Ainda que não se possa reportar ao testemunho 8da história, é, no entanto, um fato histórico – pois um grande número de fatos relatados pelos antigos escritores o corrobora – ter o ritual da Igreja e da Franco-Maçonaria brotado da mesma fonte e se desenvolvido de mãos dadas…

A Maçonaria era simplesmente, em sua origem, um Gnosticismo arcaico, ou um Cristianismo esotérico primitivo; o ritual da Igreja era e é um paganismo exotérico pura e simplesmente remodelado, pois não poderemos dizer reformado.

Vejamos as obras de Ragon, um maçom legado ao esquecimento mesmo pelos maçons de hoje. Estudemos, colecionemos os fatos acidentais mais numerosos que se encontram nos escritores gregos e latinos; diversos deles eram iniciados, e a maioria, neófitos instruídos e participantes dos Mistérios. Vejamos, enfim, as calúnias, cuidadosamente elaboradas pelos padres da Igreja contra os gnósticos, os Mistérios e seus iniciados, e acabaremos por descobrir a verdade. O Cristianismo foi fundado por um pequeno número de filósofos pagãos, que foram perseguidos pelos acontecimentos políticos da época, cercados e tiranizados pelos bispos fanáticos do Cristianismo primitivo, o qual ainda não possuía nem ritual, nem dogmas, nem igrejas.

Misturando da maneira a mais irreligiosa as verdades da religião-sabedoria com as ficções exotéricas tão gratas às massas ignorantes, foram eles (os filósofos pagãos) que fundaram os primeiros rituais das igrejas e das lojas da Franco-Maçonaria moderna. Este último fato foi demonstrado por Ragon no seu Anteomnlae da Liturgia moderna, comparada com os antigos mistérios, e mostrando o Ritual empregado pelos primeiros franco-maçons.

A primeira asserção pode ser verificada com ajuda de uma comparação entre os costumes em uso nas igrejas, os vasos sagrados, as festas das igrejas latinas e outras, e essas mesmas coisas nas nações pagãs. Mas as Igrejas e a Franco-Maçonaria divergiram por completo, após haverem se constituído numa só unidade. Se alguém se espantar por um profano ter conhecimento disso, nós responderemos: o estudo da antiga Franco-Maçonaria e da Maçonaria moderna é obrigatório para todo ocultista oriental.

A Maçonaria, apesar de seus acessórios e inovações modernas (particularmente a introdução nela do espírito bíblico) faz o bem, tanto no plano físico como no moral; pelos menos era assim que agia faz apenas dez anos. É uma verdadeira ecclesia no sentido de união fraternal e de ajuda mútua, a única “religião” no mundo, se considerarmos o termo como derivado da palavra “religare” (ligar), pois que une todos os homens que a ela se filiam como “irmãos”, sem preocupações da raça ou fé, se ela não pôde fazer muito mais do que fez até hoje, com as enormes riquezas que tinha à sua disposição, isso não é da nossa alçada. Até hoje nunca vimos algum mal saído dessa instituição, e ninguém, fora da Igreja Romana, jamais afirmou tal coisa. Pode-se dizer o mesmo da Igreja?

Que respondam à pergunta a história profana e a história eclesiástica.

Primeiramente, a Igreja dividiu a humanidade em Cains e Abels; massacrou milhões de homens em nome de seu Deus: o Deus dos Exércitos – em verdade o feroz Jehovah Sabbaoth – e em vez de dar uma força impulsiva à civilização, da qual seus fiéis se vangloriam orgulhosamente, retardou-a durante a longa e insípida Idade-Média.

Somente sob os assaltos repetidos da Ciência e o prosseguimento da revolta dos homens procurando libertar-se, é que a Igreja começou a perder terreno e não pôde impedir a luz por mais tempo. Suavizar, como ela própria o afirma, o “espírito bárbaro do paganismo”? Com todas as nossas forças diremos: Não… Os Césares pagãos foram mais sôfregos de sangue ou mais friamente cruéis do que os potentados modernos e seus exércitos? Em que época se acha milhões de proletários tão esfomeados como os dos nossos dias? Quando a Humanidade derramou mais lágrimas e sofreu mais que no período presente?

Sim, houve um dia em que a Igreja e a Maçonaria foram unidas. Foi então séculos de intensa reação moral, um período de transição onde o pensamento era tão incomodo como um pesadelo, uma idade de luta. Assim, quando a criação de novos ideais conduziu à aparente destruição de velhos templos e de velhos ídolos, em realidade o que se deu foi á reconstrução desses templos com a ajuda dos velhos materiais e a reabilitação dos mesmos ídolos sobre novos nomes. Foi uma reorganização paliativa universal, mas somente “à flor da pele”.

A história jamais nos dirá – mas a tradição e as pesquisas judiciosas nos ensinam – quantos semi-Hierofantes, e altos Iniciados foram obrigados a se tornar apostadas, para assegurar a sobrevivência dos segredos da Iniciação. Praetex-tatux, proconsul da Arcádia, é digno de fé quando, no quarto século de nossa era, observou que “privar os gregos dos mistérios sagrados que ligavam a Humanidade inteira, equivalia a privá-los da vida”. Talvez os Iniciados o tivessem compreendido; eles se reuniram nolens volens aos partidários da nova fé que começava a dominar, e agiram consequentemente.

Alguns judeus gnósticos helenizantes fizeram o mesmo, e assim, mais de um Clemente de Alexandria – um converso na aparência mais de coração um ardente neoplatônico, e filósofo pagão – tornaram-se os instrutores dos ignorantes bispos cristãos. Numa palavra, o converso a contragosto reuniu as duas mitologias exteriores, a antiga e a nova, e dando o amálgama à multidão, guardou para si as verdades sagradas.

O exemplo de Synesius, neoplatônico, nos mostra o que foram essas espécies de cristãos. Qual o sábio que ignora ou nega o fato de que o discípulo devotado e favorito de Hypatia – a virgem filósofa e mártir, vítima de infâmia de Cirilo de Alexandria – nem mesmo tinha sido batizado quando os Bispos do Egito lhe ofereceram o arcebispado de Ptolomáida? Todo estudante sabe que depois de aceitar a proposta sem refletir, mas somente dando o seu consentimento, por escrito, depois de suas condições aceitas, e seus futuros privilégios garantidos, é que finalmente foi batizado. Dentre essas condições, havia uma, a principal, que era realmente curiosa: que lhe fosse permitido sine qua non, a abstenção de professar as doutrinas cristãs nas quais ele, o novo Bispo, não acreditava. Assim, mesmo batizado e ordenado nos dogmas do diaconato, do sacerdócio e do episcopado, ele jamais se separou de sua mulher, jamais abandonou a filosofia platônica, e tampouco seus divertimentos (esportes), tão estritamente interditos a outros Bispos. Isso aconteceu no fim do século V.

Semelhantes concessões entre filósofos iniciados e sacerdotes reformados do judaísmo foram numerosas nessa época. Os primeiros procuravam manter seus juramentos prestados aos Mistérios, e sua dignidade pessoal. Para isso eram obrigados a recorrer a compromissos lamentáveis com a ambição, a ignorância e a nascente vaga de fanatismo popular. Acreditavam na Unidade Divina, o Um ou Solus incondicional e incognoscível, e, entretanto, consentiam em homenagear o Sol em público, o Sol que se movia entre seus doze apóstolos, os signos do zodíaco, ou os doze filhos de Jacó. O hoi polloi (o povo), mantido na ignorância do Único, adorava o Sol e cada um interiormente homenageava o Deus que antes honrara. Não era difícil transferir essa adoração das Divindades solares e lunares e de outras Divindades cósmicas, para os Tronos, Arcanjos, Dominações e Santos, ainda mais que essas Divindades siderais foram admitidas no novo cânone cristão com seus antigos nomes, quase sem mudança alguma. Assim é que, durante a missa, o “Grande Eleito” renovava em voz baixa sua adesão absoluta à Unidade Suprema Universal do “Incompreensível Artífice”, e solenemente, em voz alta, pronunciava a palavra sagrada, enquanto seu assistente continuava o Kyrie dos nomes dos seres siderais inferiores que as massas deviam adorar.

Aos profanos catecúmenos que, poucos meses ou semanas antes, ofereciam suas orações ao Boi Apis e aos Santos Cynocéfalos, a Ibis sagrada e a Osíris de cabeça de falcão, em verdade a águia de São João (4), e à Pomba Divina (a que paira sobre o cordeiro de Deus no batismo), lhes pareciam ser o desenvolvimento natural e o prosseguimento de sua própria zoologia nacional e sagrada, que haviam aprendido a adorar desde a sua infância.

Nota:

4 – É erro dizer-se que só depois do século XVI João Evangelista se tornou o Santo Patrono da Franco-Maçonaria. Há sobre o fato um erro duplo. Entre João “Divino”, o “Vidente”, o autor do Apocalipse, e João Evangelista, representado hoje em companhia da Águia, há uma grande diferença. João Evangelista é uma criação de Irineu, tanto quanto o 4º evangelho. Um e outro foi o resultado da disputa entre o Bispo de Lyon e os Gnósticos, e jamais poderemos saber quem foi o autor real do maior dos evangelhos. Mas o que sabemos é que a águia é propriedade legal de João, o autor do Apocalipse, cuja origem remonta séculos antes de Jesus Cristo, e foi reeditado somente antes de receber a hospitalidade canônica. Esse João, ou Johanes, era o patrono aceito por todos os gnósticos gregos e egípcios (que foram os primeiros construtores ou pedreiros do Templo de Salomão, como anteriormente o foram das pirâmides). A Águia, seu atributo – o mais arcaico dos símbolos – era o Ah, o pássaro de Zeus consagrado ao sol por todos os antigos povos. Os Cabalistas Iniciados, mesmo entre os judeus, adoram como o símbolo do Sephira Tiphi-e-reth, o Aether Espiritual ou ar, como diz M. Myers na Kabbalah.

Entre os Druídas, a Águia foi símbolo da Divindade Suprema e uma parte desse símbolo se ligava aos Querubins. Adotado pelos gnósticos pré-cristãos, pode-se vê-los aos pés do Tau no Egito, antes de ter sido posto no grau Rosa Cruz aos pés da cruz cristã. Além do mais, o pássaro do sol, a Águia, é essencialmente ligado a cada deus solar; é o símbolo de todo vidente que olha na luz astral e ali vê a sombra do passado, do presente e do futuro, tão facilmente quanto à águia contempla o sol.

Leave a Reply

Your email address will not be published.