Infinitas são as interpretações apresentadas na literatura maçônica sobre o Salmo 133 e não ouso aqui tentar citar alguns exemplos, pois não saberia por onde começar.

Em primeiro lugar, há que se registrar que essa não é a leitura original de Aprendiz no REAA (RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO). Era adotado a leitura bíblica contida em “João 1:1-5″ – [(1) No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. (2) Ele estava no princípio com Deus. (3) Todas as coisas foram feitas por ELE, e sem ELE nada do que foi feito se fez. (4) Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. (5) E a luz resplandece* nas trevas, e as trevas não a compreenderam.].

O Saltério* abriga Salmos de quatro categorias literárias: Salmos de Louvor, de Ação de Graças, de Lamentação e Súplica e Salmos Sapienciais. Entre esses últimos, encontra-se o Salmo 133, objeto deste trabalho.

Há dois critérios para a distinção de um salmo sapiencial*: o estilístico e o temático.
É sapiencial o salmo que induz à reflexão, que traz preceitos*, comparações e ilustrações tomadas da natureza, perguntas retóricas e advertências. Já os critérios temáticos caracterizam-se pelo estudo das Leis Divinas como fonte de bênção e felicidade; a meditação dos mistérios da fé, a confiança pessoal em Deus, o valor da Justiça como sinônimo de vida espiritual e, sobretudo, o homem justo como modelo de imitação e a antítese* entre justos e ímpios*.
Geralmente, o Salmo 133 era utilizado apenas em iniciações.

Passou-se a adotar o Salmo 133 no Brasil após 1927, e de forma mais predominante entre as décadas de 40 e 50, por influência da Maçonaria Americana (GLS) e Inglesa (GOB). Por sinal, a passagem de João tinha mais relação com o Grau de Aprendiz do que o Salmo 133, pois trata de trevas e luz.

A tradução dos salmos para o português e outros idiomas modernos apresentam muitas vezes divergências entre o texto original e, não raramente, divergências entre uma tradução e outra no mesmo idioma. Até mesmo a numeração dos Salmos podem apresentar divergências entre as várias versões impressas da Bíblia. Todavia, o sentido almejado pelos autores é mantido em todas as versões e os Salmos mantém seu valor sugestivo e inspiratório, de fácil e profunda ressonância na alma humana e cristã, tão necessitada de converter em oração e sua conturbada experiência no mundo atual. O Salmo 133 não escapou dessas divergências. Em algumas versões, ele nos é apresentado como 132. Suas palavras sofrem pequenas alterações semânticas*, como “viver” e “habitar” em união e outras diferenças que não são o objeto deste estudo.

ELEMENTOS PRIMORDIAIS PARA O ENTENDIMENTO DO SALMO
Para compreender o real significado do Salmo, deve-se conhecer os elementos que o compõe:

SALMO: é uma composição poética em que as palavras e as ideias têm ritmo. São mais conhecidas as composições religiosas, entoadas como hinos de exaltação à fé. Os antigos hebreus usavam cantá-los nas cerimônias, acompanhados de instrumentos musicais de cordas ou sopro.

DAVI: tem-se o Rei Davi como autor do Salmo 133. O Rei Davi (viveu provavelmente entre 1015 a 975 a.C.) era tido como o grande cantor dos cânticos de Israel e autor de vários Salmos.

ÓLEO: o óleo era utilizado na cerimônia de unção dos Reis e Sumos Sacerdotes. Esses eram ungidos com um óleo especial, o qual era derramado sobre suas cabeças, e dessa forma, eram considerados “purificados” e “sagrados” para exercer suas funções.

HERMON: montanha considerada sagrada pelos judeus e chamada pelos árabes de “montanha nevada”. Localizada ao norte de Israel, marca a divisão geográfica entre Israel, Líbano e Síria. Pela sua altitude (mais de 2.800 metros), seu cume está sempre coberto de neve, o que gera um orvalho que literalmente “rega” toda a região ao seu redor, sendo por isso a região mais fértil de Israel.

MONTES DE SIÃO: ao contrário do que alguns possam pensar Sião não é Hermon. Ambos os pontos são extremidades de Israel, sendo Hermon a extremidade Norte e Sião a extremidade Sul. Sião foi o local escolhido pelos judeus para servir de sede, sendo a região onde se encontra Jerusalém (daí a origem do termo “sionista”). Após Sião, o que se vê é o deserto.

AARÃO: irmão mais velho de Moisés e primeiro Sumo Sacerdote de Israel, através do qual se originou a linhagem de Sumos Sacerdotes. Aarão era o porta-voz de Moisés (que possuía problemas de dicção, provavelmente gago ou fanho) e servia de Orador dos judeus junto ao Faraó. Na tradição judaica, Aarão participou do episódio do bezerro de ouro, porém, na tradição árabe ele não teve tal participação.

SALMO 133
“Oh, quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união. É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Aarão, e que desce à orla das suas vestes. Como o orvalho de Hermon, que desce sobre os montes de Sião, porque ali o Senhor ordena a bênção e a vida para sempre”.

Conhecendo os elementos, pode-se compreender melhor a mensagem:
Os Irmãos que Davi se refere são provavelmente, o povo de Israel, divididos em suas tribos e espalhados entre Hermon e Sião (limites de Israel), mas todos vivendo em união. Davi relembra, então, a unção de Aarão como o primeiro Sumo Sacerdote de Israel, momento que selou o compromisso entre o povo de Israel e seu Deus. Dali nasceu a nação que Davi representava e defendia. O óleo precioso que ungiu Aarão foi derramado em sua cabeça e desceu pela sua barba, espalhando-se para as extremidades de sua roupa. Tal unção, que abençoava Israel, podia ser vista também em sua terra: a neve do cume de Hermon transforma-se em orvalho, que desce o monte e se transforma em um ribeirão, Banias, o qual desagua no Rio Jordão, esse que liga Hermon até a outra extremidade de Israel, os Montes de Sião, antes de desaguar no Mar Morto.

Todas as tribos de Israel estavam espalhadas de Hermon a Sião, sempre próximos às margens do Rio Jordão. “Jordão” significa exatamente isso, “que desce”. O Rio Jordão, alimentado pelo orvalho de Hermon, desce até a extremidade sul de Israel, Sião, distribuindo suas bênçãos, assim como o óleo precioso que desce da cabeça de Aarão até a orla de suas vestes.

Por fim, Davi afirma que, Sião (Jerusalém) é “ungido” pelas águas que vem de Hermon porque foi o lugar escolhido por Deus para que o povo judeu habite eternamente conforme suas bênçãos.

Com esse Salmo, Davi disse ao seu povo que eles deviam permanecer unidos e obedientes às ordens vindas de Sião, pois essa era a vontade de Deus desde a unção de Aarão, comprovada pela benção da água, que sai do alto de um monte e percorre 190Km de distância, derramando bênçãos por onde passa, até chegar a Sião.
É muito claro o motivo das palavras de Davi: ele era apenas o segundo rei de Israel, uma nação recente, ainda desestruturada, com muitas dificuldades, dividida em muitas tribos e sujeita a muitas ameaças. Ele precisava manter um discurso de unidade e esperança. Mas, pelo jeito, os ritualistas ingleses e em seguida os americanos, desconsideraram esse contexto histórico e adotaram o Salmo 133 por conta das palavras “irmãos” e “união”.

De sua simples leitura, destacamos suas características de salmo sapiencial. No estilo, destacam-se duas comparações: viver em união é comparável ao óleo precioso sobre a cabeça de Aarão e é também comparável ao orvalho de Hermom. O próprio orvalho bíblico é comparado com a benção divina e a vida eterna.
No aspecto temático, percebemos que o homem justo e fraterno receberá a retribuição divina, na forma de benção e vida para sempre. Dissemos no início deste trabalho que nos salmos as palavras e as idéias têm ritmo e, neste aspecto, o Salmo 133 se revela um salmo clássico. As idéias nele contidas dão voltas, fechando o círculo como uma idéia que valsa durante a leitura. O óleo precioso desce sobre a barba e desce à orla das vestes de Aarão. O orvalho desce sobre os montes de Sião e tudo se compara à união entre irmãos e recebe, como retribuição, a benção divina e a vida para sempre.

Grande era a alegria de Aarão de untar-se do óleo precioso, elaborado segundo receita prescrita pelo próprio Senhor. Aarão se ungia sem parcimônia*, deixando que o óleo precioso escorresse pelas barbas e chegasse às orlas de suas vestes, transparecendo a alegria de comparecer diante do Senhor.
O orvalho de Hermom, de que nos fala o Salmo 133 era o maná divino, que alimentou os israelitas durante toda a caminhada descrita no Livro do Êxodo. Era a retribuição de Deus àqueles que lhe devotavam fé. Assim se fecham as idéias do Salmo 133, rico em comparações sapienciais. Não temos o desafio da caminhada no deserto rumo à terra prometida, como o tiveram os israelitas. Enfrentamos o desafio diário da violência, da ira, da descrença. Para vencê-los, precisamos tão somente da união, da vida em fraternidade entre irmãos. Praticar a fraternidade é como receber o maná divino em todas as manhãs, é como ungir-se do óleo precioso. A lição do Salmo 133 assim se resume: praticar a fraternidade é estar preparado para comparecer diante do Senhor e a retribuição será a benção de Deus e a vida eterna.

CITAÇÕES BÍBLICAS
REFERENTES AO SALMO 133
Apesar de breve, o Salmo 133 é riquíssimo em referências bíblicas.

ÊXODO – 16: Os hebreus censuravam Moisés, diante da fome e agruras* da caminhada no deserto. “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor do Egito, quando sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Trouxestes-nos ao deserto para matar de fome toda esta gente. Eram dias críticos, em que os hebreus passavam por forte provação. Já haviam caminhado 75 dias, sem reservas suficientes para alimentar toda aquela massa de fiéis. Foi então que o Senhor falou a Moisés: “Eu ouvi as reclamações dos israelitas. Dizei-lhes: Ao anoitecer comereis carne, e amanhã cedo vos fartareis de pão. Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus”. Como haveria meios de prover pão a toda aquela gente? A ação divina cuidaria disso. “Pela manhã formou-se uma camada de orvalho ao redor do acampamento. Quando o orvalho evaporou, na superfície do deserto apareceram pequenos flocos, como cristais de gelo sobre a terra. Ao verem, os israelitas perguntavam-se uns aos outros:” “Que é isto?”, pois não sabiam o que era.

ÊXODO – 28: Apenas Aarão, o irmão do patriarca Moisés, tinha acesso ao Senhor perante a Arca da Aliança. “Mandarás fazer vestes litúrgicas para teu irmão Aarão, em sinal de honra e distinção”, diz o Senhor.

ÊXODO – 30: Para prostrar-se diante do Senhor, Aarão deveria estar ungido por um óleo precioso. “O Senhor falou a Moisés, dizendo:” “Pega aromas de primeira qualidade: cinco quilos de mirra virgem, dois quilos e meio de cinamomo aromático, dois quilos de meio de cana aromática, cinco quilos de cássia, segundo o peso do santuário, e nove quilos de azeite de olivas. Farás disto um óleo para a unção sagrada.”

Glossário:

– AGRURA: 1) Acidez, azedume; 2) fig.: Situação difícil, empecilho, obstáculo; 3) fig.: Padecimento físico ou espiritual, aflição, insatisfação.
– ANTÍTESE: 1) Ideia que é o oposto de uma outra ideia, contradição; 2) Figura de retórica que opões duas ideias ou palavras de ideias de sentido contrário.
– CINAMOMO: Nome comum a árvores e arbustos tropicais, aromáticos, muitos cultivados pelas cascas de que se extraem aromatizantes, essências e substâncias medicinais como, por exemplo, a canela e a canforeira.
– ÍMPIO: 1) Que / Quem não tem fé ou que / quem tem desprezo pela religião; 2) Que / Quem ofende o que merece respeito; 3) Que demonstra impiedade.
– MANÁ: 1) Alimento que, segundo a Bíblia, foi miraculosamente (milagrosamente / fora do comum) fornecido aos Hebreus em sua travessia do deserto; 2) Alimento delicioso; 3) Alimento espiritual de origem divina; o que consola a alma.
– PARCIMÔNIA: 1) Ação ou hábito de fazer economia; 2) Moderação, temperança.
– PRECEITO: 1) Regra de procedimentos, norma; 2) Aquilo que se ensina, lição; 3) Ordem, determinação, instrução, tratado, recomendação, mandamento.
– RESPLANDECER: 1) Brilhar intensamente, fulgurar, esplandecer; 2) Ser notável, sobressair, destacar-se.
– SALTÉRIO: 1) Tipo de instrumento de cordas dedilháveis, como a harpa; 2) Instrumento medieval de cordas pinçadas ou tocadas com palheta, com diferentes formatos.
– SAPIÊNCIA: Grande acervo de conhecimentos das coisas divinas e humanas; sabedoria; erudição.
– SEMÂNTICA: Ramo da linguística que estuda a evolução e as alterações sofridas pelo significado das palavras no tempo e no espaço.

Bibliografia:

– http://www.noesquadro.com.br/2011/02/entendendo-o-salmo-133.html#sthash.MUL4lKkP.dpuf
– https://www.bibliaonline.com.br/acf/jo/1
– http://www.revistauniversomaconico.com.br/forum-livre/o-salmo-133/
– Dicionário Houaiss Conciso / Instituto Antônio Houaiss, organizador; [editor responsável Mauro de Salles Villar], – São Paulo: Moderna, 2011.

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ARLS Fraternidade e Luz nº 3602

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