No estudo “Um Abreviado da Virtude”, concluímos que era possível estender a pesquisa nos campos da filosofia e das ciências humanas, mas nos damos por satisfeitos “com a feliz ponderação do sábio grego Aristóteles, que situou a virtude num ponto de equilíbrio entre os extremos do vício, e, especialmente, nos satisfez a iluminada palavra do apóstolo Pedro, que ligou a fé à virtude, enleando qualidades essenciais ao ser humano – a perseverança e a piedade e o domínio próprio (ou a temperança…) –, cadeia de qualidades que finalizam com a fraternidade e o amor. Assim, a virtude é o axioma, o ponto de partida, para se chegar ao amor fraterno. Por fim, ficou entendível que a virtude é o elo que nos aproxima do divino. Nisso, eminentes irmãos, somos todos eternos aprendizes…”.

Entende-se que é fundamental compreender que, ao ligar a fé à virtude, não significa dizer que a virtude seja uma oferta divina, muito menos que é necessário ter fé para se “receber a graça” da virtude. Esta não se obtém com orações, mas, sim, com esforço, sabedoria, determinação, equilíbrio e foco no amor fraternal.

Em que pese ainda ser um abreviado do tema, dada sua amplitude, é objetivo deste estudo dar fôlego à compreensão das virtudes, passear no jardim de ilustres pensadores da humanidade e de destacados vates da filosofia e, em particular, observar os alertas que nos deixaram, a fim de se evitar armadilhas, quando o desejo irrefreável de praticar o bem compromete o convívio, a harmonia e a fraternidade.

Para início de conversa, um retrocesso no tempo encontra Confúcio, um século e meio antes de Aristóteles, antecipando-se a este, ao afirmar que A virtude está no meio. Quem a ultrapassa não logra mais que os infelizes privados de alcançá-la.

Assim também, Platão, mestre de Aristóteles, ensinou: As grandes naturezas produzem grandes vícios, assim como grandes virtudes.
O sábio Aristóteles deu amplitude ao tema e nos brindou com pioneiro e sólido estudo sobre as virtudes, acautelando-nos, seres acomodados que somos: Quanto à virtude, não basta conhecê-la, devemos tentar também possuí-la e colocá-la em prática.
A virtude é semelhante ao macarrão, os chineses pleiteiam a invenção, mas foram os italianos que o desenvolveram e o espalharam pelo mundo. Entender a virtude passa obrigatoriamente pelo grego Aristóteles e por Jesus Cristo. Não há como resumir os ensinamentos de Jesus Cristo, não me permito o atrevimento, é necessário que cada um se dedique à leitura de suas palavras. Para dar fôlego ao início deste estudo, basta citar a frase mais brilhante, sábia e importante que ele deixou para a humanidade: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.
Trezentos anos depois de Aristóteles e há mais de dois mil anos, Lucius Annaeus Sêneca adverte-nos: A virtude é difícil de se manifestar, precisa de alguém para orientá-la e dirigi-la. Mas os vícios são aprendidos sem mestre. Na prática diária, pais e mães se deparam com essas situações quando, após longos anos de educação, veem os filhos tomando rumos inesperados e pouco aceitáveis. Seria permitido pensar que bastaria um “clique”, um flerte do tinhoso, para que alguém abandone suas virtudes e ingresse no vício, no crime? Quando isso ocorre, tal se dá por falta de virtude ou por “fraqueza genética/hereditária” do caráter? Há pessoas que se regozijam com a maldade desde tempos imberbes, não são sensíveis à educação e às demonstrações de amor; há outras, dotadas de fraquezas, equipadas com uma formação moral saltitante, que acabam conduzidas pelas velas da perversidade. A estas, cabe-nos conduzir e soprar bons ventos. Reforçando as palavras do irmão Sigmund Freud, O caráter de um homem é moldado pelas pessoas que escolheu para conviver. Escolheu ou foi escolhido, como ocorre com os inocentes.

Sêneca deixou uma segunda advertência para os que se preocupam com o passado e o futuro e deixam de viver o presente: Há pessoas que não param de se atormentar com lembranças das coisas passadas; outras se afligem pelos males que virão. É tudo absurdo, pois o que já aconteceu não nos afeta e o futuro ainda não nos toca…

Devemos contar cada dia como uma vida separada. Embora não seja verdade sua afirmação de que o passado não nos afeta, como também a prevenção dos males que virão, são distintos o papel da ciência e o da medicina preventiva. Nesta vertente, viver o presente é o meio-termo, um referencial de equilíbrio consciente entre o passado e o futuro.

Em sendo a virtude o ponto central de um alvo, errar é sempre mais fácil… Em Ética a Nicômaco, de Aristóteles, lê-se que os homens são bons de um modo só e maus de muitos modos. Neste momento, fermentam em nossas mentes contemplações sobre as múltiplas facetas do mal. Seguem-se duas terríveis reflexões: o poder do mal é realmente apavorante!? O mal apresenta tantas facetas que não somos capazes de fechar todas as portas!?

Como alertou o poeta espanhol, precursor do realismo, Miguel de Cervantes, A virtude é mais perseguida pelos maus do que amada pelos bons. A vigilância do mal e o zelo do bem, além da prática das virtudes, são atitudes imperativas, princípios a serem cotidianamente perseguidos. Sem beirar o absurdo, porém, é crível pensar que um descomedido esforço poderá ultrapassar o ponto e esfacelar o alvo.

Nas palavras do Barão de Montesquieu, A própria virtude precisa de limites. Se assim diz o filósofo francês, também os poderes e os homens que os exercem necessitam de limites. Ao longo da história da humanidade, vê-se que os sábios e os grandes pensadores já teorizavam sobre a virtude e o bem-estar dos indivíduos.

Afirmava Platão que o homem perde sua virtude se concentrar todos os poderes em suas mãos, daí ser imprescindível uma divisão das funções e dos poderes do Estado. Essa ideia também aparece em Aristóteles e será mais enfaticamente desenvolvida por John Locke e Montesquieu.

Embora não tenha chegado a formular uma teoria sobre a separação dos poderes, Aristóteles distinguia três funções na polis, provavelmente com base na organização da república ateniense: uma deliberativa, exercida por uma assembleia de cidadãos, que decidia sobre grandes questões de interesse público, como declarar a guerra e a paz; outra, executiva ou administrativa; e outra ainda, a judicial, que resolveria litígios e conflitos de interesses. Aristóteles, no entanto, não recomenda a separação total no exercício dessas funções.

A ideia de separação dos poderes, visando a um limite e ao equilíbrio entre estes, parece surgir na república romana com o sistema de atribuir a cada um deles uma função específica: a do Senado, a dos cônsules e a do povo.

Para o estagirita, o fim último do Estado é a virtude, isto é, a formação moral do indivíduo. Vincula a política à virtude e ao bem, e esta é algo que se deve atingir por meio da organização e da ação coletiva, não sendo possível ser feliz sem ser virtuoso. A virtude é, pois, uma prática, não um dom da natureza, um hábito que pode ser adquirido pela aprendizagem e que se aperfeiçoa ao longo da vida, devendo assim ser objeto da educação.

No final do século XVII, John Locke distingue três funções do Governo: uma legislativa, uma executiva e uma federativa. Locke, no entanto, atribui à primeira as funções do legislador e a do juiz, e à federativa, as relações internacionais, que se concretizam por meio de “alianças” – foedus, foederus:

“federação”, “federativo”. Cabe-lhe o mérito de enfatizar a indelegabilidade de poderes, estabelecendo assim limites para as funções de cada um, a separação total entre o Estado e a igreja, o direito à propriedade, a revolução contra a tirania.

É, porém, com Montesquieu que surge e se aperfeiçoa a doutrina da separação dos poderes, buscando a divisão das suas funções, estabelecendo limites à atuação de cada um, visando à liberdade e à segurança das pessoas e contribuindo para melhorar a relação entre governantes e governados. Dizia o filósofo francês que qualquer pessoa que tenha poder tende a abusar dele. É preciso que o poder seja contido pelo poder, para que não haja abuso.

Concretizando essa teoria, cabe ao executivo a função de administrar, ao legislativo, a de legislar e editar normas em nome do povo, e, ao judiciário, aplicar as leis em caso de litígio e dirimir os conflitos. Desse conceito, surge o “sistema de freios e contrapesos” ou checks and balances, que prevê independência, harmonia e equilíbrio entre os poderes, e pelo qual um poder conteria o outro, impedindo o abuso de qualquer deles, o que nada mais é do que a extensão do princípio de que até a virtude necessita de limites.

A compaixão é certamente uma virtude, mas considere-se a ponderação feita pelo poeta e escritor francês Victor Hugo, autor de Os Miseráveis e de O Corcunda de Notre-Dame,: A compaixão nem sempre é uma virtude. Quem poupa a vida do lobo condena à morte as ovelhas. Brilhante raciocínio, mas chega a dar arrepios. Afinal, quem são os lobos e quem são as ovelhas? Como identificar lobos e ovelhas num mundo tão conturbado pela imunização cognitiva, ideológica, e pelo interesse econômico selvagem? Como discernir os lobos que compartilham o mesmo teto de um povo? Como perceber os detratores, os invejosos e os loucos, cuja lógica foge ao entendimento dos homens e para os quais não temos solução? Resta-nos recorrer à sabedoria de Salomão, que, ao buscar a verdade, tomou uma atitude corajosa para decidir com justiça o destino de uma criança. A verdadeira mãe manifesta seu amor, ao renunciar ao filho para poupar-lhe a vida. Amor implica renúncia. Salomão descobre então qual das duas mulheres que disputavam a criança era a mãe-lobo.

O que dizer do poder que, para alguns, é tudo, tal como expresso por Napoleão Bonaparte em sua máxima: Para governar, é preciso aproveitar-se dos vícios dos homens, não de suas virtudes. Quantos Napoleões “camaleiam-se” entre nós? Desavergonhados, sem mudar a cor da tez miúda, manipulam e travestem vícios em supostas virtudes, iludindo os incautos, como é próprio desses canalhas sociais. Um pouco nesse sentido, o físico, astrônomo e matemático inglês Isaac Newton, além de contribuir com a famosa lei da gravitação universal, afirmou: Virtude sem caridade não passa de nome.

O fabulista grego Esopo tão bem disse que A gratidão é a virtude das almas nobres, e o historiador e sacerdote do templo de Apolo, Plutarco, mostrou-nos sua candura em O amor ensina-nos todas as virtudes. Essa faceta se reforça com a pureza do pensador e referencial do espiritismo, Allan Kardec: O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes.
Fato é que não se pode ser inocente diante dos déspotas que povoam o mundo em que vivemos… Por vezes, há que ser vesgo de ouvidos, um escutando o derredor, e o outro perscrutando a sabedoria do universo.

Alguns alertas especiais
Nas palavras iluminadas do dramaturgo francês Jean-Baptiste Poquetin, conhecido como Molière, Todos os vícios, quando estão na moda, passam por virtudes. Assim o foram o ópio e a cocaína, medicamentos fabricados e usados em passado recente no tratamento médico, e assim o são atualmente a maconha medicinal, a televisão ideologizada, o celular – esse senhor de engenho moderno – e o cartão de crédito, que oferta poder e alimenta a cobiça adormecida em cada um, quase invariavelmente seguida de escravidão financeira, do caos pessoal e da desagregação familiar.

Não se trata de condenação geral e irrestrita da modernidade ou saudosismo vulgar, nem excesso de moralidade. Muito menos, de aceitar que tudo pode ser uma maconha medicamentosa. Para tudo, há que ter ponderação e equilíbrio. No mundo moderno, não ter celular ou ser escravizado por ele são extremos danosos que, da mesma forma, penalizam o indivíduo, quer por falta, quer por excesso. Mediania!

Conhecemos o matemático Pitágoras pelo teorema que leva o seu nome, mas, no agora, faz-se oportuno o alerta desse grego, que é também filósofo: A prudência é o olho de todas as virtudes. A prudência é o norte do bom médico, que, diante de um novo tratamento ou procedimento, aguarda um pouco para adotá-lo, especialmente se já existe uma opção tradicional e consagrada. O tempo desse “pouco” é o ciclo da ciência que contesta ou referenda as descobertas.

É oportuno considerar a irônica crítica do filósofo Friedrich Nietzsche: É pelas próprias virtudes que se é mais bem castigado. Visto por alguns como uma afronta à religião, uma apologia ao vício, ao crime e aos maus costumes, prefiro entender como uma crítica eivada de requintada ironia. Basta lembrar o sofrimento dos inocentes, humildes, incautos, pobres de espírito e desprovidos de maldade, calcado goela abaixo por tiranos e crápulas de variadas seitas e religiões, travestidos de autoridade, por vezes em nome do deus deles, quando sempre atendendo a interesses estritamente pessoais. Não estou falando apenas das frituras na fogueira, mas da crueldade imposta a milhões de pessoas martirizadas, que sofrem no dia a dia, condenados em nome de deus por fanatizados “juízes portando a toga da virtude eclesiástica”, piores do que criminosos comuns, porque o fazem em nome da fé, proveitosos da inóspita inocência do povo simples da terra. Há também os governantes e os políticos acobertados nos esquemas de corrupção e poder, uma espécie de lobo terrificus.

Poderíamos optar pelo hedonismo, pela vida desregrada e fácil, como recomendou o criador do simbolismo, provavelmente inspirado em Rubayat, o pioneiro escritor simbolista francês Charles Baudelaire, um hedonista, de sórdida ironia, que disse: Embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia e com virtude.

Alongando o exemplo aqui citado, a famigerada cocaína já foi produzida pelo Laboratório Merck e indicada para tratamento médico. Sigmund Freud, que defendia seu uso em situações como a histeria, custou a admitir seus efeitos nocivos. Freud foi iniciado na “Loja Wien” da maçonaria Judaica B’rai B’rith (Os Filhos da Aliança), em 29/09/1897. Médico dotado de prodigiosa inteligência, pessoa digna e honrada, foi levado pela crença nos benefícios da droga e insistiu no seu uso, pois ainda não se conheciam seus efeitos colaterais devastadores. Daí, os vícios, quando na moda, passam por virtude e, sob as barbas do bem, por vezes, embalados e amamentados por ele.

Contemporâneo de Sigmund Freud, o grande psiquiatra e também nosso irmão Carl Jung deixa bem claro que Toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou idealismo. Se considerarmos que quem por caridade poupa o lobo, impensadamente, condena as ovelhas, até as mais nobres virtudes devem ser ponderadas de acordo com cada situação.

Isto posto, caro leitor, vamos em frente, pelo perdão em sua forma mais sublime, tomando como incentivo as palavras de Voltaire: Perdoar aos nossos inimigos as suas virtudes –este, sim, é um grande milagre.

Vamos então pela paz, lembrando Baruch Spinoza, quando afirmou que A paz não é a ausência de guerra; é uma virtude, um estado mental, uma disposição para a benevolência, confiança e justiça. Vamos, ainda, fazer-nos reais pela gratidão, nas palavras de Cícero: Um coração agradecido não é somente a maior das virtudes, ele é também a origem de todas as outras.

Muito difícil é de se concluir, pois viver não é fácil, exige coragem, perseverança e sabedoria. O iluminado Allan Kardec incentiva nosso dia a dia: Nada é tão grande que não possa ser alcançado, e nada é tão pequeno que não seja importante.
Como bem disse Sêneca, Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida, complementado com a reflexão maçônica: Deixemos a pequenez da pedra bruta no retrovisor das virtudes para focar no horizonte do homem polido.

Na história conhecida de Jesus Cristo, pode-se encontrar a demonstração prática de todas as virtudes, destacando-se a adoção pioneira dos excluídos e a igualdade das mulheres.

Assim, com isso, ilumina-se a compreensão das virtudes. Em Jesus, temos a completude da pedra polida, a demonstração de que é possível. Nas experiências e nos alertas, encontram-se as orientações para a tomada de decisões, evitando-se, ainda que nas melhores intenções, a prática do danoso, quando se ultrapassa a fronteira das boas intenções, pisando no lamaçal dos péssimos resultados. São ocasiões em que, no afã desejoso de praticar a bondade, ofusca-se a sabedoria e obtém-se a estupidez. Por bondade, pode-se perdoar, mas não se pode descriminalizar o crime! A responsabilidade pelo vício é do viciado, tanto quanto a do crime é do criminoso. Podemos e devemos perdoar e ajudar a todos, mas não devemos assumir suas mazelas, tornando a nossa vida um sanatório social, e, com isso, perturbando e penalizando o convívio fraterno dos irmãos e das famílias. Afinal, quem por compaixão ou caridade poupa a vida do lobo condena à morte as ovelhas…

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