A CRUZ NA HISTÓRIA

A cruz é um símbolo universal, sendo um dos mais antigos, que se tem conhecimento. Ninguém sabe com certeza a origem da cruz. É encontrada em monumentos do Antigo Egito, que chegaram até os tempos atuais com uma antiguidade de mais de 4.000 anos. Entretanto, parece que sua forma mais antiga, a cruz em movimento – (swástica hallada), foi encontrada na Índia. Seu significado é “boa sorte”.

A cruz para os egípcios era chamada de ankh e era considerada uma “chave mágica que abria a fronteira da imortalidade”.

Pode se encontrar cruzes em culturas tão distintas como a fenícia, a persa, a etrusca, a grega, a escandinava, a celta, a africana, a australiana, a chinesa, a tibetana, a asteca, a maia, a inca, entre outras. Mesmo que a cruz tenha um traçado muito simples está, na realidade, carregada de densa complexidade. Buscar todos os sentidos que possui é como ingressar numa caverna obscura cheia de caminhos tortuosos e emaranhados, que se entrecruzam. Seu significado flutua em três níveis: místico, filosófico e sociológico.

Pitágoras dizia que Deus falava através de números e, a essa linguagem, o filósofo grego chamou de matemática sagrada, ou ciência dos princípios. Ao símbolo da cruz, relacionou o número 4 que representa a ordem do mundo, as quatro bases que formam o equilíbrio da criação. O número 4 tem sua origem no numero 2 e, por isso, a cruz também se identificou com os pares opostos de conceitos, do humano-divino, o espaço-tempo, a liberdade, disciplina, e portanto duas forças em permanente conflito e complementariedade.

Também é associado à cruz o significado de centro para onde tudo converge, a Árvore da vida.

CRUZ DE LORENA

A Cruz de Lorena, do francês “Croix de Lorraine”, é originalmente uma cruz heráldica, chamada de cruz arquiepiscopal ou cruz patriarcal e figura nos brasões, bem como na antiga iconografia dos arcebispos para assinalar essa função. Sua configuração representa a cruz cristã com a tabuleta em que aparece escrito o título que Poncio Pilatos teria mandado colocar sobre o Cristo: “Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum” ou “Jesus de Nazaré Rei dos Judeus” (INRI).

A cruz de Lorena, de duas barras, consiste em uma linha vertical cruzada por duas linhas horizontais menores. Na versão mais antiga, ambas as barras possuíam o mesmo tamanho.

Na história essa Cruz foi usada pelo Duque de Lorena, Godofredo de Bulhões (1058-1100 d. C.), em 1087, na Primeira Cruzada para Jerusalém. Godofredo era descendente de Carlos Magno (742-814 d. C.) era filho do conde Eustácio II (1015-1087 d. C.) de Bolonha com a Santa Ida de Lorena, filha de Godofredo o Barbudo, duque da Baixa Lorena e conde de Verdun. Os seus irmãos foram Eustácio III de Bolonha e Balduíno I de Jerusalém.

O Ducado da Lorena do francês, “Duché de Lorraine”, em alemão “Herzogtum Lothringen”, foi um Estado independente entre 977 e 1739. O ducado, bem como a região atual da Lorena a que correspondia, foi o foco de uma luta de séculos entre o Sacro Império Romano-Germânico e o Reino da França, e depois entre a Alemanha e a França, mudando de mão diversas vezes, a última das quais no fim da Segunda Guerra Mundial.

A CRUZ DE ANJOU

Em 1054 d. C. diferenças teológicas e litúrgicas acentuaram ainda mais a dicotomia entre as duas igrejas, especialmente após a conquista normanda do sul da Itália, dominada pelas populações de língua grega ligada à Igreja Oriental. Neste momento, os papas estão tentando catequizar as populações gregas da Grande Grécia, o que levou aos eventos de 1054, quando o cisma ocorreu entre as igrejas de Roma e Constantinopla. Após o grande cisma de 1054, o Patriarcado Ecumênico emergiu como o centro mundial da Igreja Ortodoxa e seu antecessor foi reconhecido pelos líderes ortodoxos como “o primeiro entre iguais”.

As relações entre o Ocidente latino e Bizâncio estavam piorando, não apenas em questões eclesiásticas, mas também políticas. Essa hostilidade levou à primeira queda de Constantinopla em 1204 pelos cruzados. A sede do Patriarcado foi temporariamente transferida para Nice, na Bitínia, enquanto um Patriarcado Latino foi estabelecido em Constantinopla.

Hostilidades de todos os tipos, guerras, crimes, violências, escândalos e heresias surgiram em consequência da vitória do Papa Gregório IX (1227 a 1241), que lutou pela Igreja contra os abusos do Estado, que se apoderava de seus bens e relíquias Destarte em 1241, com a morte do Papa Gregório IX, o bispo (επίσκοπος) Thomas (Τόμας) de Hiérapétra (Ιεράπετρα) e de Arcádia (Αρκαδία), em Creta (Κρήτη), na Grécia (Ελλάδα), visando a proteção dos bens da Igreja, doou uma relíquia da Verdadeira Cruz de Cristo, que teria pertencido anteriormente ao Imperador Manuel I Comnème (1118-1180 d. C.) e posteriormente ao Segundo Patriarca Latino de Constantinopla (1215-1219 d. C.) Gervais (?-1219 d. C.). Foi doada, portanto, para Jehan II d’Alluye (1180-1248 d. C.), Cavaleiro Francês de Touraine que retornava ao seu país, de volta da Terra Santa. Jehan II d’Alluye entregou-a, por sua vez, para a Abadia da Ordem de Cister, “La Boissière Abbey”, em Anjou, na França.

Ressalta-se que a ordem Ordem de Cister (1119) exerceu grande influência no plano intelectual e econômico, assim como no campo das artes e da espiritualidade, devendo seu considerável desenvolvimento a Bernardo de Claraval (1090-1153), homem de excepcional carisma, que participou do Concílio de Troyes, onde foi delineada a regra monástica que guiaria os Cavaleiros Templários.

A relíquia era feita de uma madeira dura composta de três ramos: um vertical com 28 cm, e dois atravessados, um com 08 cm e o outro com 11 cm, com o formato da Cruz de Lorena.

Em 1357 tal relíquia foi colocada sob a proteção dos Jacobinos de Angers e durante a Guerra dos Cem Anos, em 1379, guardada em segurança no “Château d’Angers” ou Castelo de Angers por Luis I de Anjou. Luis I de Anjou criou, nesta ocasião uma Ordem de cavalaria, a “Ordre de la Croix” ou Ordem da Cruz, por volta de 1370. No Castelo de Angers existe a Galeria do Apocalipse, com obras de arte especiais. Entre tais tem-se a tapeçaria que ilustra o último livro da Bíblia, escrito por João no final do século I. O ciclo foi encomendado em 1375 por Luís I, Duque de Anjou, e provavelmente terminado em 1382. A obra impressiona pelo seu extraordinário tamanho: é constituída por 70 cenas conservadas até hoje, que se revelam ao longo de cerca de 100 metros de comprimento com 4,50 metros de altura. Em tal tapeçaria está uma bandeira com uma Cruz com uma barra dupla em sinal de devoção do duque pela Relíquia da verdadeira Cruz em Anjou.

A Cruz de Anjou foi reconhecida como Cruz de Lorena, apenas no século XV, graças a René I de Anjou, o Bom, Duque de Lorena de 1431 a 1453 que a difundiu pelos seus estados. Seu neto, René II, Duque de Lorena de 1473 a 1508, utilizou-a para atestar ser herdeiro direto de Godofredo de Bulhões e, portanto, do Reino de Jerusalém e para justificar suas pretensões sobre o Reino da Hungria, como herdeiro da Rainha Joana II.

René II escolheu como divisa para seu selo real: “Rinatus Dei Gratia Hungria Ierusalem et Siciliae Rex” ou “René pela graça de Deus, rei de Hungria, de Jerusalém e da Sicília”.

Na Batalha de Nancy, René II de Anjou ordenou que suas tropas utilizassem a Cruz da Hungria, para se diferenciarem do exército Borgonhês, que ostentava a Cruz de Santo André.

Ao fim da Guerra dos Cem Anos, em 1456, a relíquia retornou para a Abadia de “La Boissière”. Em 1790, foi transferida para o Hospício dos Incuráveis, de “Baugé”, “Maine-et-Loire” e escapou miraculosamente às destruições revolucionárias, local onde se encontra atualmente.

Hoje esta cruz aparece nas armas da Hungria, da Eslováquia e na bandeira eslovaca, bem como nas armas da Lituânia, no escudo do cavaleiro.

Desta forma, a Cruz de Anjou simbolizava que os Duques de Lorena eram duplamente cristãos, pois:

• Eram príncipes de um Estado cristão e como os conquistadores de Jerusalém;
• Era uma representação cristã de uma cruz comum de suplício com a tabuleta de inscrição, escolhida como símbolo da Paixão de Cristo;
• Era uma afirmação do poder dos Patriarcas do Oriente nos tempos de perseguições e da resistência da Fé contra todos os ataques;
• Era um símbolo das Cruzadas e da Cavalaria e, portanto, sempre da resistência e da honra da Fé;
• Era um símbolo dos direitos dos duques de Lorena sobre seus diversos estados e de suas pretensões sobre os reinados de Jerusalém e da Hungria;
• Era um símbolo da resistência da Lorena e do direito de permanência dos seus habitantes em sua terra, contra todos os seus inimigos.

VARIAÇÕES E FORMAS
A Cruz de Lorena, também conhecida como Cruz de Caravaca e Cruz de Borgonha, sendo uma relíquia cristã de origem espanhola.

Segundo a tradição, apareceu por milagre na cidade de “Caravaca de la Cruz”, Espanha, em 3 de Maio de 1232, e, por conter fragmentos do lenho da cruz de Cristo, eram-lhe atribuídos muitos milagres.
De acordo com a lenda, à época da Reconquista cristã da península Ibérica, a região era governada pelo sultão Abu Zeyt, onde na cidade de “Caravaca de la Cruz” havia prisioneiros, sendo um deles o sacerdote Gines Perez Chirinos, de Cuenga.

Manifestando Abu Zeyt curiosidade sobre as práticas católicas, decidiu presenciar uma missa, ordenando que o sacerdote cativo lhe celebrasse uma. No dia marcado, o governante reuniu toda a sua família e corte para presenciar a cerimônia, dando ordens para que fosse dado ao sacerdote tudo o que ele necessitasse para o culto. À última hora, o sacerdote lembrou-se de ter esquecido a cruz. Com temor e com vergonha, antecipando a punição por sua falha, viu surgir, do nada, na janela acima de si, dois anjos carregando uma cruz de dois braços, toda de ouro com pedraria.

Neste momento o sultão e todos os muçulmanos presentes, impressionados, converteram-se ao catolicismo.
Desde então, foram atribuídos vários milagres à cruz, que foi adotada por outros santos da Igreja Católica. A sua devoção chegou ao Brasil com Martim Afonso de Sousa, acredita-se que com os primeiros Jesuítas, que também a difundiram nas Missões. Nestas, destaca-se São Miguel, onde existe uma cruz feita pelos indígenas, e que é conhecida no Rio Grande do Sul, Brasil, como “Cruz Missioneira”.

O SIMBOLISMO CRISTÃO DA CRUZ DE LORENA

O símbolo da cruz, uma trave vertical com uma transversal, representa a Paixão de Cristo e o instrumento de tortura sobre o qual Jesus foi crucificado. Era costume dos romanos escrever em uma prancheta chamada “titulus crucis” e colocá-la sobre a cabeça do crucificado com o seu nome e o motivo de sua condenação. Assim foi colocada sobre a cabeça de Jesus a prancheta com a inscrição “I.N.R.I”.

Esta prancheta nominativa teria se desenvolvido, na segunda travessa horizontal da cruz dupla, pois, os romanos costumavam repetir a inscrição em latim, grego e hebraico nos títulos, o que torna o texto, longo o suficiente para justificar a utilização de um pedaço de madeira com um bom tamanho.

Os historiadores se esforçam para comprovar como verdadeira a relíquia de Santa Helena mantida na Basílica Santa Cruz, em Roma. Encontrada por acaso em 01 de Fevereiro de 1492, dentro de uma caixa de chumbo escondida em um nicho da igreja, a relíquia seria um grande pedaço da tabuleta da “Verdadeira Cruz” descoberta por Santa Helena no Calvário em 326.

Desde essa época, a cruz dupla aparece nas armas das cidades que pretendem demonstrar o seu apoio à Lorena. Ela também servirá como símbolos dos restabelecimentos católicos durante as guerras religiosas.

Nas batalhas, simboliza a proteção Divina e a luta pela manutenção da paz, culminando em um “religare”, com a lembrança de Cristo crucificado. Desta forma, a Cruz de Lorena expressa, na sua constituição simbólica a Iniciação, como um processo de Regeneração de um estado humano, instintivo, desordenado, material para um estado de consciência ordenado e espiritual, conduzindo os que desejam prosseguir no caminho da Regeneração. Sua simbologia tem grande ligação com os ideais de Cavalaria Espiritual, que a usou como símbolo principal, cuja função era de trazer o fortalecimento do Eu superior.

Na cor vermelha, representa o fogo, o calor, a intensidade e a ação, tanto nas doutrinas herméticas como nas muçulmanas. Assim, a cor vermelha simboliza também o sangue, em memória a união com o corpo de Cristo e ao simbolismo de seu martírio.
Em sua constituição, a cruz dupla por estar inscrita em um círculo, com o eixo vertical estabelece um meridiano que separa o Norte e o Sul. A barra horizontal mais curta como um trópico, que limita o solstício de verão, e a mais longa o equador, que representa o equinócio, simbolizando o conjunto o percurso do sol em um dos hemisférios. O círculo evoca o simbolismo da representação da Divindade Absoluta.

INTRODUÇÃO MAÇÔNICA

Apesar de estar normalmente relacionada aos valores e artefatos cristãos, há diversos símbolos em forma de cruz vinculados a Graus diversos, de vários ritos maçônicos.

No Rito Escocês Antigo e Aceito, a Cruz de Lorena é usada junto ao “ne varietur” dos Inspetores Gerais da Ordem, Grau 33. Também é encontrada nas Ordens Colaterais, como a Ordem dos Cavaleiros Templários, bem como a Ordem dos Sacerdotes Cavaleiros Templários do Sagrado Arco Real e Ordem da Sagrada Sabedoria (KTP).

Na época dos Grandes Comendadores do Templo, dos Cavaleiros Templários, um grande número de ocidentais e orientais, iniciou-se em seitas filosóficas ou religiosas, que se perpetuaram no Or∴ desde a antiguidade. Formaram-se então associações, tendo a pretensão de conservar as doutrinas secretas e os símbolos dessas Ordens, bem como valores morais e éticos. Preservando, esses símbolos a Maçonaria lembra a Cruz de Lorena, que nasce do cruzamento do fio prumo com o nível, símbolo do equilíbrio da inteligência com o amor. Nesta Cruz os quadrantes do mundo estão inscritos na circunferência do Planeta traçados por um compasso, relembrando o Maçom do emblema da medida e da justiça. Portanto, somente a partir da harmonia de um ponto central, onde não há dualidade, e onde se apoia o compasso é que se começa a traçar a Cruz de Lorena. Dada à importância desta Cruz na História da humanidade é que a Maçonaria preserva-a em seus Altos Graus.
“Nela se juntam o céu e a terra… Nela se confundem o tempo e o espaço… Ela é o cordão umbilical, jamais cortado, do cosmo ligado ao centro original. De todos os símbolos, ela é o mais universal, o mais totalizante. Ela é o símbolo do intermediário, do mediador, daquele que é por natureza, reunião permanente do universo e comunicação terra-céu, de cima para baixo e de baixo para cima.”

Introdicion au monde des Symboles, Paris, 1966, de Champeaux G.

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