Em função da pluralidade temática relacionada às suas concepções de ensino, e em decorrência da multiplicidade de interpretações e linhas de pesquisa que caracteriza uma Ordem formada por livres pensadores, a Maçonaria possui em seus vários graus diversos tópicos que, ao serem postos em pauta, não raras vezes se revelam propensos a causar polêmica. Em geral, por não poderem ser minuciosamente avaliados pelas vias científicas vigentes e por envolverem as crenças íntimas e as experiências subjetivas de cada um, os temas de natureza esotérica são comumente pré-dispostos à controvérsia, e a Teurgia não é exceção, muito embora procuraremos demonstrar ao longo desta breve peça de arquitetura que o aspecto teúrgico da Maçonaria em nada contradiz quaisquer outros aspectos da Sublime Ordem – mas ao contrário, reafirma seus princípios mais básicos – e que grande parte da resistência que alguns irmãos têm em relação a esta temática decorre provavelmente da pouca clareza geralmente atribuída aos jargões esotéricos e que, por isso mesmo, são passíveis de confusão.

De acordo com Edward Garstin, Teurgia “significa A Ciência ou Arte das Obras Divinas, e é o mesmo que Anagogia ou Trabalho de Aperfeiçoamento. Em Alquimia isto é chamado de Grande Obra, que é a purificação e exaltação da natureza inferior através da aplicação correta dos princípios científicos, de modo que possam se tornar unidos com os seus homólogos superiores, através do qual o indivíduo pode alcançar o Espiritual, e finalmente, a Consciência Divina”.

Autores de obras consagradas dentro do estudo esotérico, como Israel Regardie e Dion Fortune, além de maçons como Eliphas Levi e Papus, com frequência relacionam semanticamente a Teurgia, não só com o Hermetismo, com a Alquimia – onde além de Grande Obra, costuma receber ainda a designação de Arte Real, ambas as expressões de uso corrente na literatura maçônica – mas também com a Magia, provavelmente residindo nesta última conexão o principal foco de mal entendidos concernentes ao tema, uma vez que o senso comum e os preconceitos do mundo profano ordinariamente tratam o termo “magia” como sinônimo de feitiçaria, bruxaria, fenômenos paranormais e toda uma gama de sortilégios escusos. Todavia, é do conhecimento de todos os irmãos que a “Maçonaria combate a ignorância em todas as suas formas”, inclusive a superstição, “que é um falso culto, mal compreendido, repleto de mentiras, contrário à razão e às sãs ideias que se deve fazer de Deus”. Ou seja, nenhum maçom minimamente consciente do verdadeiro papel de nossa Augusta Ordem poderia defender essa concepção vulgar e pejorativa de magia. O aspecto magnético da Teurgia é algo mais simples, porém, imensamente mais nobre e digno de respeito por parte dos homens livres e de bons costumes.

Israel Regardie considera muito pertinente a definição de magia apresentada por Havelock Ellis, onde esta é apresentada como a “arte de empregar causas naturais para produzir efeitos surpreendentes”. No conceito creditado a Dion Fortune, “Magia é a ciência e arte de fazer com que ocorram mudanças na consciência de acordo com a vontade”. Alan Moore, por sua vez, afirma que magia é “a arte de manipular símbolos para provocar mudanças na consciência”. Quando fala em “produzir efeitos surpreendentes”, Israel Regardie se apressa em esclarecer que estes nada têm de sobrenaturais, mas unicamente expressam entre os homens o esplendor da criação divina. Para exemplificar seu ponto de vista, o autor inglês questiona, “O que haveria de mais maravilhoso e surpreendente que o crescimento de um minúsculo bebê que atinge a completa maturidade de um ser humano?”, para, em seguida, sentenciar que: “todo e qualquer exercício da vontade – o erguer de um braço, o proferir de uma palavra, o germinar silente de um pensamento – todos são por definição atos mágicos”.

Tendo em vista esses apontamentos, onde até ações corriqueiras do nosso dia a dia podem ser consideradas, sob determinadas circunstâncias, equivalentes a atos magísticos, é possível então que alguém se sinta tentado a questionar: o que diferencia, em nosso cotidiano, uma postura ordinária de uma postura de teor teúrgico? Que relação prática tal conduta mantém com a Maçonaria? Se levarmos em conta a afirmação de Garstin de que a Teurgia visa “uma purgação e purificação da natureza inferior do indivíduo”, e que sua prática “exalta a Alma sobre a Mente-Superior e se torna Um com o Absoluto”, as conexões relativas aos questionamentos anteriores devem ser muito óbvias para todo Iniciado.

Em primeiro lugar, a conduta teúrgica está relacionada com a Vontade consciente e autodeterminada de agir sempre com responsabilidade, e, no caso específico do maçom, toda ação obrigatoriamente deve ser justa e perfeita, pelo menos nos aspectos éticos e morais. Em segundo lugar, é preciso que se perceba a similaridade de sentido que permeia os diferentes jargões, uma vez que se pode facilmente compreender que a “purgação e purificação da natureza inferior do indivíduo”, anteriormente referida, correspondem, no linguajar maçônico a “desbastar a pedra bruta”, “vencer as paixões” ou “cavar masmorras aos vícios e erguer templos às virtudes”. Em outras palavras, trata-se de buscar o auto-aperfeiçoamento e a evolução, para que se possa assim estar apto a “fazer novos progressos na Maçonaria”.

Garstin esclarece que, enquanto forma de conduta, a Teurgia é parte de todas as tradições religiosas, sobretudo as de cunho judaico-cristão, onde se prega a crença de que uma recompensa divina pós-morte só pode ser almejada por aqueles que mantêm uma forma de vida digna e fundamentada por nobres princípios. Embora a Maçonaria não seja uma religião, o maçom deve ser um homem religioso, pelo menos no que concerne à crença em um Princípio Criador, pois, como consta no primeiro item dos deveres incluídos nas seminais Constituições de Anderson, que estabelecem os fundamentos que gerem a Maçonaria Universal, “um maçom é obrigado, por sua condição, a obedecer a Lei Moral; e se compreende bem a Arte, não será jamais um ateu estúpido ou um libertino irreligioso”. Da mesma forma, o caderno de Temas Básicos para o Grau 1 do R∴E∴A∴A∴ – Aprendiz Maçom, do GOSC, aponta como primeiro dever do maçom “honrar e venerar o G∴A∴D∴U∴”, que é a designação adotada para se referir a Deus.

Com base nas considerações até aqui realizadas, compreendemos que todo verdadeiro maçom é em potencial um praticante da sagrada magia teúrgica. Uma vez que esteja participando de um ritual no interior do Templo ou estudando na vasta e rica bibliografia maçônica, ele está em contato com símbolos dotados de valiosos significados que lhe transmitem profundos conhecimentos, capazes de modificar a sua consciência ao ponto de torná-lo um homem melhor. A beleza do aspecto teúrgico da Maçonaria reside no fato de que a sua prática se materializa em sucesso na medida em que, dia após dia, o maçom se torna um melhor profissional, um melhor cidadão, um melhor filho, um melhor marido, um melhor pai, um melhor amigo, um melhor Irmão… Enfim, um ser humano melhor, que ao se aperfeiçoar, se torna mais apto a aperfeiçoar também a sociedade em que está inserido.

Em tempo, o que estamos propondo com este breve artigo não é o entendimento de que a Teurgia seja um aspecto de maior ou menor relevância dentro da Maçonaria. O que estamos sugerindo é que este tema, assim como qualquer outro de natureza esotérica, receba exatamente o mesmo nível de atenção e dedicação de todos os demais estudados e debatidos entre colunas. Como bem destaca Israel Regardie, “Se evolução é considerada um processo adequado, então o homem inteiro deve evoluir, e não apenas pequenos pedaços ou aspectos dele, enquanto outras partes de sua natureza são deixadas sem desenvolvimento em um nível de ser primitivo ou infantil”.

Nunca é demais lembrar que desde o dia de nossa iniciação tomamos ciência de que a Maçonaria trabalha em quatro diferentes níveis simbólicos devidamente representados pelos quatro elementos alquímicos: a terra, correspondendo ao caráter material; o ar, equivalendo ao caráter intelectual; a água, simbolizando o caráter emocional; e o fogo, representando o caráter espiritual. Se quisermos continuar sempre avançando na senda do progresso, polindo nossa pedra bruta e contribuindo de forma justa e perfeita para a edificação social que compete à Maçonaria, devemos ficar atentos a todos os pilares que sustentam nosso templo interior, para que assim, no momento apropriado, possamos galgar os últimos degraus da Escada de Jacó, penetrando na luz resplandecente emanada pelo Delta Luminoso e seguindo – satisfeitos, como os obreiros conscientes de terem concluído a execução da Grande Obra – até o encontro do G∴A∴D∴U∴.

– ANDERSON, James. As Constituições de Anderson. 
Curitiba: Juruá, 2001.
– FORTUNE, Dion. A Cabala Mística. São Paulo: Pensamento, 2010.
– GARSTIN, Edward J. L. Teurgia, ou, A Prática Hermética. Traduzido por Edpo Macedo. Rider & Co., 1930.
– GRANDE ORIENTE DE SANTA CATARINA. Temas Básicos para o Grau 1 – REAA, Aprendiz Maçom. Florianópolis, janeiro de 2010.
– REGARDIE, Israel. The Tree of Life. Newburyport: 
Red Wheel/Weiser, 1983.
– REGARDIE, Israel. O Poder da Magia. São Paulo: IBRASA, 1988.
– THE MINDSCAPE OF ALAN MOORE. Direção de Dez Vylenz 
e Moritz Winkler.
– Shadowsnake Films, Tale Filmproduktion. Northampton (ING.). 2005.

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