Todos os sistemas humanos de organização são construções culturais. Os comportamentos e as relações sociais são condicionados por normas e costumes elaborados pelos seres humanos.

No entanto, enquanto o homem é associado à técnica, a abstração e a cultura, a mulher é associada à natureza. Francis Bacon fazia tal associação e preconizava que conhecer a natureza significava saber como dominá-la, explorá-la e colocá-la a serviço do homem, ou seja, conforme suas palavras: a natureza tem de ser acossada em suas vadiagens, sujeitada a prestar serviços, como uma escrava e o objetivo do filósofo natural é arrancar sob tortura, os seus segredos.

Algumas de suas nefastas ações levaram para a fogueira muitas mulheres acusadas de praticar bruxaria e magia. Talvez ele nunca tenha parado para pensar que a maior de todas as magias só pode ser feita pelas mulheres: dar à luz. Por que será que ele desenvolveu essa fobia pelo sexo feminino? Essa identificação simbólica da mulher com a natureza tem sido usada, ao longo do tempo, para mantê-la numa situação de ser subalterno.

Numa época em que não eram consideradas cidadãs, sabe-se que as mulheres sempre trabalharam, assumindo um papel importante no desenvolvimento das cidades medievais e o seu trabalho foi também importante nas primeiras indústrias. Nos séculos que antecederam o século XIX burguês elas foram excluídas dos direitos do cidadão, pois a sua universalidade não as incluiu.

O acesso à universidade e mesmo a outros graus de escolaridade era praticamente restrito a poucas mulheres. No período da Revolução Francesa, uma mulher teve grande destaque: Olympe de Gourges sugeria que deveria haver copresença política e social de homens e mulheres e uma mesma dignidade para ambos os sexos. Reivindicava o direito de exercer uma profissão além de lutar pela abolição da escravidão negra e da pena de morte e também uma atenção maior à maternidade.

Apesar da forte resistência masculina, as mulheres francesas conquistaram alguns direitos e a semente do feminismo começou a germinar com a criação de associações de mulheres revolucionárias. Em 1789, Olympe e mais 374 mulheres foram guilhotinadas, acusadas de comportamento masculino e esquecimento das virtudes do sexo feminino.

As conquistas femininas foram marcadas por avanços e retrocessos. Durante o século XIX, as diferenças de tratamento entre o homem e a mulher, no mercado de trabalho e no âmbito social, foram se tornando mais acentuadas. As mulheres recebiam salários menores e eram colocadas em segundo plano nos processos de decisão, nos locais de trabalho, nos sindicatos e nos partidos políticos. Eram ainda obrigadas a trabalhar em jornada dupla além de se submeterem às precárias leis de proteção à maternidade.

O mundo moderno vive sob a ótica do dinamismo patriarcal, castrador, organizador, militarista e autoritário. Em contraponto, temos o dinamismo matriarcal que possibilita uma proximidade entre o “eu” e o “outro”. Nesse dinamismo, o aprender não resulta em afastar-se do objeto a ser conhecido, mas interagir com ele para que, a partir dessa simbiose, possa ser captado em sua totalidade. Com o modo não dual de conhecer, o conhecedor se sente em comunhão com tudo o que é conhecido.

Ao longo do tempo, algumas mulheres ignoraram o dinamismo patriarcal e mergulharam, sem medo, no dinamismo matriarcal. Uma delas foi a polonesa Marie Curie que, com homens associados a esse dinamismo, como Pierre Curie e Henry Becquerel, abriram o caminho para o entendimento da radioatividade. Estabeleceram uma nova técnica para o estudo das substâncias radioativas. Em 1898, descobriram o elemento Polônio e foram laureados com o Prêmio Nobel de Física.

Quando do falecimento do seu esposo Pierre Curie, Marie Curie tornou-se a primeira mulher a ocupar uma cátedra na Universidade de Paris que antes era ocupada por ele. Em 1911, foi novamente laureada com o Prêmio Nobel, dessa vez de Química, pela descoberta do elemento químico Rádio. Durante a Primeira Guerra Mundial orientou a construção de veículos dotados de aparelhos de raios-X que eram utilizados para a detecção de fraturas dos soldados no campo de batalha. Ela era uma das pessoas que dirigia os veículos carinhosamente chamados de os pequenos Curies.

Outra mulher importante no campo científico foi Lise Meitner, física austríaca que, em 1939, com Otto Frisch, descobriu como funcionava o processo da fissão nuclear. Durante a Segunda Guerra Mundial foi convidada para fazer parte do Projeto Manhattan da fabricação da bomba atômica. A sua descoberta foi fundamental para o desenvolvimento do terrível artefato nuclear, porém como era pacifista recusou-se a participar de qualquer projeto para a fabricação da bomba.

Após a guerra, seu valor foi reconhecido e recebeu prêmios importantes como o Fermi, a medalha Max Planck e a medalha Leibniz. Em 1992, o elemento 109, produzido em reatores nucleares, recebeu o nome de Meitnério pela União Internacional de Química Pura e Aplicada.

Infelizmente nem sempre a carreira das mulheres na Ciência é algo fácil. O dinamismo patriarcal machista e preconceituoso tem causado vários dissabores às cientistas. Em 2006, o reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, causou polêmica entre os acadêmicos quando sugeriu que as mulheres possuem menor capacidade em Ciência e em Matemática do que os homens. Summers disse que a teoria de que os homens são naturalmente mais capazes que as mulheres em ciências é fundamentada em uma pesquisa e não em sua opinião pessoal.

Leda Cosmides, psicóloga da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, respondeu aos comentários de Summers dizendo que a evolução de fato forjou diferenças no modo de pensar e agir de homens e mulheres, porém tais diferenças não ajudam a explicar o porquê de haver mais pessoas do sexo masculino do que femininas em carreiras ligadas a Matemática e ciências exatas. Ao lembrar de Marie Curie e Lise Meitner, duas entre muitas brilhantes cientistas, percebe-se como foram infelizes as declarações de Mr. Summers.

É oportuno lembrar que em muitas situações as mulheres demonstram maior habilidade do que os homens no trato com determinadas máquinas, uma inegável evidência que as mãos femininas, afeitas aos trabalhos domésticos, podem também lidar com um torno com a mesma habilidade com que bordam e costuram. Ao comentar o preconceito machista do seu pai, Lygia Fagundes Telles cita a famosa frase irônica de Freud: “mas afinal o que querem as mulheres?” Diz então: “da minha parte eu quero apenas entrar para a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco”, respondi ao meu pai. Lembrei ainda que poderia trabalhar para pagar esses estudos.

Em nosso País, o acesso das mulheres às universidades tornou-se realidade apenas no século XX. Em 1837, foi criado, no Rio de Janeiro, o Colégio D. Pedro II, uma escola oficial que deveria atender a uma nova proposta: era exclusivo para rapazes e considerado padrão em excelência. Um ano depois, Nísia Floresta fundou, na mesma cidade, o Colégio Augusto Comte que causou polêmicas, por instituir uma educação feminina totalmente inovadora para a época. Funcionou por 17 anos ensinando francês, inglês, italiano, geografia, história e educação física.

Por se insubordinar contra a mentalidade patriarcal hegemônica da época, ao manter uma escola que se preocupava mais com a instrução do que o bordado e a costura, foi duramente atacada por seus contemporâneos positivistas adeptos do dinamismo patriarcal. Numa época em que o ensino superior era proibido para mulheres, a primeira brasileira médica formou-se no New York Medical College e, curiosamente, sob o patrocínio do Imperador D. Pedro II. Felizmente, com o passar do tempo, a situação foi mudando e hoje as mulheres trabalham e estudam em igualdade de condições com os homens em todos os níveis escolares.

Infelizmente ainda não é possível dizer que ao lado de uma grande mulher existe sempre um grande homem.

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