A “Conjuração Carioca”, “Inconfidência do Rio de Janeiro”, ou ainda “Inconfidência da Guanabara”, foi o nome pelo qual ficou conhecida a repressão a uma associação de intelectuais que se reuniam na cidade do Rio de Janeiro em 1794. Era uma Sociedade para a divulgação das idéias de liberdade, igualdade, fraternidade e republicanismo, ideais que já assolavam as mentes dos ilustrados que nela se reuniam. A Conjuração Carioca teve características parecidas como o movimento sufocado em Minas Gerais cinco anos antes, conhecido por “Inconfidência Mineira”. As Sociedades: da Científica à Literária e suas consequências Fundada desde 1771, sob o nome de Academia Científica do Rio de Janeiro, nela se discutiam assuntos filosóficos e políticos, à semelhança do que estava em voga na Europa. Em 1786, um grupo de intelectuais de fundamentação iluminista constituiu no Rio de Janeiro a Sociedade Literária, autorizados pelo vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa. Era o local no qual se poderia, a princípio, discutir os mais variados temas sem o perigo da repressão portuguesa. Pensadores os mais diversos e escritores debatiam sobre assuntos culturais e científicos, incorporando os princípios filosóficos e políticos da Revolução Francesa (1789), contra o Antigo Regime, e da Revolução Americana (1776), com sua proposta federativa e republicana. Neste último caso, havia um ideal pautado na autonomia regional, dentro do embate entre centralismo e descentralização que atingia a relação colonial daquele momento. Como o Rio de Janeiro era uma cidade de grande importância no contexto histórico de fins do século XVIII, sendo referência para a dimensão política e um pólo irradiador cultural (como o sul do Brasil e Recife), era natural que as novas ideias surgissem no espaço carioca. Para o historiador Evaldo Mello, é importante entender o papel, na história brasileira, do Nordeste, assim como as revoluções de 1817 e 1824, ambas em Pernambuco. Estas revoluções teriam delineado uma alternativa mais democrática para o Brasil do que a monarquia carioca e seu establishment. Havia certa influência, na fundação destas duas Sociedades, da Academia das Ciências de Lisboa, criada em 24 de dezembro de 1779, fruto de um esforço conjunto de alguns aristocratas ilustrados para fazer existir, em Portugal, uma academia científica e literária à altura das outras já existentes na Europa. Para tanto, contou com um nobre bastante viajado e membro da Royal Society, o marechal D. João Carlos de Bragança, (1719 -1806), o 2º Duque de Lafões, que foi seu primeiro presidente. Rômulo de Carvalho, quando se refere à Academia das Ciências, afirma que: Não se trata de uma contribuição meramente convencional com o simples intento de acompanhar o progresso cultural da época, mas uma intervenção consciente e ativa na vida nacional, procurando interessar e entusiasmar as mentalidades portuguesas na execução de um programa de elevação do país no âmbito das ciências e das técnicas. Os acontecimentos envolvendo a Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798) tornaram a discussão de assuntos políticos e de cunho ilustrado comprometedora aos olhos das autoridades coloniais. Em 1794, o novo vice-rei Conde de Rezende recebeu uma denúncia de que membros da Sociedade conspiravam contra as autoridades portuguesas e que mostravam simpatia pelas idéias republicanas. Antes das tais denúncias a Sociedade Literária foi fechada. Os seus participantes foram delatados em função de suas idéias inovadoras e pela suspeita, de envolvimento com grupos secretos e suas propostas, tendo então as atividades da sociedade sido suspensas. Os denunciados foram presos e acusados de fazerem críticas à religião vigente e ao governo, além de adotarem ideias de liberdade para a colônia, com propostas iluministas que vigoravam na Europa. Verificando-se alguns nomes dentre os inconfidentes cariocas de 1794 percebe-se que as idéias republicanas estavam, ou realmente puderam estar, nas pautas das reuniões que ocorriam todas as quintas-feiras, das oito às dez da noite. Entre os membros da Sociedade Literária estava o poeta e professor de Retórica, formado na Universidade de Coimbra, Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814), também secretário da Sociedade Literária e que foi figura de destaque. Vicente Gomes da Silva, botânico, o químico João Manso Pereira, o cirurgião Ildefonso José da Costa Abreu, ou ainda o professor de grego João Marques Pinto. Durante dois anos e meio, os implicados no movimento ficaram presos sendo depois libertados. Como também se pode notar pelos membros pertencentes, os mais variados assuntos era discutidos, das idéias de Rousseau a observação do eclipse total da lua em 1787, ou ainda a análise da água da cidade, o método de extrair a tinta do urucum e até os danos causados pelo alcoolismo. As reuniões prosseguiram reservadamente na residência de um dos implicados, e novas denúncias conduziram para a detenção, pelas autoridades, de um total de dez pessoas. Foi então aberto um processo de devassa, que se estendeu de 1794 a 1795, sem que fossem encontradas provas conclusivas de que uma conspiração se encontrava em curso, além de livros de circulação proibida. Desse modo, os implicados detidos foram libertados. Manuel Inácio da Silva Alvarenga é um dos bons exemplos das influências ideológicas que os membros destas Sociedades e, por conseqüência, da Conjuração Carioca, receberam. Ele fez parte do “Grupo de Montpellier”, tendo se graduado em 1791, e que segundo Salgado et al: Eram quinze estudantes (Tabela anexa) oriundos de várias partes do Brasil, notadamente da rica e ilustrada região das Minas Gerais, de onde enorme quantidade de ouro e diamante era exportada (vindo a ser a principal fonte de financiamento à Revolução Industrial, ocorrida a seguir na Europa). Envolveram-se em sucessivas conspirações, a primeira das quais foi denominada Inconfidência Mineira, ocorrida nas Minas Gerais e denunciada em 1789. Ocorreu também o movimento da Bahia, de 1788, a conspiração da Sociedade Literária, do Rio de Janeiro, de 1792 e a revolta de 1817, de Pernambuco. Mais tarde, com o Brasil já independente, mas sob regime imperial, participaram da sedição republicana denominada Confederação do Equador, abortada em Pernambuco, em 1824. Houve ligação de participantes dessa última com as lutas lideradas, no lado andino da América do Sul, por Simon Bolívar (1783-1830), contra o domínio espanhol. Ainda segundo Salgado et al, foi na Holanda o local no qual o iluminismo médico surgiu, sendo de conotação calvinista. Os ideais se irradiavam “… escola de Leyde, liderada pelo clínico Herman Boerhaave (1668-1738), uma espécie de Hipócrates da ilustração, que influiu em toda a medicina ocidental”. O autodidata João Manso Pereira também vale ser ressaltado, pois era grande conhecedor das ciências, em especial da química nascente, da mineralogia, dando assim, respaldo científico ao ideário filosófico da Sociedade. As ciências eram uma forma de o iluminismo colocar a razão frente aos dogmatismos da política e, em especial, os religiosos. João Manso “era simultaneamente metalúrgico, ceramista, mineralogista e naturalista, além de professor de latim, grego e hebraico, dominando, portanto as “duas artes do fogo”, como as designou Lévi-Strauss: a metalurgia e a cerâmica, estreitamente ligadas “, Com o Renascimento floresceu um novo sistema de pensamento e uma nova concepção de cosmos. O mecanicismo impôs uma nova concepção de universo, ceifando um dos pilares da alquimia, a teoria das correspondências. (…) o vitalismo da alquimia perdeu terreno para o mecanicismo que prenunciava a construção de um novo pensamento científico. É reconhecida academicamente a importância das Academias no Brasil e no mundo intelectual nos séculos XVII e XVIII. Tais agremiações proporcionaram uma espécie de atmosfera cultural e intelectual, principalmente quando imbuídas do espírito ilustrado. No caso do Brasil, contribuíram para trazer à tona sentimentos regionalistas, apesar das poucas provas concretas de uma “Conspiração” contra todos os acusados. BIBLIOGRAFIA – MELLO, E.C. Rubro Veio. O imaginário da Restauração pernambucana. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 127. – CARVALHO, R.. Actividades Científicas em Portugal no século XVIII. Évora: Universidade de Évora, 1996, p.3. – LUCAS, F. Luzes e trevas nos setecentos. In: PEREIRA DA SILVA, J. (org.). Autos da Devassa. Prisão dos Letrados do Rio de Janeiro, 1794. Rio de Janeiro: eduerj, 2ª edição, 2002, p. 7-38. Cf. Conjuração Carioca, sítio www.multirio.rj.gov.br, acesso em 08 de novembro de 2013. – HERSON, B. Cristãos-novos e seus descendentes na medicina brasileira (1500-1850). São Paulo: Edusp, 2ª edição, 2003, p. 248. – SALGADO, J.V., GUSMÃO, S., KAHN, J.L., MAITROT, D. Brasileiros estudantes de medicina em Montpellier no século XVIII. Revista on line da Sociedade Brasileira de História da Medicina. Sítio: http://www.sbhm.org.br/index.asp?p=noticias&codigo=91, acessado em 07 de novembro de 2013. Idem, SALGADO et al., s/p. – LIMA, T.A., SILVA, M.N. Alquimia, Ocultismo, Maçonaria: o ouro e o simbolismo hermético dos cadinhos (Séculos XVIII e XIX). An. mus. paul., São Paulo, v. 8-9, n. 1, 2001, p. 19. Sítio – SCIELO http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142001000100002&lng=en&nrm=iso, acesso em 08 de novembro de 2013. Idem, LIMA, T.A., SILVA, M.N., 2001, p. 27. Leave a ReplyYour email address will not be published.CommentName* Email* Website Salvar meus dados neste navegador para a próxima vez que eu comentar. Δ