A Maçonaria, sendo algo sério, não tem que ser sisuda. Os maçons tratam do que é sério com seriedade, mas também sabem descontrair, brincar e utilizar o humor para evidenciar pontos de vista, quando é o momento e o ambiente para tal. O episódio que vou contar é uma demonstração disso mesmo. Ocorreu recentemente, no decorrer de um ágape da Loja Mestre Affonso Domingues.

Os ágapes são importantes complementos das reuniões maçónicas. No decorrer das sessões trabalha-se de modo sério, compenetrado, concentrado e tão eficiente quanto possível, sobre os assuntos que são objeto da reunião. Finda a sessão formal, os obreiros da Loja reúnem-se então à volta de uma mesa e, partilhando uma refeição, convivem, conversam, debatem, brincam, enfim, conhecem-se melhor e reforçam os laços entre si. É frequente que, mesmo nesse ambiente descontraído, sejam colocados temas para debate ou análise que, sendo sérios, não perdem nada em serem tratados de forma mais coloquial.

Foi o caso num dos últimos ágapes da Loja. O Venerável Mestre introduziu o tema da Tolerância e foi inevitável – é certo como a morte! – que rapidamente a conversa evoluísse para o subtema dos limites à Tolerância, se existem, como existem, quais são. É um tema repetidamente visitado e debatido, até porque é obviamente um assunto imprescindível na formação dos mais novos.

Sobre o tema, a minha convicção está assente e, em termos sérios, está exposta, designadamente, no texto “Os limites da Tolerância”. Mas num ágape a conversa evolui e oscila entre o sério e o ligeiro e, opina daqui, brinca dali, vai-se passando a mensagem aos mais novos. Foi o que, mais uma vez, sucedeu naquele ágape. Começou-se pelo lado sério e, a partir de certa altura, a conversa aligeirou.

Já alguém tinha repetido a conhecida e mil vezes citada frase do Grão-Mestre Fundador de que “o limite da Tolerância é a estupidez”. Já tinha sido proferida a clássica piada do “eu sou tão tolerante que, sendo benfiquista, estou bem e contente aqui entre dois sportinguistas” (ou vice-versa) – Nota para os leitores do Brasil, talvez desnecessária, mas à cautela colocada: Benfica e Sporting são os dois grandes clubes desportivos de Lisboa, mantendo entre si assinalável rivalidade, tal como, imagino eu, sucede no Rio de Janeiro em relação ao Fla-Flu ou, em Porto Alegre, em relação ao Grémio e ao Internacional.

Foi então que o Hélder se levantou. O Hélder é um dos fundadores da Loja. Está muito bem conservado para a idade. Ninguém lhe dá os setenta anos que tem – e se, alguém, porventura, quisesse dá-los, o Hélder de imediato os recusaria, dizendo que já os tinha, não precisava de outros… É um espírito culto, sagaz, sabedor e bem-disposto, que maneja com invulgar à-vontade a difícil arte da ironia. Seja sobre qual assunto for, quando o Hélder fala, todos lhe prestam atenção. Mas então quando o Hélder se levanta para falar, todas as conversas cruzadas se suspendem, todos os olhares o fixam e o silêncio expectante instala-se em menos de um ai!

O Hélder levantou-se, pois – e o silêncio instalou-se! Mas, para adensar o suspense, o Hélder não se limitou a levantar-se. Pediu ao Irmão que se sentasse ao seu lado direito para se levantar também, dizendo que precisava dele de pé para que todos entendessem bem o que ele ia dizer! Não há dúvida que o Hélder é mestre em garantir toda a atenção de toda a gente na sala. E garantiu-a automaticamente! Todos aguardavam expectantes o que ele ia dizer, de pé e com um Irmão de pé ao seu lado!

Disse então o Hélder mais ou menos isto: – Querem os meus prezados Irmãos saber quais os limites da Tolerância? Então vou explicar-vos com um exemplo claro, que todos vós ides entender.

– Como sabem, ao longo dos meus mais de cinquenta anos de trabalho, conheci muita gente e muita gente me conhece. São tantos e em tantos lados que, às vezes nem já reconheço todos. Mas é frequente aparecer alguém que me conhece e, saudando-me, “então como está o meu amigo”, me dá uma pequena pancada amigável no ombro – e o Hélder exemplifica, dando uma pequena pancada na omoplata esquerda do Irmão que colocara de pé ao seu lado direito.

– Eu claro que tolero isso. É normal; é até simpático. E prossegue:

– Àqueles que me conhecem melhor, que são meus amigos, até tolero quando me saúdam, “Bons olhos te vajam…”, e me dão uma pancada amigável no meio das costas – e o Hélder continua a exemplificar dando uma pequena pancada na zona lombar do Irmão ao seu lado.

– Tolero isso também com toda a normalidade.

Em seguida, placidamente, conclui:

MAS O LIMITE DA TOLERNCIA ESTÁ NO CINTO!!!!!

Gargalhada imediata, geral e prolongada! Ou muito me engano ou esta é daquelas frases que vai fazer escola e ser muitas vezes citada… Se a ouvirem, ficam a saber a sua origem!

Ir∴ Rui Bandeira

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