Vivemos em uma sociedade capitalista, conturbada e próxima da saturação demográfica, que, de maneira exponencial, aumenta sua demanda pelo consumo e acumulação de bens. Essa conformação de convívio humano em cidades cada vez mais avultadas obriga as pessoas a viverem geograficamente mais próximas, porém as tornam socialmente mais distantes. O cenário gerado é de elevado estresse e competitividade por cada detalhe corriqueiro do cotidiano, o que altera as boas relações de conduta interpessoais. Tal processo ocorre gradativamente nas bases morais do indivíduo, dando-lhe disposição de espírito que inspira e alimenta ações maldosas e voluntariamente praticadas, sobre um fundamento de mentiras autoincutidas, que só servem para justificar sua própria consciência diante dessas atitudes. A isso, dá-se o nome de má fé.

Como disse o filósofo medieval Agostinho: “Não é tanto o que fazemos, mas o motivo, pelo qual fazemos que determina a bondade ou a malícia.” A má fé é o oposto da ética, pois enquanto aquela se caracteriza por ser uma ação com finalidade individual e egoísta, esta se prima pelo zelo da convivência coletiva. É um campo de estudos que busca direcionar as relações entre os seres humanos e o seu modo de ser, pensar e, principalmente, de agir dentro de um determinado contexto. O comportamento ético é aquele considerado adequado, correto e permitido por uma organização. Não se trata de uma propriedade ou de um ser em si mesmo, mas de um conjunto de princípios que orientam a conduta de um grupo, assim como uma inteligência compartilhada a serviço do aperfeiçoamento da convivência.

Diferente do que muitos pensam, a ética não é um saber pronto e acabado com todas suas condutas elencadas, pois se assim fosse, estaria obsoleto no dia seguinte diante de cada nova situação, visto que as escolhas dependem das circunstâncias que abrangem aquele momento. O mundo se resulta das escolhas que fazemos, portanto se não existissem sempre novas opções, ele não se alteraria e não haveria evolução. No entanto, essa é uma questão que envolve cada cultura, cada tempo e é impossível de ser padronizada universalmente. A tentativa mais bem sucedida de globalizar a ética foi com a assinatura da carta de direitos Humanos de 1948, apresentada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, evento que dizimou mais de 85 milhões de pessoas, sendo considerada a maior demonstração, de desrespeito, à vida e à dignidade na trajetória das civilizações.

A humanidade deveria ter aprendido com a história e todos seus conflitos, sofrimentos, perdas materiais, territoriais e humanas, que a felicidade em sociedade só pode ser alcançada através da “excelência moral”, expressão que foi conceituada há mais de 300 anos a.C. por Aristóteles, como sendo a supressão dos vícios de falta e dos vícios de excesso. Trata-se de uma disposição inicial que se deve ter para submeter às vontades individuais ao crivo social da convivência, e somente satisfazer esses apetites se não forem lesivos a esse patrimônio coletivo. Em outras palavras, “vencer as paixões, submeter à vontade e então fazer novos progressos…”. Assim como consta no Livro da Lei, em Paulo 6:12 – “Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém”, o homem pode fazer o que quiser, pois é livre para escolher, portanto não deve fazer aquilo que o envergonhe ou prejudique a sociedade. Essa sentença vai ao encontro da máxima do filósofo alemão Immanuel Kant que diz: “Tudo que não puder contar como fez, não faça”. Simples assim, pois se há razões para não contar, normalmente essas são as mesmas razões para não fazer. São os princípios morais.

A moral pode ser entendida como um conjunto de costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade. Essas regras orientam cada indivíduo, norteando as suas ações e os seus julgamentos sobre o que é moral ou imoral (em um sentido amplo), certo ou errado, bom ou mau. Como também afirmou Kant: “A moral, propriamente dita, não é a doutrina que nos ensina como sermos felizes, mas como devemos tornar-nos dignos da felicidade”. Quando o cidadão escolhe agir ignorando essas normativas, ele espera não ser descoberto, porém assume esse possível constrangimento. Se assim o for, ele experimenta um modelo bem particular de sentimento: A vergonha. Um tipo de tristeza determinada por um atributo flagrado em si mesmo que tem como causa o próprio eu. É um afeto moral por excelência, pois era sabido que não deveria ter sido feito, mesmo antes da ideia do ato ter sido concebida.

O maior risco de praticar copiosamente essas ações cada vez mais frias e egoístas é o de se perder a sensibilidade a essa vergonha. Tornar-se blindado, um autista moral imune à própria consciência. A pessoa age mal e já não se incomoda com isso. Flagra-se sórdida e já não se apequena mais. Nesse ponto a pessoa torna-se uma despudorada coberta com uma crosta afetiva, que a converte em um enorme risco social, pois afeta os valores coletivos.

Parafraseando o filósofo francês Edgar Morin, a complexidade de valores é a garantia da liberdade, pois possibilita as escolhas e afasta o determinismo. Sendo assim, a sociedade é construída a partir das escolhas conscientes ou não que são tomadas, e o seu destino será o resultado direto dessas escolhas. Seria bom em alguns momentos não ter que escolher, contudo o ser humano sempre se verá diante de encruzilhadas ou incômodas bifurcações de opções onde terá que escolher apenas uma. Sendo complexo ou simples, esse universo de possibilidades plenas causa uma sensação psicológica de sufocamento, insegurança e ansiedade. Tal sentimento é a angústia, que é experimentado toda vez que a pessoa percebe que é livre e que deve escolher, porém essa escolha não é tranquila, pois para realizá-la, deve-se atribuir valor, e para isso é necessário ter uma referência de comparação e de contraste. Uma pessoa que vive situações cotidianas sem ter dilemas está distraída em relação aos valores pelo qual ela as faz, pois a escolha sempre antecede a ocasião.

Reescrevendo um antigo aforismo, a ocasião não faz o ladrão, ela apenas o revela, pois ele já havia feito à escolha de o ser, antes da ocasião surgir. O indivíduo faz suas escolhas e suas escolhas fazem o indivíduo. Quanto mais o agir dignamente se tornar um hábito, maiores as chances de se alcançar a excelência. Não nascemos com a virtude ética, mas a natureza humana é capaz de adquiri-la e aperfeiçoá-la. É um esforço pessoal contínuo e constante, onde a vaidade deve sempre ser considerada sua maior inimiga e sempre deve ser mantida nas mais profundas masmorras, assim como o orgulho, que “é a fonte de todas as fraquezas, por que é a fonte de todos os vícios”. (Agostinho)

Diante de tantos conceitos abstratos, pode parecer difícil definir como agir corretamente nos variados momentos vividos em sociedade. De fato a definição não é simples, porém a ação sim. Basta que alguns aspectos sejam analisados.

A Maçonaria é uma Ordem iniciática e ritualística, progressista e filantrópica, fraterna e universal, cujo objetivo essencial é o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros, mas também a defesa da moral universal, com vista à edificação de uma sociedade mais livre, mais justa e igualitária. Assim, promove uma melhor convivência da sociedade através da disseminação da boa conduta dos maçons, lapidada gradativamente por meio dos ensinamentos da Ordem. “Urbi et orbi ”. Portanto, os obreiros da Arte Real, como representantes de toda a Maçonaria, devem ter como obrigação pessoal a observância da cidadania, ou seja, o conjunto de direitos e deveres pelo qual o cidadão está sujeito no seu relacionamento com a sociedade em que vive. Além disso, sem a intenção de fazer um tolo elogio à questão do amor ao próximo, vale salientar a importância desse sentimento fraternal como pilar fundamental para todas as ações de boa fé. Como afirmou Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama: “Amor, compaixão e preocupação pelos outros são verdadeiras fontes de felicidade”. Do mesmo modo, o Livro da Lei faz várias menções referentes a esse sentimento e ao convívio social, como descrito em Romanos 14:19 – “Por isso, esforcemo-nos em promover tudo quanto conduz à paz e à edificação mútua”.

Para isso, é necessário que haja tolerância. Aliás, essa palavra significa suportar, aguentar, consequentemente o vocábulo mais eticamente adequado seria “acolhimento”. Acolher, em uma livre interpretação, significa “eu te recebo em mim como igual”. Soma-se a tudo isso o conceito do Olho que tudo vê: “O S∴A∴D∴U∴ observa e guarda seus filhos constantemente em todos os momentos e em todos os lugares”, e, então partindo dessa premissa, não só parece prudente, como se torna imperativo dedicar todas as ações diárias a Ele, a fim de se escolher sempre as condutas mais justas e perfeitas. Dessa forma é demonstrado também no Livro da Lei em 1 Coríntios 10:31 – “Assim, quer vocês comam, quer bebam, quer façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus.”

O que é pensado não muda nada além do próprio pensamento, mas o que é feito a partir disso, muda tudo, logo é importante propagar a ética, a moral e a cidadania a todo o momento e em todos os lugares, pois a partir das mais ínfimas atitudes despretensiosas de amor e respeito ao próximo, grandes ações poderão ser inspiradas para reinventar o mundo.

Há um ditado chinês que diz que, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando um pão, ao se encontrarem, eles trocam os pães; cada um vai embora com um. Porém, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando uma ideia, ao se encontrarem, trocam as ideias; cada um vai embora com duas.

Quem sabe, é esse mesmo o sentido do fazer do maçom: repartir ideias, para todos terem pão. O ritual do Grau de Aprendiz do Rito Brasileiro diz que: Um Maçom pra ser completo, deve ser educado, ativo, estudioso, verdadeiro e firme, e possuir espírito público. Em termos singelos, ter espírito público significa colocar os interesses da comunidade acima de interesses pessoais ou de grupos.

À vista disso, se toda jornada começa com o primeiro passo, então comece com sua família e seus amigos, e logo perceberá a mudança do mundo a partir do seu lar.

O Senhor dá força ao seu povo;
O Senhor dá a seu povo
a bênção da paz.
Salmos 29:11

BIBLIOGRAFIA

1. Ritual: 1º Grau – Aprendiz Maçom – Rito Brasileiro Grande Oriente do Brasil. São Paulo, 2009
2. Simões, Carlos. O Rito Brasileiro.
1º ed. – São Paulo: Ed. A Gazeta Maçônica, 2000.
3. A Bíblia Sagrada. Traduzida por João Ferreira de Almeida. Brasília – DF: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.
4. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição revisada e ampliada. São Paulo: Ed. Paulus, 1985.
5. Barros Filho, Clóvis de & Pompeu, Júlio. A filosofia explica as grandes questões da humanidade. 1º ed. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.
6. Barros Filho, Clóvis de & Cortella, Mario Sergio. Ética e Vergonha na Cara! 1º Ed. – Campinas – SP: Papirus 7 Mares, 2014.
7. Barros Filho, Clóvis de & Karnal, Leandro. Felicidade ou morte. 1º Ed. – Campinas – SP: Papirus 7 Mares, 2016.
8. Reale, Giovanni. Metafísica de Aristóteles – Vol. IV traduzido por: Cláudio de Lima Vaz, Henrique & Perine, Marcelo. 9º Ed. – São Paulo – SP: Loyola, 1992

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