1. Introdução Após a devida sequência ritualística na abertura dos trabalhos, o Ven∴ M∴ declara a abertura da Loja com a seguinte expressão: “À Glória do Gr∴Arq∴ do Univ∴ e de São João, nosso Padroeiro, está aberta a Loja no Grau de Apr∴ Maç∴ (…)”. Em que pese à expressão constar no singular, inúmeras são as opiniões atribuindo o título de padroeiro a São João Batista e São João Evangelista, e muitas outras opiniões, de padroeiro a uma estratégia de atuação da Ordem nos tempos da Inquisição permitindo um rótulo religioso de conciliação dos Santos do dia com os solstícios de inverno e verão. Diante da controvérsia que trata o gênese de ser ou não padroeiro, poucos discutem o importante significado de elevar Glória a São João na abertura dos trabalhos. Partindo dessas breves reflexões, e considerando a passagem pelo dia 24 de junho de 2017, dia de São João, o presente trabalho tem por objetivo apresentar tais controvérsias e refletir sobre o papel de São João como padroeiro da Maçonaria. 2. São João Batista e Evangelista: breve histórico Sobre São João Batista, Santidrían e Astruga (2004:116-117) informam: Conhecido como o “precursor” de Cristo. (…) Filho de Zacarias, sacerdote do Templo, e de Isabel, prima de Maria, a Mãe de Jesus. Nasceu milagrosamente, quando seus pais eram já idosos. Nada sabemos de sua infância e adolescência, até que começou a pregar e batizar próximo do ano 27 de nossa era. (…) O evangelho descreve com traços fortes e sóbrios seu estilo de vida e pregação. Parece o retrato vivo dos profetas do Antigo Testamento (AT): alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre, vestia uma pele de camelo e pregava o arrependimento e a preparação para a vinda do Messias e de seu reinado. (…) Cumprindo sua missão de profeta, denunciou a união incestuosa de Herodes Antipas com sua sobrinha Herodíades, mulher de seu irmão. O ódio de uma e a debilidade do outro se combinaram para que Salomê, filha de Herodíades, a pedido de sua mãe, exigisse a cabeça de João depois de haver dançado na frente do rei. (…) Nada sabemos com certeza sobre suas relíquias. Várias tradições as situam em Sebaste (Samaria) onde lhe era rendido culto já no século IV. A festa de seu nascimento vem sendo celebrado ininterruptamente desde o século IV no dia 24 de junho, tanto no Oriente como no Ocidente. (…) A festa de sua decapitação ou morte celebra-se a 29 de agosto. Em relação a São João Apóstolo e Evangelista, Santidrían e Astruga (2004:115), relatam: (…) foi filho de Zebedeu, pescador de Betsaida (Mc 1,20) e de Salomé, uma das mulheres a serviço de Jesus (Mc 15,40; Mt 27,56). Provável discípulo de João Batista (Jo 1,39) passou a seguir Jesus com André, irmão de Pedro, para converter-se em um dos discípulos prediletos: “Aquele a quem Jesus amava”, diz-nos ele mesmo. (…) Participou nos fatos e mistérios mais significativos da vida de Jesus: ressurreição da filha de Jairo, a transfiguração e agonia de Jesus em Getsêmani (Mc 5,37; 9,2; 14,33) e a crucifixão (Jo 19,26). (…) As fontes da tradição o veem em Antioquia e posteriormente em Éfeso com Maria, a Mãe de Jesus. Outra tradição o situa em Roma, sofrendo a prova do azeite fervendo. Finalmente continuando a tradição, teria sido recolhido na ilha de Patmos, onde teve as visões do Apocalipse com o que se encerra o Novo Testamento (NT). Sua morte aconteceu nos finais do século I, no reinado de Trajano. A presença do evangelista no NT é decisiva. A ele se atribuem três cartas das chamadas católicas, o Apocalipse e o 4º Evangelho. João transmite-nos a mensagem fundamental de Cristo: “Amai-vos uns aos outros… É o mandamento do Senhor; se ele é praticado, é o que basta”. Patrono dos teólogos. Seu símbolo, a águia. Festa, 27 de dezembro. Com isso, destaca-se que São João Batista tem como marca a pregação pelo ‘arrependimento e a preparação para a vinda do Messias’, sofrendo o martírio pela sua postura de combater a qualquer custo a ignorância e/ou as mazelas morais daquela época. Já São João Evangelista, discípulo e apóstolo de Cristo, têm como principais marcas a sua produção teológica e a propagação do amor fraternal repetindo em seu apostolado a mensagem deixada por Jesus. 3. Opiniões e controvérsias sobre o tema Na visão do Ir∴ Ismail (2012:23): Acredita-se que, assim como os romanos observavam o solstício de inverno em homenagem ao deus Saturno, posteriormente chamado de Sol Invencível, esse costume também era observado pelas Guildas Romanas, os antigos Colégios e Corporações de Artífices, que nada mais eram do que a Maçonaria Operativa. Esse costume permaneceu intacto até o surgimento da Maçonaria Especulativa, que tratou de não descartá-lo. Porém, há fortes indícios de que a Maçonaria Especulativa, formada por europeus de predominância cristã, e preocupados com a imagem da Maçonaria perante a “Santa Inquisição”, aproveitou a feliz coincidência de as datas comemorativas de São João Batista (24/06) e São João Evangelista (27/12) serem muito próximas aos solstícios para relacioná-las a observância dos mesmos, com os santos de nome João e assim protegerem a instituição e sua observação dos solstícios da ignorância, tirania e fanatismo. Aprofundando a relação com os solstícios, acrescenta o Ir∴ Conte (2011: 74-75): Concluindo, é líquido e certo que João Batista não era cristão, por uma razão simples e lógica: ele é anterior ao Cristianismo e já pregava e batizava no deserto quando reencontrou Jesus. Podemos afirmar com toda a certeza que o seu batismo (iniciação) é gnóstico, assim como gnósticas deveriam ser as suas crenças. (…) A Gnose é uma Tradição de Mistérios centrada no Culto Solar e nos Grandes Ciclos da Natureza (lunações, estações do ano, solstícios, equinócios) e é interessante observar que todos esses fenômenos estão relacionados à variação da intensidade de Luz e de Trevas, que são dois conceitos fundamentais da filosofia maçônica e de suas iniciações. Acrescente-se a isso que, tanto as religiões da Grécia antiga como as de Roma, ambas incorporavam em suas tradições o culto solar e os ciclos cósmicos da natureza, representados pelo deus Janus Bifronte, aquele que tem duas faces (bifronte), susceptível de inúmeras interpretações esotéricas (…). Durante os três primeiros séculos da era cristã, conviveram cristãos e gnósticos, cada qual com suas crenças e costumes. Os gnósticos comemorando ritualisticamente, em cerimônias públicas e campestres, a chegada do Inverno e do Verão, a Sagração da Primavera e do Outono, as Fases Lunares… O Cristianismo, minoritário no início, foi crescendo em número de adeptos e em poder político e, assim, chegamos ao ano de 312, quando Constantino subiu ao trono do Império Romano e adotou o Cristianismo como “religião oficial”. Os cristãos de “perseguidos” passaram então a “perseguidores” e, durante mais de mil anos, acenderam-se as fogueiras da Inquisição. Os gnósticos recolheram-se à clandestinidade. A “nova Fé” procurou descaracterizar as crenças e costumes gnósticos, substituindo as Sagrações Solsticiais e outras por festejo em honra dos “Santos” da Igreja: São João Batista e São João Evangelista, entre eles. Já o Ir∴ Braga (2012:06) indica: A introdução do nome de São João como membro honorário da Maçonaria ou como patrono ou padroeiro, é recente, e alguns chegam a dizer que tenha acontecido próximo à fundação da Grande Loja da Inglaterra, em 1717, no dia 24 de junho, dedicado a São João Batista. Este seria, talvez, o único motivo de o considerarem como Padroeiro da Maçonaria. (…) A história nos diz que a Maçonaria como conhecemos hoje, é resultado da reestruturação da Maçonaria Operativa, inicialmente religiosa e católica. Era costume dedicar patronos às Corporações de Ofício (Maçonaria Operativa). Talvez tenha sido adotado o nome de São João por uma dessas Corporações, estendendo, em seguida, à Maçonaria Especulativa. E ainda, para Oswald Wirth, citado por Boucher (2015: 100-101): (…) não há nenhuma dúvida: essa expressão “Loja de São João” deriva do título usado, durante a Idade Média, pelas corporações de construtores: “Confrarias de São João”. Ora, são conhecidos como patronos dos maçons e dos canteiros os seguintes santos: São Brás, São Tomás, São Luis, São Gregório, Santo Alpiniano, São Marinho, São Martinho, Santo Estevão, Santa Bárbara, os Quadro Coroados e outros ainda talvez, assim como nas festas de Ascensão e da Assunção. São João não é mencionado. As festas de São João Evangelista e de São João Batista – a primeira celebrada em 27 de dezembro, no solstício de inverno, e a segunda a 24 de junho, no solstício de verão – são celebradas pela Maçonaria em assembleias especiais. Não se sabe, de forma precisa, qual o santo que a Maçonaria honra sob o nome de São João. Esses dois santos, contudo, são muito importantes, seja do ponto de vista da localização de sua festa no calendário, seja sob o ponto de vista da simbólica maçônica. Já o saudoso Ir∴ Camino (2011:110) opina enfatizando: A alma da Maçonaria é a dedicação que os Irmãos oferecem uns aos outros. O amor fraterno é a luz que ilumina a Loja, e por isso São João passou a ser considerado o patrono da Maçonaria, evidentemente sem o cunho vulgar que as pessoas imprimem aos santos em busca de proteção vinda dos Céus. Por derradeiro, apresenta-se novamente a visão do Ir∴ Conte (2011:75): A Maçonaria é a herdeira das Tradições Gnósticas, embora muitos maçons não o admitam e a maioria sequer o saiba, pois esse conhecimento se perdeu para sempre em 1720, três anos após a fundação da Grande Loja de Londres, quando Jorge Payne, eleito Grão Mestre pela segunda vez, manda queimar os antigos manuscritos da Maçonaria, destruindo todos os vestígios de sua fase anterior, que não era tão “operativa” quanto supõe a nossa vã filosofia. Finalizando, pode-se concluir que o nosso Padroeiro tanto pode ser um como o outro São João e que isso não faz diferença alguma. O que realmente importa, e é bastante significativo, é o fato de que a maioria das Lojas continua a comemorar o Solstício de Inverno e o de Verão, embora poucos maçons compreendam por quê. O grandioso conjunto de opiniões até aqui apresentado estende por um lado um manto de dúvidas, e por outro a certeza de que pouco se fala do significado do padroeiro, e ambos os temas serão abordados no item seguinte. 4. Refletindo para descomplicar Para iniciar as reflexões, acerca do conceito de ‘padroeiro’, o Ir∴ Braga (2012:05) conceitua: Padroeiro é um título que pode ser dado por uma comunidade a um homem a quem quer homenagear por bons serviços a ela prestados, ou por uma causa considerada por ela relevante e nobre. Em sentido figurativo, padroeiro tem o significado de padrão, modelo, que deve ser imitado ou copiado por outras pessoas. Assim, alguém, que tenha vivido exemplarmente, merece ser imitado ou copiado por outros. Nesse sentido, é possível inferir que tanto São João Batista quanto São João Evangelista prestaram grandes serviços à humanidade, podendo ser homenageados como padroeiros de inúmeras instituições que assim o desejarem. São João Batista, além de suas pregações, deixou o legado do total desprendimento e humildade, pois tinha consciência da sua pequenez e finitude diante de Jesus, motivo pelo qual disse “eu devo diminuir para que Ele cresça”. Nos dias atuais, será que a vaidade e a ambição permitiriam tal comportamento? São João Evangelista, mostrou a dedicação paciente e dolorosa de uma vida inteira à plenitude do evangelho. Nos dias atuais, a relatividade e o modismo tentam corrompem os compromissos e juramentos a todo instante. Quantos permaneceriam fiéis na fé vendo toda perseguição contra os Cristãos? Quantos não migrariam para Gnosticismo, Mitraismo e outras religiões, seitas e denominações da época? Antecipadamente, a Maçonaria possui uma imensa responsabilidade ao ter um dos dois ou os dois como padroeiros, pois os membros dessa Augusta Ordem devem agir em total semelhança com os seus ensinamentos e exemplos. Bem, já se identificou o quão importantes foram esses dois Santos. Agora, não há como ignorar que o ritual prevê claramente no singular ‘São João nosso padroeiro’ e não no plural. Diante disso, apresentado esse mosaico de opiniões, acredita-se que algumas conclusões podem ser obtidas. São elas: – a homenagem e/ou culto aos solstícios e equinócios é uma prática existente antes do Cristianismo; – sendo razoável que o Cristianismo, mais propriamente o Catolicismo, tenha dado uma nova roupagem às datas citadas com a homenagem aos Santos do dia. Nos dias atuais assistimos a mão invisível do capitalismo fazendo o mesmo sufocando datas religiosas com datas meramente comerciais; – logo, é plenamente aceitável que os solstícios tenham se transformado nas datas memoriais de São João Batista e Evangelista. Daí, a cultura Cristã celebrará esses Santos, enquanto outras culturas estarão homenageando os costumes mais antigos; A partir dessas breves considerações, a complexidade, polêmica e controvérsia perdem seu véu, restando à decisão da maçonaria homenagear no dia 24 de junho o seu padroeiro, São João Batista, o santo do dia. Sem diminuir o significativo exemplo de São João Evangelista, não há registro de qualquer atividade maçônica no dia 27 de dezembro que pudesse combinar o solstício de verão ou outra homenagem. Vale lembrar que essa data também se encontra em período conhecido amplamente como de férias maçônicas. Ainda seguindo as águas cristalinas da simplicidade, a opinião citada anteriormente da homenagem a São João Batista ter surgido pela data de fundação da Grande Loja da Inglaterra, é a mais razoável das possibilidades, tendo em vista que a memória desse Santo já ocorria desde o século IV e a fundação da Grande Loja ocorreu no século XVIII. Uma grata coincidência de data, uma providência Iluminada para uma instituição como a Maçonaria jamais olhar pelo retrovisor e ignorar o exemplo do profeta e santo (São João Batista, salvo engano, o único), aquele que uniu o antigo ao novo testamento. Isto é, sem falar que o punhal da verdade poderá romper as cortinas da história e revelar (ou confirmar) um dia sua relação com o gnosticismo tornando ainda mais providencial sua posição diante da Ordem. Do contrário, se não fosse pela data, quantos exemplos de santos poderiam relacionados para serem acolhidos como padroeiro na Maçonaria? Que tal pensar em São Francisco de Assis ou São José de Anchieta ou Santo Agostinho? 5. Considerações Finais O presente trabalho teve por objetivo apresentar algumas das inúmeras controvérsias acerca da existência ou não de padroeiro na Maçonaria e uma vez existindo, se são dois ou apenas um São João. Nesse aspecto causou grande surpresa perceber que pouca é a unanimidade a respeito do tema entre diversos autores. Num segundo momento, porém não menos importante, procurou-se refletir sobre a importância do padroeiro e ainda, diante do caso estudado, ousar contribuir sobre a polêmica controvérsia de se adotar São João Batista ou Evangelista. Nesse aspecto, independente das importantes contribuições que cada um deles deixou, prevaleceu o pragmatismo a partir da interpretação do ritual em sua singularidade, logo, homenageando São João Batista como padroeiro da Maçonaria, o Santo homenageado em 24 de junho. Obviamente, esse breve estudo não esgota o tema e possivelmente outras versões, fatos e dados poderão alterar a presente conclusão. Não se pode olvidar o passado esotérico da Maçonaria, porém pior que o acidental esquecimento pode ser a distorção daquilo (fato histórico) que não foi dado ao conhecimento. Até lá, que o exemplo de vigor, humildade e desapego de São João Batista seja Luz e Guia nos nossos trabalhos. Referências – BOUCHER, J. A simbólica maçônica ou a arte real reeditada e corrigida de acordo com as regras da simbólica esotérica e tradicional. 2ª Ed. São Paulo, Pensamento, 2015. – BRAGA, A. São João. Arte real revista maçônica, Várzea Grande-MT, v.6, n.1, p.5-7, jul/ago. 2012. -CAMINO, R. Simbolismo do primeiro grau: aprendiz. 5ª Ed. São Paulo, 2011. – CONTE, C. B. A doutrina maçônica: síntese de suas origens, história, filosofia, ritos, símbolos e ações: um livro guia para aprendizes, companheiros e mestres maçons. 2ª Ed. São Paulo: Madras, 2011. – GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Ritual: rito escocês antigo e aceito. São Paulo: Editora Grande Oriente do Brasil, 2009. – ISMAIL, K. Desmistificando a maçonaria. São Paulo: Universo dos livros, 2012. – SANTRIDÍAN, P. R. ASTRUGA, M. C. Dicionário dos santos. Aparecida-SP: Editora Santuário, 2004. 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