As construções megalíticas da Europa ocidental e setentrional têm fascinado os pesquisadores há mais de um século. Efetivamente, não há como olhar uma bela fotografia dos alinhamentos de Carnac ou dos gigantescos trilitos de Stonhege sem se sentir intrigado com a sua finalidade e sentido. Ficamos estupefatos diante da mestria tecnológica desses camponeses da Idade da Pedra Polida. Como conseguiram colocar em posição vertical blocos de 300 toneladas e levantar mesas de 100 toneladas? A dureza, a rudeza, a permanência da matéria representam para a consciência religiosa do primitivo uma hierofonia. Nada mais de imediato e mais autônomo na plenitude da sua força, nada mais nobre e de mais terrível que o majestoso rochedo, o bloco de granito audaciosamente ereto. Antes de mais nada, a pedra é. Ela permanece sempre igual a si própria e subsiste. E, o que é mais importante, ela serve para bater. Não podemos dizer se os homens sempre adoraram as pedras enquanto pedras. A devoção do primitivo refere-se, em todo caso, sempre a alguma coisa diferente que a pedra incorpora e exprime. Um rochedo, um calhau, são objetos de uma respeitosa devoção porque representam ou imitam alguma coisa, porque vêm de algum lado. O seu valor sagrado é exclusivamente devido a esta “alguma coisa” ou a este “algum lado”, nunca à sua própria existência. Os homens adoraram as pedras apenas na medida em que elas representavam algo diferente delas mesmas. Adoraram as pedras ou fizeram uso delas como instrumentos de ação espiritual, como centros de energia destinados à sua própria defesa ou à dos seus mortos. O elemento físico pedra também tem o seu significado esotérico e espiritual na Maçonaria, como veremos no curso do presente trabalho. Nesse diapasão, a primeira imagem com a qual o Aprendiz Maçom toma contato ao ingressar na Maçonaria sintetiza os símbolos atinentes ao seu estágio e ilustra o trabalho daquele que está iniciando seu aprendizado. Trata-se da imagem de um jovem – presumivelmente um pedreiro ou escultor – olhando para um bloco de pedra bruta e tendo nas mãos um malho e um cinzel. Eis aí, portanto, os quatro elementos básicos do Grau de Aprendiz Maçom: o próprio pedreiro ou escultor, o malho, o cinzel e a pedra bruta. Simboliza a imperfeição espiritual do homem, independentemente de suas qualidades profissionais e de sua posição social. Representa o começo, o início de todo o ensinamento que a Maçonaria transmite a seus adeptos. Sua aparência grosseira, tal como se encontra na natureza, passa forte imagem de algo que precisa ser desbastado, lapidado, assim como o homem pode se tornar mais polido e útil. A pedra bruta é aquela sobre a qual o Aprendiz dá os três primeiros golpes para indicar que inicia seu trabalho: simbolicamente trabalhar com vistas ao aperfeiçoamento da sua própria pedra oculta. A pedra bruta é o símbolo do Grau de Aprendiz Maçom. Ela representa a natureza humana ainda não trabalhada, rústica como o homem é encontrado na sociedade. Os Maçons, também conhecidos como Pedreiros, não encontram na Maçonaria ensinamentos sobre a arte da construção, como o faziam os Maçons operativos da Idade Média. Assim, as ferramentas comuns usadas nos canteiros medievais, como o maço, o cinzel, o nível, o prumo e outros, têm cada uma um significado simbólico na Maçonaria e visam o aperfeiçoamento moral dos seus membros. O Aprendiz Maçom começa os seus trabalhos maçônicos justamente desbastando simbolicamente a sua própria Pedra Bruta para vir, mediante seus esforços e estudos, a transformá-la futuramente em pedra cúbica – o seu segundo grau de estudos iniciáticos – que ao lado de outras pedras, mormente daquela angular que é própria apenas do Mestre Maçom, ser usada na construção do edifício social do meio de onde foi extraída. Contudo, desde a sua iniciação os neófitos tornam-se já simbolicamente lídimos representantes de uma pedra angular espiritual. A pedra angular, como alicerce sobre o qual o edifício todo deve supostamente permanecer é, sem dúvida, a pedra mais importante de toda a construção. Dentro do Templo, a pedra bruta enquanto matéria está colocada sobre o solo ao lado do Trono do Irmão 1º. Vigilante, simbolizando o homem físico ainda preso aos quatro elementos cosmogônicos já intuídos pelos filósofos físicos milésios e jônicos como sendo os princípios ontológicos de todas as coisas; o homem ainda não evoluído espiritualmente; o homem maçom recém-Iniciado. É oportuno salientar nessa passagem de que o estudo da metafísica apenas se inicia no catecismo maçônico com os ensinamentos pertinentes ao grau de Companheiro Maçom. Essa pedra bruta também remete de plano o homem Maçom ao símbolo do sagrado que a subjaz, e os leva sobre ela a meditar acerca das seguintes passagens bíblicas: quando Jesus se dirige ao apóstolo Pedro e diz: “Tu és pedra e sobre essa pedra construirei minha Igreja” (Mateus 16,18), bem como ainda naquela pedra contra a qual Jacó em Betel repousou sua cabeça (Gênesis 28, 11-19), e cujo sonho é invocado nos nossos rituais como sendo a representação alegórica da escalada que deverá trilhar o Maçom em sua jornada partindo do Ocidente em direção ao Oriente. Ambas passagens, constantes em nosso Livro da Lei, uma das denominadas jóias móveis que ornamenta o nosso ara, dotadas de profunda espiritualidade. Em resumo, sob muitas latitudes e em muitas tradições, como vimos, a pedra significa de certa forma o infinito, o Deus sem forma; o motor que tudo move e não é movido como afirma Aristóteles; a causa primária da qual se originam todas as coisas. Destarte, para o Maçom não é absolutamente a matéria que tem o seu significado maior e sim o espírito que a ela nos remete. Prostrar-se diante de uma pedra enquanto pedra é uma idolatria – nesse sentido a Maçonaria é uma verdadeira iconoclasta -, contudo, prostrar-se diante de uma pedra como signo da divindade sempre fez parte de uma postura mística levada a efeito pela humanidade. Desbastar a pedra bruta na Maçonaria é um processo de catarse espiritual pela qual deve passar todos os seus iniciados. A Maçonaria Especulativa – também conhecida como Maçonaria Simbólica -, com seus ritos e o caráter sagrado de seus símbolos, propõe aos exploradores espirituais a iniciação e o caminho que a amplia como percurso de progressiva transformação de si mesmo e de sua relação com os outros. A longa viagem iniciática é também um processo preciso com suas etapas, seus graus, suas qualidades, sua escada de Jacó, todo um conjunto de ensinamentos esotéricos orais, e mesmo de gestos, atitudes corporais, de deambulações. A aventura iniciática “equivale a uma mutação ontológica do regime existencial”, resume Mircea Eliade. E os ritos de passagem propostos na Maçonaria sugerem uma concepção do mundo, uma cosmologia, e dos mitos que formam seu contexto. A definição de que a Maçonaria é “uma ciência de moralidade velada em alegoria e ilustrada por símbolos” tem sido tão citada que, não fosse pela beleza, tornar-se-ia enfadonha, embora contenha o exato princípio enunciado. A Maçonaria é uma ciência; um sistema de doutrinas que é ensinado esotericamente aos seus iniciados de maneira bastante peculiar e própria por meio das suas alegorias e símbolos. Essa é a sua natureza interior. Suas cerimônias são acréscimos externos que não afetam sua substância. Ainda, mister que se registre, o Maçom acredita na prevalência do espírito sobre a matéria e na existência inquestionável de Deus, o que denominamos como sendo o Grande Arquiteto do Universo. Carregamos dentro de si a nossa pedra oculta e que necessita também vir a ser desbastada com o intuito de nossa necessária transformação interior. A nossa “pedra oculta” pode ser simbolicamente representada por meio das nossas vaidades – “vaidade das vaidades, diz o pregador: tudo é vaidade” (Eclesiastes 1) – e paixões, que devem ser diuturnamente submetidas, combatidas e vencidas, como escopo de fazermos novos progressos na Maçonaria – o simbolismo do V.I.T.R.I.O.L. – mediante o exercício da reflexão contida na máxima Socrática: “Conhece-se te a ti mesmo”. É apanágio da Maçonaria o propósito de conduzir os seus iniciados por essa senda espiritual, por meio dos seus ensinamentos esotéricos. O festejado esotérico René Guénon preleciona que o simbolismo da pedra quer nos fazer compreender de que a matéria está aí para ser explorada, e que é ao retificar (retificar aqui no sentido de uma viagem que todos nós devemos fazer ao nosso interior em busca de mudanças e aperfeiçoamento moral e intelectual) que o sábio encontrará o coração da verdade, o ouro do coração, em suma, a pedra filosofal. Acrescentaria também que com a retificação operar-se-á uma verdadeira renovação espiritual, como proposto pelo o I.N.R.I. dos alquimistas e estudado no grau filosófico Rosacruz: “O fogo renova a natureza inteira”. Encaminhando-me agora para as conclusões finais, mister se faz importante consignar de que ao cabo e ao fim da nossa jornada de longo aprendizado dos ensinamentos esotéricos maçônicos, que acontece quando da chegada ao Oriente, local em que ficam os Mestres Maçons – (faço questão de ressaltar de que a parte esotérica não se acaba apenas nos ensinamentos aprendidos dentro da Maçonaria Simbólica. Costumo dizer que essa é apenas o jardim de infância na Maçonaria, e que perde muito aqueles Irmãos que se contentam apenas com o grau de Mestre Maçom) -, é esperado da nossa pedra bruta interior, agora devidamente visitada e retificada, que fora adredemente arrancada do tecido social pelo nosso “estatuário” – no caso o padrinho – “dessas montanhas, tosca, bruta, dura e informe”, tão bem declamada pelo Padre Antônio Vieira, tenha como resultante nos transformados não em um santo – não é esse o objetivo dos ensinamentos esotéricos da Maçonaria -, e sim, para o gáudio de todos amigos e familiares, mormente também para sociedade que receberá uma nova pedra angular, em um homem ontologicamente educado e perfeito em seu caráter e retidão, pronto para vir a cumprir com êxito a sua verdadeira missão exotérica aprendida no seio da Maçonaria. Eis, na minha humilde opinião, a que nos remete o esoterismo acerca da pedra bruta ministrado mediante os ensinamentos aprendidos e apreendidos no interior da nossa Sublime Instituição. Esse é o nosso verdadeiro segredo, formar homens livres e de bons costumes! Bons estudos! Referência Bibliográfica: – Baçan, Lourivaldo Perez. O Livro Secreto da Maçonaria / Lourivaldo Perez Baçan. – São Paulo : Universo dos Livros, 2008. – Bréhier. Émile. História da Filosofia. Tomo primeiro. A Antiguidade e a Idade Médiia / Émile Bréhier. Tradução de Eduardo Sucupira Filho. – São Paulo : Editora Mestre Jou. 1977. – Eliade, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas, volume I: da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis / Mircea Eliade; tradução Roberto Cortes de Lacerda. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. – Eliade, Mircea. Tratado de história das religiões / Mircea Eliade; tradução Fernando Tomaz, Natália Nunes. – 4ª ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. – Jung, Carl G. O homem e seus símbolos / Carl G. Jung….[et al]; [concepção e organização Carl G. Jung ; tradução de Maria Lúcia Pinho. – 2ª ed. Especial. – Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2008. – Guenon, René. Considerações sobre a Iniciação / René Guénon. Tradução Igor Silva. – São Paulo : Irget, 2011. – Mackey, Albert G. O simbolismo da Maçonaria / Albert G. Mackey. – São Paulo : Universo dos Livros, 2008. – Mackey, Albert G. O simbolismo da Maçonaria. Descubra e entenda seus símbolos, lendas e mitos / Albert. G. Mackey. – São Paulo : Universo dos Livros, 2008. – Maxence, Jean-Luc. Jung é a Aurora da Maçonaria / Jean-Luc Maxence ; tradução Idalina Lopes. – São Paulo : Madras, 2010. – Vieira. Padre Antônio. Sermão de todos os santos. Domínio público. Leave a ReplyYour email address will not be published.CommentName* Email* Website Salvar meus dados neste navegador para a próxima vez que eu comentar. Δ