“E estando Jesus assentado defronte donde era o gazofilácio, observava ele de que modo deitava o povo ali o dinheiro; e muitos, que eram ricos, deitavam com mão larga. E tendo chegado uma pobre viúva, lançou duas pequenas moedas, que importavam um real. E convocando seus discípulos, lhes disse: “Na verdade vos digo, que mais deitou esta pobre viúva do que todos os outros que deitaram no gazofilácio. Porque todos os outros deitaram do que tinham na sua abundância; porém esta deitou da sua mesma indulgência tudo o que tinha, e tudo o que lhe restava para seu sustento.” (Marcos, XII: 41­44 – Lucas, XXI: 1­4).

Já no primeiro contato que temos com a Maçonaria, aquele que nos inicia nessa Instituição Sublime, ao tomarmos conhecimento do seu conceito e dos seus fins, tratar­-se de uma instituição essencialmente iniciática, filosófica, altruística progressista e evolucionista, que proclama a prevalência do espírito sobre a matéria e pugna pelo aperfeiçoamento moral, intelectual e social da humanidade, por meio do cumprimento inflexível do dever, da prática desinteressada da beneficência e da investigação constante da verdade.

Assim, desde nosso alvorecer maçônico, somos exortados à prática da beneficência, ato este com relevante destaque na solenidade da iniciação, ao nosso aprimoramento moral e intelectual, ao desenvolvimento espiritual mediante o exercício das virtudes e ao adormecimento dos vícios deletérios da matéria.
Mais adiante, ainda no processo iniciático, quando nos são explicados os deveres principais que somos obrigados a cumprir, novamente nos é esclarecido para dirigirmos os nossos atos pela esquadria, segundo os princípios da moral e da virtude, destacando­-se a prática constante da beneficência, assistindo nosso semelhante, fazendo a ele o que desejaríamos que ele nos fizesse, socorrendo e prevenindo suas necessidades.

Como se não bastasse, após a terceira viagem da iniciação, somos esclarecidos pelo Venerável Mestre que os atos de beneficência dos maçons, um de nossos deveres para com nosso semelhante, não devem ser revestidos de ostentação e vaidade, que supram o orgulho de quem dá e cubra de vergonha a quem os recebe. Diz o dirigente que o ato beneficente deve ficar sepultado em profundo segredo, posto que fazer a felicidade de alguém deve ter como testemunhas o céu e o coração.
Portanto, fica evidente logo no início de nossa vida maçônica, a importância que é dada pela instituição aos atos beneficentes.

E tal relevância a caridade e a beneficência também é reforçada nas normas que regem a Maçonaria Universal, sobretudo as que regulam as Lojas vinculadas ao Grande Oriente do Brasil. Senão vejamos.

O “caput” do artigo 1° da Constituição do GOB, ao conceituar a Maçonaria, a descreve como instituição essencialmente filantrópica, e seu parágrafo único estipula que são seus fins: a prevalência do espírito sobre a matéria, destacando que os maiores bens que o ser humano pode conquistar são os espirituais e não materiais (inciso I); o aperfeiçoamento moral, intelectual e social da humanidade, por meio da prática desinteressada da beneficência (inciso II); proclama que os homens são livres e iguais em direitos e que a tolerância constitui o princípio cardeal nas relações humanas (inciso III); defende a plena liberdade de expressão do pensamento (inciso IV); considera Irmãos todos os Maçons, quaisquer que sejam suas raças, nacionalidades, convicções ou crenças (inciso VI); determina que os Maçons estendam e liberalizem os laços fraternais que os unem a todos os homens esparsos pela superfície da terra (inciso VIII); condena a exploração do homem, os privilégios, as regalias, enaltecendo, porém, o mérito da inteligência e da virtude (inciso XII); e afirma que o sectarismo político, religioso e racial são incompatíveis com a universalidade do espírito maçônico (inciso XII).

À frente, no inciso IV do seu artigo 24, a Lei Maior destaca ser dever da Loja, nos limites de sua possibilidade, prestar assistência material e moral aos membros de seu Quadro, bem como aos dependentes de membros falecidos que pertencem a Loja.

E, por fim, ao prever os deveres dos Maçons, destaca no inciso VIII de seu artigo 29, que cabe ao Irmão haver­-se sempre com probidade, praticando o bem, a tolerância e a solidariedade humana.

Nesse mesmo diapasão, o Estatuto de nossa Loja Trabalho em Perfeito Silêncio, N. 2729, no §3° do artigo 1°, assim como no §2° do artigo 1° do Regimento Interno, deixa claro constituir seu objetivo ser uma instituição altruística, filantrópica, que tem por finalidade, dentre outras, praticar a beneficência do modo mais amplo possível, especialmente a assistência social aos menos favorecidos.

Mas o que é beneficência? E mais, o que é a beneficência no seu “modo mais amplo possível”, tal qual descrita no Estatuto de nossa Loja e exigida como um de nossos objetivos? Para seu cumprimento bastaria o adimplemento de nossa contribuição mensal na Loja? Seria suficiente apenas a participação no Tronco de Solidariedade, depositando os metais semanalmente? Enfim, o ato de caridade se exaure apenas com a doação daquilo que é material?

Segundo nossos dicionários, beneficência é toda ação, comportamento ou tratamento que denota o bem; causar o bem ao próximo; benfazer ou benfeitoria. Ato de beneficiar outrem; filantropia. Tendência para o bem. Confunde-­se, portanto, com a caridade.

Levando em consideração apenas o significado gramatical de beneficência ora visto, de pronto notamos ir ela muito além da mera contribuição material. Podemos ser beneficentes sem dispormos de um real ao acolhermos um irmão que sofre as dores espirituais, morais e não materiais (ex: aquele que perde um parente próximo. Basta somente um abraço fraterno para acolhê-lo e confortá-­lo e, assim, ajudá­-lo). Em outras ocasiões apenas um sorriso ou alguns minutos de conversa são mais que suficientes para auxiliar outrem.

Utilizando-­se do exemplo deixado por Jesus, o maior espírito de luz que encarnou no orbe terrestre, o verdadeiro sentido da palavra caridade seria benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas.

Eis a verdadeira beneficência: ser complacente para com todos os Irmãos, Maçons ou não, afinal somos todos filhos de um mesmo Pai, o Grande Arquiteto do Universo; ser tolerante para com os vícios alheios, pois todos nós somos imperfeitos e falhos e, assim como os outros, erramos; e perdoar os equívocos do outro, pois temos a consciência de que ainda somos ignorantes, que temos muito a nos aperfeiçoarmos moral e intelectualmente.
Enfim, podemos resumir a beneficência no maior mandamento legado pelo Grande Mestre: “Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. A lei do amor, eis a caridade plena.
A verdadeira beneficência, assim, não se restringe ao ato de doar o supérfluo, de dar aquilo que nos sobra, isso é esmola, mas abrange todas as relações (materiais e imateriais, pecuniárias ou não) com os nossos semelhantes, quer se tratem de nossos inferiores, iguais ou superiores. Ela nos manda ser indulgentes, tolerantes, porque temos necessidade de indulgência, e nos proíbe humilhar o infortúnio, ao contrário do que comumente se pratica.

Como bem expressado na liturgia iniciática, a verdadeira caridade, a beneficência plena, é praticada de forma desinteressada, não devendo ser um ato de ostentação e vaidade, que supram o orgulho de quem dá e cubra de vergonha a quem os recebe. Caridade é o ato que se faz respeitando o amor­ próprio e a dignidade humana do assistido, os infortúnios ocultos são os que a verdadeira generosidade descobre, sem esperar os gritos dos desesperados. Assim também consta nas escrituras sagradas:
“Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para serem vistas, pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos céus. ­Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Digo-­vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará”. (S. MATEUS, cap. VI, vv. 1 a 4.)

Entretanto, além de ser praticada em silêncio, a real beneficência deve ter em seu conteúdo algo além da disposição do supérfluo, pois ela é distinta da esmola, esta sim a doação daquilo que não nos tem mais valia. A caridade mais cara consiste em dar ao faminto não apenas a códea de pão que lhe mitigue a fome, mas também, o carinho da palavra fraterna com que lhe restaurem as energias. Não devemos entregar aos desassistidos, abandonando-­os à intempérie, a peça que sobra ao vestiário opulento, mas devemos, sobretudo, agasalhá-­lo com nosso sorriso espontâneo, a fim de que se reerga e prossiga adiante, revigorado e tranquilo.

Não poucas vezes o ato de caridade pode e deve ser exercido na nossa própria família, dentro da nossa casa. Quantas vezes dedicamos nossa vida as coisas alheias, olvidando, ou até mesmo para intencionalmente deixarmos subjacentes, os problemas existentes no lar? E mais, quantas vezes deixamos de ser caridosos para conosco, pouco nos importando com a saúde, com nosso aprimoramento moral e intelectual? A beneficência deve começar para conosco e para com aqueles que nos rodeiam, compreendendo uns aos outros, aceitando nossas diferenças, respeitando as convicções alheias, ouvindo alguém que consideramos menos sábio, mesmo porque, ainda que tal pessoa possa ser desprovida de vasto conteúdo intelectual, poderá guardar lindas lições morais, mais importantes que as intelectuais.
O caridoso é aquele dotado do espírito de servir, tal como Zilda Arns, Madre Teresa de Calcutá, Francisco Cândido da Silva Xavier, tal como Jesus Cristo, almas que abdicaram as necessidades materiais (imaginárias) em prol da necessidade real, consistente em amar ao próximo.

O verdadeiro tesouro não está na matéria. “Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; mas ajuntais tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não consomem, e os ladrões não minam e roubam” (MATEUS cap 6.vers 19,20).

Estimados Irmãos, em suma, a beneficência é muito maior que a esmola. Ser caridoso é ser profundamente humano e aquele que nega entendimento ao próximo pode inverter consideráveis fortunas no campo de assistência social. Ser beneficente é amar, servir, doar, sem ver a quem. Só assim agindo poderemos contribuir para a tão sonhada evolução moral da humanidade, principal finalidade da Ordem, eis que dessa forma exerceremos a maior das virtudes: o amor pleno e incondicional por meio da beneficência.

A verdadeira caridade provém daquele que não apenas dá o que sobra, mas divide o que tem, tal qual a exercida pela viúva na epígrafe da presente peça.
Não poderia encerrar o trabalho sem fazer referência ao paladino da caridade, São Francisco de Assis:

“Senhor, fazei-­me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor,
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão,
Onde houver discórdia, que eu leve a união,
Onde houver dúvida, que eu leve a fé,
Onde houver erro, que eu leve a verdade,
Onde houver desespero, que eu leve a esperança,
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria,
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais
consolar que ser consolado;
compreender que ser compreendido,
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe
é perdoando que se é perdoado
e é morrendo que se nasce para a vida eterna”
(Oração de São Francisco de Assis) .

Amados Irmãos, é dando que se recebe…

BIBLIOGRAFIA

– Constituição do Grande Oriente do Brasil;
– Ritual do Rito Adonhiramita – 1o Grau – Aprendiz Maçom;
– Estatuto e Regimento Interno da Loja Trabalho em Perfeito Silêncio GOB – Rondônia, Vilhena.

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