Nos trabalhos correntes de nossas lojas maçônicas, acostumamo-nos a ver os oficiais lerem os trechos do ritual do grau trabalhado, segundo a seqüência neles programada. Nem sempre, tal leitura é feita com a ênfase que a situação possa requerer e não é incomum ouvirmos a má pronúncia de palavras corriqueiras, em parte por deficiência visual momentânea, em parte pela ignorância do texto que está sendo lido. O fato é que o costume de terem, os oficiais, “de cabeça”, o texto ritualístico é apenas uma lembrança de um passado que se afunda, lentamente, no tempo. A liturgia maçônica se destina à construção de um ambiente de trabalho agradável e sugestivo e, segundo alguns ritos afirmam, à formação de uma egrégora maçônica para a prática do bem (esta acepção não é universalmente aceita). Para atingir aos seus fins, os atos litúrgicos se revestem da pompa necessária, a fim de que os maçons sejam influenciados pela seriedade do momento. Além disso, por ocasião das iniciações, uma boa leitura de alguns textos explicativos contribui para produzir uma forte impressão inicial nos neófitos, fenômeno que se repete a cada nova cerimônia de passagem. Abre-se, porém, o espaço para algumas observações, a primeira das quais põe em tela a própria existência do ritual como instrumento de trabalho em loja. Na realidade, os atos litúrgico só deveriam ser lidos naqueles momentos em que longos trechos, de difícil memorização, o exigissem, sendo pronunciadas todas as falas ritualísticas sem o auxílio de qualquer papel ou livro. Por não ser observada esta simples regra, vemos, constantemente, cenas inconvenientes que vão do deplorável ao ridículo, como a do Venerável Mestre que, ao consagrar um novo aprendiz, segura a espada flamígera com uma das mãos, o malhete com a outra e o ritual com a outra; como só tem duas delas, vale-se da mão de um dos Irmãos mais próximos. No prosseguimento, vemos a espada apontada para um ponto acima da cabeça do neófito, o malhete pendente da mão direita e o rosto do Venerável Mestre fitando uma terceira direção (desconfortável, aliás). Saber o ritual de cor acontece, naturalmente, para todos os Irmãos assíduos, aqueles que lograram conciliar seus afazeres profanos com as suas obrigações assumidas na loja. Para estes, a repetição das mesmas frases, sessão após sessão, acaba por fixar-lhes, nas mentes, as seqüências e as palavras-chave, de modo que, ao assumirem uma função em loja aberta, não sentem a menor dificuldade de recitar a sua participação, sem qualquer consulta ao ritual. Não se trata de exibicionismo ou vaidade, mas de demonstração de que o Irmão que assim procede está imbuído do verdadeiro sentido da ritualística de que participa. Infelizmente, rareiam os que fazem isso intencionalmente, principalmente depois de exaltados, quando o Mestre já se julga plenamente formado (quando, de fato, plenitude é dos direitos e deveres, não dos conhecimentos). Uma segunda observação, que influi na primeira de modo decisivo, é a atualização dos rituais dos diferentes graus simbólicos e sua reimpressão com os novos procedimentos. Não bastasse cada obediência (são 55, só as regulares, no Brasil) terem seus próprios rituais, com textos modificados ligeiramente, ainda promovem revisões periódicas, buscando um alegado melhoramento que nunca chega. As inserções e exclusões se dão, muitas vezes, ao sabor de opiniões individuais ou isoladas, sem que se respeite a história do rito, as suas tradições, os preceitos esotéricos e os ensinamentos maçônicos em geral. As oficinas chefes de rito, que deveriam ser a fonte do saber simbólico que as obediências se encarregariam de gerir, raramente têm influência direta na elaboração dos textos ritualísticos e, quando o fazem, é de modo incompleto e, normalmente, com pouca aceitação. Elas preferem deixar ao sabor das obediências simbólicas este problema, sob a alegação de que, sugerindo a ritualística dos três primeiros graus, elas se estariam imiscuindo em seara alheia à sua. Na verdade, isso é pura omissão de obrigações, pois as altas oficinas têm o dever de orientar todo o rito, de alto a baixo da pirâmide filosófica cuja base é o simbolismo. Ora, a observância de um ritual não deveria passar pelo seguimento cego das letras usadas nas frases que o compõem, e sim, pelo cumprimento dos diferentes momentos da seqüência ritualística preconizada pelas obediências, sempre respeitando a história, a tradição e os mistérios da Maçonaria. Os textos litúrgicos, assim, serviriam de linhas mestras a serem obedecidas, sob a supervisão constante do Guarda da Lei, que teria, aí sim, em sua mesa, um ritual à sua disposição, para que possa intervir quando da ocorrência de algum erro ritualístico crasso, solicitando a sua correção. O Rito de York, por exemplo, não permite a leitura de rituais, durante as suas sessões, o que está absolutamente certo. Portanto, sendo o ritual uma linha mestra não calcificada em palavras obrigatórias, não existiria a necessidade de revisá-lo e reimprimi-lo tão seguidamente, bastando que os candidatos a Venerável Mestre, Vigilantes, Orador e outros cargos-chaves fossem submetidos, obrigatoriamente, a sessões de instrução e exame de suficiência, que os habilitariam ao exercício efetivo do cargo. Lembremo-nos de que, na maioria das obediências, o interstício mínimo para que um Mestre possa ser Vigilante é de três anos e, para Venerável mestre, cinco anos. Esses períodos são mais do que suficientes para o aprendizado das seqüências ritualísticas obrigatórias para a condução dos trabalhos da loja. É claro que algumas sessões vão apresentar um maior grau de dificuldade, por serem raras, como é o caso da confirmação de casamento, adoção de lowtons, mesa de banquete ou pompas fúnebres. Neste caso, admite-se que sejam feitas leituras dos trechos mais longos ou complexos, assim mesmo, parcimoniosamente. O fato é que a liturgia não se beneficia da leitura dos rituais e não é melhor executado por conta dela. Ao contrário, por não conhecerem os rituais de cor, é muito freqüente que os erros de leitura comprometam a beleza e a emoção das sessões, particularmente as magnas, diminuindo a influência positiva que deveriam ter sobre as mentes e os espíritos dos obreiros presentes. Ler mal é pior do que improvisar e compromete muito mais do que dizer uma frase ritualística de cor, ainda que com palavras diferentes das escritas. Aliás, pergunta-se qual é a diferença entre dizer-se “Reina silêncio na coluna do Sul, Irmão 1.º Vigilante” ou “Reina silêncio na coluna do Meio-Dia, Irmão 1.º Vigilante” ou, ainda, “Reina silêncio em minha coluna, Irmão 1.º Vigilante”? O importante, neste caso, é a informação de que ninguém mais vai usar a palavra na coluna do Sul, a qual poderá, então, ser concedida na coluna do Norte. Outro exemplo é o anúncio do início dos procedimentos de fechamento da loja, quando os vigilantes dizem “Irmãos que abrilhantais (ou decorais) a coluna do Norte (Sul), eu vos anuncio, da parte do Venerável Mestre que ele procederá ao fechamento desta loja de aprendizes maçons”. Se compararmos aos rituais existentes, muitas vezes estas palavras são ligeiramente diferentes, às vezes nem são mencionadas, mas sempre deverão produzir o mesmo efeito. Então, por que não dizê-las de cór? Ao defendermos a eliminação das leituras desnecessárias, em loja, temos a intenção de tornar o trabalho ritualístico mais fluído, mais natural e sem complicação, permitindo que o Venerável Mestre conduza a sessão com simplicidade, sem receios nem afobações, dialogando com os seus oficiais de forma natural e sem os deslizes de leituras mal feitas. O Guarda da Lei, neste caso, reassume a sua função essencial que é o de assegurar a observância da ritualística obrigatória, corrigindo, prontamente, eventuais desvios e assegurando a pureza litúrgica. É certo que, com o passar do tempo, os erros diminuiriam e os trabalhos correntes ou magnos das oficinas poderiam ser, costumeira e corretamente, declarados justos e perfeitos. Leave a ReplyYour email address will not be published.CommentName* Email* Website Salvar meus dados neste navegador para a próxima vez que eu comentar. Δ