e ali ficou noite e dia. A sua figura de rainha chamava a atenção de todos os que a viam, mas não falou a ninguém que dela se aproximou. Então, a soberana de Biblos, sabendo da chegada da misteriosa estrangeira, foi ter com ela. Quando se aproximou de ’Isis’ esta levou a mão à cabeça e, nesse instante, tudo a sua volta ficou perfumado. ‘Astarte’ quis que a majestosa desconhecida a acompanhasse ao palácio, e Isis’, foi. Confiaram-lhe o filho dos soberanos, que ela criou na sala onde se erguia o tronco da árvore. Alimentava a criança, pondo-lhe um dedo na boca. De noite, tirava madeira da coluna, lançava-a ao fogo e deitava nesse fogo o filho da rainha. As chamas não lhe faziam mal algum, ardendo docemente a sua volta. E ‘Isis’ transformando-se em andorinha, voava em torno da coluna, lamentando-se. Uma noite, ‘Astarte’ foi à sala e não encontrou a ama; viu, porém, a criança no fogo. Gritou e tirou-a dali. Então, ‘Isis’ lá da coluna onde estava pousada sob a forma de andorinha, falou à rainha, dizendo-lhe que o menino teria alcançado a imortalidade se tivesse ficado deitado, noite após noite, naquele fogo. Não teria apenas vida longa: Tornar-se-ia imortal. E revelou-lhe também a sua própria divindade, reclamando a coluna que fora feita da árvore maravilhosa. O rei mandou abrir a coluna. Lá dentro estava o cofre. ‘Isis’ envolveu-o em panos de linho e mandou-o transportar para o navio que os soberanos de Biblos lhe deram para regressar ao Egito. Até lá chegar, nunca mais se separou dele. No Egito, o cofre foi aberto e ela retirou de lá o corpo de seu esposo e senhor. Respirou-lhe na boca e, com o movimento das suas asas (‘Isis’ por ser divina, podia ter asas), levou de novo a vida ao corpo de ‘Osíris’. E ali viveram juntos, longe dos homens e de todos os filhos de ‘Geb’ e ‘Nut’, mas, uma noite, ao caçar gazelas ao luar, ‘Seth’ encontrou-os a dormir. Caiu ferozmente sobre o irmão e dividiu-lhe o corpo em catorze bocados, que espalhou pelos campos. A morte viera para a Terra no dia em que ‘Osíris’ fora encerrado no cofre: Havia guerra e os homens estavam sempre de armas na mão. Não mais se ouvira música, os homens e as mulheres deixaram de falar suavemente dos seus mais fundos sentimentos. A vinha, os cereais e as árvores de fruto produziam cada vez menos. Em toda a parte iam desaparecendo os lugares verdes e aparecendo desertos. ‘Seth’ estava triunfante; ‘Thot’ e ‘Nephetys’ acovardavam-se perante ele. E a beleza e abundância das vinhas de ‘Ra’ seriam destruídas para sempre, se os Pedaços de ‘Osíris’ as não tivessem salvo. Ajudada por sua irmã Nephetys’, ‘Isis’ procurou todos esses pedaços. Navegou em pântanos, num barco feito de juncos, e conseguiu, por fim, encontrá-los um a um. Depois, numa ilha flutuante, juntou-os de novo. Quando o corpo de ‘Osíris’ voltou a formar-se, ‘Isis’ reanimou-o com a sua magia, praticando pela primeira vez os ritos do embalsamamento, que deram ao deus assassinado uma vida eterna. Uniu-se a ele e concebeu um filho póstumo. Então cessaram as guerras que os homens empreendiam; houve outra vez paz; os cereais, a vinha e as árvores de fruto tornaram a produzir abundantemente. Ressuscitado e sem estar sujeito a morte, ‘Osíris; a quem são dados cerca de cem nomes no “Livro dos Mortos’; poderia subir novamente ao trono e continuar a reinar entre os vivos, mas preferiu deixar a Terra e retirar-se para os “Campos Elíseos”, como “Juiz dos Mortos”; que através da sua justiça passavam a ter vida imortal. Era representado sob a forma de um homem envolto em ligaduras brancas, umas vezes de pé, outras, sentado no trono. O filho que ‘Isis’ teve de ‘Osíris’ chamou-se ‘Hórus’. ‘Nephetys’ e o sábio ‘Thot’, guardaram-no na ilha flutuante onde ele nascera. ‘Hórus’ cresceu e combateu o poder maligno de ‘Seth’ Venceu-o em combate e aprisionou-o e levou-o, acorrentado, à Isis; sua mãe. Ela, porém, não quis que o matassem: ‘Seth’ continuou a viver, mas passou a pertencer aos deuses inferiores, e o seu poder maléfico já não era tão grande como antes do nascimento de ‘Hórus; que foi gerado para vingar seu pai, o grande deus ‘Osíris’. AS CELEBRAÇÕES a OSÍRIS Na dramatização de iniciação egípcia, Osíris era representado pela imagem de um homem morto sendo ressuscitado em uma arca ou caixão, por uma procissão de iniciados; e isto era chamado “afanismo”, ou desaparecimento, e as lamentações formavam a primeira parte, ou Mistérios de Ísis. No terceiro dia depois do afanismo, o sacerdote e os iniciados conduziam o caixão, em que também era colocado um vaso dourado, até o rio Nilo. No vaso eles despejavam água do rio e então, com um grito de “Nós o achamos, regozijemo-nos”, proclamavam a morte de Osíris, que ele havia descido aos infernos e de lá havia retornado e por isso havia novamente retornado para a vida. As alegrias que daí resultavam, constituíam a segunda parte, ou os verdadeiros Mistérios de Osíris. As pesquisas nos últimos anos lançaram muita luz sobre os mistérios egípcios. Entre as cerimônias que eram praticadas pelos povos da antiguidade, uma delas chamou-se “Procissão dos Santuários”, que foi mencionada na pedra de Roseta, e também se encontrava pintada nas paredes do templo. Um desses santuários era uma arca, que era levada em procissão pelos sacerdotes, que a sustentavam sobre seus ombros através de anéis de metal com aduelas de passagem. Era assim que esse santuário era introduzido no templo e depositado em uma tribuna ou altar com as formalidades cerimoniais prescritas. O conteúdo das arcas era variado, mas sempre revestido de caráter místico. Ás vezes a arca talvez contivesse símbolos de vida e de estabilidade; noutras vezes, o besouro sagrado, o símbolo do sol e havia sempre uma representação de duas figuras da deusa Têmis, ou deusa da Verdade e da Justiça, que obscureciam a arca com suas asas. Essas coincidências das arcas egípcias com as arcas hebraicas são mais que uma simples questão de acidentalidade. A semelhança com a lenda do Terceiro Grau é prontamente vista, e seu simbolismo, por conseguinte, será facilmente compreendida. Osíris e Tífon, ou ‘Seth’, são símbolos dos dois princípios antagônicos – o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas, a Vida e a Morte. Osíris, como deidade egípcia, era adorado sob a forma de boi ou touro, personificando o poder do Bem e da Luz do Sol, unindo-se em história e em adoração formando uma tríade sagrada com Ísis, sua irmã-esposa, e Hórus, filho do divino casal. Alguns filósofos egípcios o consideravam como um deus do rio, e por isso o chamavam “Nilus”, mas a verdade é que Osíris representava o ser macho, os poderes ativos ou geradores de natureza, enquanto Ísis representava o ser fêmea, os poderes passivos ou prolíficos. Assim, quando Osíris era o Sol, Ísis era a Terra, um ser avivado por seus raios; quando ele era o Nilo, Ísis era a Terra do Egito, fertilizada pelo transbordamento daquele rio. Analisando isoladamente a Lenda de Osíris e comparando-a com o Pentateuco hebreu (velho testamento), notamos que há bastantes pontos em comum na cultura, costumes e religião. Sabemos que a cronologia do velho testamento não é confiável, especialmente o período entre a criação do homem bíblico (Adão) até a fuga do Egito. Sabemos também, que a civilização egípcia é bem mais antiga que a dos hebreus, mas não sabemos com pouca margem de erro quando a Lenda de Osíris foi introduzida na cultura Egípcia. Estima-se que tenha sido no chamado primeiro período a mais ou menos 3.500 anos a.C. portando, fica difícil saber qual dos dois (Pentateuco ou Lenda de Osíris), foi criado por primeiro ou qual tenha influenciado o outro. Podemos, no entanto, deduzir com segurança que: 1) A cultura hebraica foi altamente influenciada pela cultura egípcia. Quase copiada. Se na época do cativeiro dos hebreus no Egito, a Lenda de Osíris era corrente, o que parece realidade embora não comprovada, então, a hipótese de influência da Lenda sobre o Pentateuco é bastante provável e defendida pela maioria dos historiadores. 2) Apesar da pequena possibilidade, não é impossível que tanto os hebreus quanto os egípcios tenham conhecido lendas, mitos e costumes de algum povo mais antigo e ainda não identificado e que tenham influenciado paralelamente as duas culturas, cujos resultados são as semelhanças encontradas no Pentateuco e na Lenda de Osíris. Essa hipótese não é bem aceita. 3) As coincidências na Lenda e no Pentateuco podem ser fruto de interpretação e tradução “imaginativas” dos escritores da Lenda de Osíris, partindo de Plutarco, autor da mais antiga versão escrita da Lenda de Osíris e que certamente conhecia a Lenda da Criação judaica descrita no Pentateuco, quando escreveu a versão da lenda acima apresentada, considerada a mais confiável por volta de 50 a.C. Ao encerrar, observo algumas nuances que me intrigam, considerado a primeira hipótese de que a lenda tem mais de cinco mil anos e os hebreus herdaram a cultura dos egípcios nos anos de cativeiro: – A origem das asas nos anjos (seres divinos), cultuados hoje em algumas religiões teriam advindos de Ísis, a deusa que se transformava em pássaros (andorinha)? Ou talvez da deusa Têmis que obscureciam a arca com suas asas? – A Trindade católica: Pai, Filho e Espírito Santo, teria origem nessa lenda? Pai = Osíris, Filho = Hórus, Espirito Santo = Ísis. Note inclusive que na Igreja, o Espírito Santo é simbolizado por uma pomba. Coincidência? – Sabemos com certeza que ideia de usar arcas, inclusive com as argolas para transportar nas procissões, veio do Egito, conforme descrito na lenda. A Arca Sagrada possui as mesmas argolas para a mesma finalidade. Os anjos na tampa da Arca Sagrada seriam simulacros de Ísis, a deusa pássaro? Ou de Têmis – As procissões praticadas pela Igreja, tem origem nas procissões anuais descritas na Lenda? Uma coisa é certa. Desde aqueles antigos tempos, já valia o vulgo popular: “No mundo nada se cria, tudo se copia”