Seria mais um dia de construção de templos a virtude se pela segunda vez consecutiva não alcançasse o número mínimo de irmãos para abertura dos trabalhos.

Era o momento de deixar guardado na garganta e no coração o grito vibrante da saudação inicial. Era o momento de guardar as vestes e ferramentas de trabalho para retornar ao lar.

Foram minutos angustiantes e de um silêncio pesado, sendo interrompido por um irmão que sugeriu conversar um pouco, o que foi acompanhado por outro irmão que sugeriu um bar localizado próximo da loja, que ficava no caminho comum aos poucos que ali estavam.

Dois irmãos de terno e outros dois de balandrau, e estes últimos sem o traje, seguiram ao bar sugerido.

Conversa pesada, clima pesado. O que fazer depois de duas sessões consecutivas que o mínimo de irmãos não comparece, nem avisa, nem justifica?

O 2º Vigilante que estava de terno, afrouxou o nó da gravata, pediu uma cerveja e uma dose de cachaça. Em seguida começou a falar das possíveis razões que levaram a essa evasão. O que partia desde a ausência de preenchimento do tempo de estudos até as feridas ainda abertas de discussões políticas entre irmãos.

O relato avançaria ainda mais se um jovem, aparentemente universitário, interrompesse com uma curiosidade de perguntar: “Vocês são maçons?”!

Essa pergunta por um instante paralisou os quatros irmãos que ali estavam e o irmão orador, agora sem seu balandrau, pediu mais uma cerveja e acompanhou o 2º Vigilante numa dose de cachaça.
O rapaz estava acompanhado de outros dois e demonstravam interesse sobre conhecer a maçonaria.

O irmão secretário, ajeitando seu terno, não pestanejou em quebrar os protocolos e dizer que eram maçons.

Pronto! Agora viriam as perguntas e um dos rapazes disse que tinham interesse em ingressar na maçonaria e conhecia fatos históricos que tinham a participação dela, o que era motivo de respeito.
Também disse o rapaz que havia pesquisado muito na internet e não entendia relação que faziam entre a religiosidade da maçonaria e o tom diabólico que alguns abordavam.

Completou um dos jovens, calado desde o início, que admirava a participação da maçonaria em diversos movimentos que tornaram países independentes.

De uma forma geral, os três tinham interesse em ingressar nessa maçonaria e perguntaram o que era necessário para ingressar.
Após ouvir isso, o irmão tesoureiro, pediu uma dose de cachaça (sua 1ª, 2ª do orador e 3ª do 2º vigilante) e num ímpeto retumbante começou a falar.

Primeiro ele discursou da linha histórica e os fatos gloriosos da maçonaria. Falou em seguida que não há nenhum conflito religioso, mas uma religiosidade voltada a um Deus único. Disse ainda que a convivência entre os irmãos era respeitosa e fraterna, havendo muito estudo nas sessões e não havia espaço para divergência política. Pelo contrário havia uma expressiva coesão de objetivos e ações.
Os rapazes estavam maravilhados. Só faltava perguntar “Onde é que eu assino?”. Trocaram telefones para manterem contato e depois de um brinde por conta dos irmãos, seguiram para suas casas.

O irmão secretário, hesitando até aquele momento, pede a 8ª cerveja e uma rodada completa de cachaça (sua 1ª, 2ª do tesoureiro, 3ª orador e 4ª do 2º vigilante).

Após um trago ardente, ele pergunta aos irmãos: “Estamos enganando a quem?”. Possivelmente serão mais três iniciados e em breve frustrados, não durando mais que um ano…

Já que estava calado até aquele momento, continuou o secretário…
Estou há quase 30 anos na maçonaria e o que eu vejo nesse momento (mais um trago na cachaça) gostaria de relacionar a vocês:
Infelizmente, o maçom ou não gosta ou não pratica a leitura e os estudos. Os tempos de estudos vêm sendo uma repetição resumida de manuais ou releituras de trabalhos já realizados. Sem falar daquelas vezes que um simples texto do Google (sem nenhuma crítica) é apresentado em loja sem referência ou sem fonte. Em geral, não se separa tempo para elaborar trabalhos. Digam-me então vocês quando foi à última vez que vocês apresentaram trabalho em loja? (silêncio…)

Outro ponto que me incomoda é essa questão de religiosidade. Um requisito indispensável é a crença num Ser Supremo que é Deus, mas vejo cada vez mais irmãos sem acreditar em nada, sem frequentar religião alguma, sem professar fé alguma. Isso aos poucos vai interferindo na harmonia espiritual que compõe a egrégora necessária aos nossos trabalhos e à nossa convivência.

A situação piora quando chegamos à política. O que antes era uma preocupação externa à maçonaria, agora os tumores da política trazem enfermidade aos pilares da administração maçônica. Debates ácidos são realizados sobre a política profana e agora disputas internas fazem ruir as paredes daquilo que era para ser uma referência em democracia, à política maçônica. Impugnações em diversas chapas nos diversos orientes despertam o questionamento em vários irmãos sobre o que de fato está acontecendo, mas isso é certamente um outro, longo debate.

O 2º vigilante cochila na mesa. O irmão orador renova a rodada de cachaça e a cerveja, felicitando o secretário pelas palavras, oferecendo um brinde e iniciando seus comentários.

Eu acrescentaria as palavras do irmão secretário que outro grande problema é o perfil que compõe os quadros das nossas lojas. Em geral, só tem tempo para assumir cargos quem já está aposentado ou atua como profissional autônomo/liberal. No entanto, o primeiro é cobrado pela família para aproveitar essa fase mais curta da vida, dar atenção aos filhos e netos. Já o segundo, precisa produzir para proporcionar a estabilidade financeira a sua família. Outro perfil surge que é o funcionário público, que ao gozar da estabilidade, não está nas outras duas situações citadas, mas por estar vinculado a uma hierarquia, o trabalho pode atropelar seus planos de forma inesperada.

Por último, tem-se o empregado do setor privado, e esse cada vez menos tem condições de ingressar na maçonaria, primeiro por conta do custo, segundo por conta do tempo, que além de escasso, o pouco que sobra, deve ser utilizado para se qualificar, dar atenção à família e se existir chance…chegar ao descanso.

Esse debate a moda antiga que tanto marcou as revoluções e ações políticas da primeira metade do século passado não poderia ficar sem a palavra do irmão tesoureiro, que por pouco se levantou para cumprimentar as luzes e pedir permissão para falar. Sorte que o venerável mestre era um dos irmãos que faltava já a duas sessões e por não o ver, sentou rápido sobre o olhar censurável do irmão secretário.

Mais uma cerveja e uma rodada de cachaça aos irmãos, exceto o vigilante que cochilava sem incomodar ninguém.

O irmão tesoureiro, com tempo de maçonaria igual ao secretário, parabenizou aos irmãos por tudo que foi dito. Disse se sentir envergonhado pelo que foi informado aos rapazes que por ali passaram, e teme que esse choque de realidade seja algo forte e de difícil reversão, continuando a esvaziar os quadros. Porém, complementou com algo que não havia sido dito até então…e depois de dar seu trago, iniciou.

Incomoda-me ver que o crescimento de lojas não significa uma correlação significativa com o crescimento de irmãos. Pelo contrário, me preocupa o fato das lojas surgirem por dissidências e/ou vaidades. O primeiro motivo é fruto de não ter ocorrido à superação das dificuldades da convivência. O segundo motivo é o sentimento de ser um fundador de loja, ficando assim gravado para toda eternidade nos atos constitutivos. Tudo isso, se a mesma loja não bater suas colunas, pelos motivos que todos vocês já disseram, deveria se pensar em uma grande reforma, que passaria, desde as questões administrativas, passando pelos trabalhos em loja, e chegando aos meios de comunicação. Do contrário, não vejo futuro no horizonte da nossa maçonaria.

O irmão secretário ficou de pé, segurando seu copinho para o restinho do trago e parabenizou o tesoureiro pelas palavras.
Porém ponderou que essa reforma daria um belo e enorme debate. Já passava das 23h e estava na hora de ir pra casa. Todos concordaram, o orador foi acordar o irmão vigilante, e esse após despertar abraçou os irmãos e todos juntos falaram em bom tom Huzzé Huzzé Huzzé, pagando a conta em seguida e encontrando o caminho dos seus lares, seja de carro sujeito a multa, seja de táxi ou uber.

O dono do bar observou a conversa durante toda a noite. Após limpar o balcão, foi limpar a mesa e recolher os copos e garrafas.

Depois de tudo arrumado, triste, fez uma breve oração: Oh Grande Arquiteto do Universo, prodigalize um futuro digno a essa Ordem que semeia virtude e combate os vícios. Tenha piedade desses pobres irmãos que já não sabem como lutar ou se devem lutar. Ilumine nossas vidas com discernimento e sabedoria para entender as diferenças entre cada irmão e possibilitar que cada um dê o seu melhor na construção de um futuro diferente daquilo que vemos hoje.

Não nos desampare, pois aqui resistimos enquanto podemos, mas não sabemos…

“ATÉ QUANDO ESPERAR…”

About The Author

ARBLS Prof. Hermínio Blackman, n° 1761 Oriente de Vila Velha • GOB/ES