A evolução humana pode ser caracterizada por uma série de dimensões tanto de ordem biológica quanto sociocultural. Dentre estas características biológicas destacaremos a emissão de sons, que dentro do processo de evolução permitiu que o ser humano desenvolvesse a linguagem falada, e a partir dela os inúmeros dialetos e idiomas.

O desenvolvimento da coordenação motora também deve ser observado como algo essencial para o desenvolvimento dos outros tipos de linguagem. Ela permitiu que os seres humanos deixassem registrado nas paredes das cavernas, em forma de pinturas, um pouco da história das comunidades primitivas. As pinturas rupestres permitem uma gama de estudos antropológicos acerca dos primeiros passos da nossa evolução. Todo este cenário marca as primeiras formas de expressão utilizadas pelos seres humanos: sons e misturas. Dos sons não temos registros, mas das pinturas sim e com elas a certeza da existência da necessidade de se usar alguma forma de expressão. Mas não podemos afirmar se elas foram feitas livremente ou sobre domínio de alguma circunstância. Mas como já disse anteriormente o que nos interessa neste momento é perceber a necessidade de se expressar.

Já entre os povos gregos, por volta de 5 séculos antes de Cristo, destaca-se três situações interessantes para a nossa reflexão sobre o tema em questão. Existia entre os gregos a prática de se criar um local para o encontro público das pessoas, este lugar transfigurado de praças públicas ficou denominado como Ágora. Na Ágora as pessoas poderiam expressar livremente suas opiniões sobre os assuntos ali discutidos, sobre o cotidiano da vida e tomadas de decisões.

O segundo ponto farei menção a um dos livros mais famosos do filósofo grego Platão, intitulado “Fedro”. Nesta obra, entre outras coisas, Platão discute a forma de expressar de algumas pessoas. Para ele algumas pessoas falam não o que deveriam, mas sim o que as pessoas querem ouvir. Com isto o discurso se afasta da verdade, a liberdade de expressão que deveria ser livre, começa a se prender aos interesses de quem fala das circunstâncias, das conveniências.
Agora, ao mencionar a terceira situação, continuarei a citar os conhecimentos de Platão, desta vez quando ele analisa o papel exercido pelos sofistas. Para lembrar os sofistas, eram as pessoas que usavam o conhecimento para ludibriar, para enganar as pessoas, mas ao usarem de sofismas, seus argumentos acabavam sendo aceitos pelas demais pessoas como verdade. Segundo o filósofo a liberdade de expressão não deveria ser usada no sentido de enganar, de cegar e alienar as pessoas, coisas comuns aos sofistas. Daremos agora um salto histórico e analisaremos um pouco a situação durante o período conhecido como Idade Média, que é compreendido entre os séculos V e XV.

A Idade das Trevas como este período histórico é popularmente conhecido marca entre outras coisas um momento de controle total sobre os indivíduos, considerados à época como servos e por consequência sem liberdade de expressão. O desenvolvimento da Igreja Católica e da estrutura feudal, neste momento é proporcionalmente visto no controle das pessoas, não só na forma como deveriam agir, bem como pensar. As pessoas que ousavam manifestar, suas opiniões livre e publicamente, geralmente eram perseguidas, e muitas acabavam tendo um fim tenebroso. Para ilustrar tal argumento, basta lembrar da famosa expressão, “caça às bruxas” em que mulheres eram massacradas por suas atitudes e pensamentos, simplesmente por não estarem de acordo com as ideologias do período; o tribunal da inquisição, em que as pessoas eram julgadas e em muitos casos condenadas à morte nas fogueiras; e o Index, a lista dos livros que eram considerados proibidos, portanto, impróprios para leitura. Notamos assim, um momento histórico em que a liberdade de expressão é bastante controlada, e talvez em certos momentos tornando-se inexistente.

Com o advento do Renascimento Cultural, no século XV, na Itália e logo em seguida espalhando-se por toda a Europa, a liberdade de expressão torna-se o grande desejo de inúmeros pensadores. A arte, a pintura, a literatura, as ciências tornam-se meios pelo qual a expressão humana começa a ganhar ares de busca pela liberdade. Sabemos que muitos deles ainda pagaram com suas próprias vidas a busca por este desejo, mas o renascimento é o marco desta ânsia por liberdade de expressão. Vale a pena ressaltar o início das atividades dos mecenas, burgueses que passaram a apoiar e financiar estes novos artistas. Artistas que se tornaram ícones na história da humanidade, entre eles, Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael de Sânzio, Shakespeare.

Mas paralelo ao renascimento cultural observamos o desenvolvimento do absolutismo, o poder político centralizado nas mãos dos reis. A formação dos países europeus a partir do século XV propiciou esta forma de poder. Uma literatura pertinente a esta época e que tratou destas questões políticas foi escrita por Nicolau Maquiavel, em sua atemporal obra “O Príncipe”.

Tanto o absolutismo despótico quanto, o esclarecido mesmo intitulado e percebido historicamente, de formas diferentes, em termos de controle populacional, usava os mesmos mecanismos para atingirem os seus objetivos, portanto o controle total sobre os súditos. A liberdade de expressão não era uma prática usual e nem tão pouco permitida, haja vista as constantes perseguições políticas do período que acabou culminado na criação da Bastilha, a famosa prisão francesa que era usada para a prisão dos perseguidos politicamente.

Este cenário, mesmo após a citação de algumas de suas características, totalmente adversas à liberdade de expressão, acaba provocando o surgimento provavelmente do maior movimento intelectual e cultural de todos os tempos, o Iluminismo. Movimento este que se tornou a base para a Revolução Francesa e a fonte de inspiração para a independência de vários países pelos mais diversos continentes, inclusive norteou o processo de Independência do Brasil.

Entre os Iluministas destacaremos o filósofo francês Voltaire, sua contribuição torna-se de suma importância para a conquista da liberdade de expressão, de acordo com o referido filósofo, a liberdade de expressão deveria ser uma conquista de todos os seres humanos, portanto um direito, uma lei. Assim, ninguém poderia ser punido pelas ideias que de alguma forma fosse externada, publicitada. Naquela época este pensamento de Voltaire provocou uma revolução, pois tornava as pessoas livres para pensar e divulgar seus pensamentos.
Já, Jean Jacques Rousseau, também iluminista, defendia o direito ao voto livre, o direito de escolher os governantes, pois sem sombra de dúvidas a escolha dos nossos representantes através do voto é uma das formas mais coletivas, mesmo o ato sendo individual, de expressar livremente a nossa escolha e ao mesmo tempo de vivermos as consequências dela. Outra conquista de indizível valor para a humanidade. Se ele está sendo bem utilizado ou não, caberia aqui uma longa análise, outro texto.

Como a história marca a evolução da humanidade é possível perceber que todas as conquistas estimuladas pelos pensadores iluministas passam a sofrer vários reversos no século XX. Observamos isto nos inúmeros casos de golpes militares que preencheram as páginas da história de dezenas de países durante o século XX, inclusive o Brasil e praticamente todos os países da América Latina, alguns vivem o regime ditatorial até os dias de hoje.

Uma das marcas deixadas pelos governos ditatoriais deste período foi justamente o combate à liberdade de expressão, tanto é que esses anos são conhecidos como “anos de chumbo”, tamanho o controle exercido sobre a população. O medo, o silêncio são algumas das características deste momento histórico que refletiram decisivamente nas ideias, no pensamento, na forma das pessoas se comunicarem, de se expressarem.
Sabemos que “os anos de chumbo” não impediram a expressão, mas uma expressão clandestina, nas entrelinhas, indireta, de forma alguma ela era livre, aberta, às claras.

Os tempos contemporâneos estão aí sendo vividos, para muitos já vivemos a era pós-contemporânea ou era tecnológica. Tecnologia que está permitindo que o mundo se globalize e que a comunicação esteja cada dia mais acessível e presente com o quer que seja, ou deseje se comunicar. Com os avanços tecnológicos também surgem novos debates que envolvem a tão sonhada liberdade de poder expressar nossos sentimentos, pensamentos e visões do mundo. Vejamos algumas situações, que merecem uma breve análise.

Com uma máquina fotográfica nas mãos, ou até mesmo com um celular mais moderno, podemos registrar cenas incríveis, de lugares, de paisagens fantásticas, de pessoas, de situações das mais diversas formas. Tanto é que alguns fotógrafos ganharam o nome de “Paparazzos”, profissionais da fotografia que buscam através de imagens publicitar momentos da vida das consideradas pessoas famosas. Neste sentido nasce uma questão, a atividade do Paparazzo seria uma atividade de liberdade de expressão? Somos e devemos ser livres para divulgar tudo aquilo que ocorre na vida alheia? O conceito de liberdade de expressão se encaixaria especificamente nesta atividade que diz ser profissional?

Nos últimos anos estamos verificando também centenas de vídeos e fotos contendo cenas íntimas de casais, crimes de pedofilia, postados em muitos casos de maneira que beira à irresponsabilidade. Seria esta também uma forma de liberdade de expressão? Temos o direito de expor a vida de outra pessoa simplesmente porque queremos?

Uma coisa é fato, hoje estamos envoltos em uma série de instrumentos e equipamentos que nos permitem a comunicação. Comunicação instantânea e que velozmente forma uma teia gigantesca de interlocutores. As redes sociais são exemplos claros desta nova lógica. Uma imagem publicada em questão de minutos pode ser vista por milhares de pessoas. Um texto expondo um pensamento ao ser lançado na rede pode ser lido, comentado e compartilhado por centenas de pessoas. Nossa liberdade ultrapassa os nossos pensamentos, podemos também ratificar tantos outros ou simplesmente nos opor publicamente àquela ideia que não nos parece coerente ou correta.

Vivemos a era da liberdade de expressão. Postamos o que pensamos, em muitos casos o que nem foi pensado, algo que pode ser constantemente percebido nos desabafos virtuais, postamos também imagens, diversos tipos de textos, expressamos como estamos, onde estamos, o jeito que estamos, com quem estamos… vivemos numa era que podemos partilhar tudo, basta simplesmente querer.

Se em tempos passados lutávamos pela liberdade de expressão, hoje uma nova discussão acontece. Uma discussão em torno da qualidade, da responsabilidade que devemos ter para com ela. Jean Paul Sartre em seus pensamentos analisa a questão da escolha, e enfatiza que o ser humano é consequência de suas escolhas. O século XXI permite-nos escolher, permite-nos tornar a nossa liberdade de expressão uma oportunidade de ser uma manifestação responsável, crítica, analítica que colabora com o desenvolvimento da humanidade ou somos livres para optar também por uma liberdade de expressão irresponsável que insiste em mostrar as mazelas humanas, em criar um ambiente hostil para a própria vida humana.

Vivemos a era das diversas faces que a liberdade de expressão pode mostrar e por ser tão nova entre nós, pelo visto ainda se manifesta de uma maneira espalhafatosa, criando assim um paradoxo: quando proibida buscava-se a qualidade das manifestações, quando permitida limita-se ao sentimento do tanto faz, que qualquer coisa está bem. A esperança é que o dia do equilíbrio chegue e com ele a sapiência de usarmos em plenitude este atributo humano de aspecto natural e cultural. Que a expressão encontre na cultura a sua liberdade.

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